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A criação de um tribunal penal internacional.

Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc"

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Ao longo dos séculos, existiram várias iniciativas para julgar os crimes cometidos durante as guerras, tanto contra os combatentes como contra os não combatentes, incluindo os prisioneiros de guerra e os civis.

Tais iniciativas se registram há aproximadamente 2500 anos. Podemos encontrar processos realizados por tribunais ad hoc no ano 500 a. C. na Grécia, onde a maior parte deles foi realizada por tribunais ad hoc por um dos beligerantes, normalmente o vencedor, no lugar dos tribunais ordinários. [01]

Há quem aponte um marco inicial mais remoto, como faz Japiassú, citando Bassiouni:

Acredita-se que a primeira manifestação de Direito Penal Internacional tenha ocorrido na cláusula de extradição contida no Tratado de Paz celebrado em 1280 a. C., entre Ramsés II, do Egito, e Hatussilli, rei dos Hititas. As relações existentes entre esses dois povos antigos fizeram com que seus governantes sentissem a necessidade da cooperação internacional, para garantir a real aplicação do Direito Penal interno. [02]

Quanto à eleição de um marco originário da jurisdição internacional penal, vários episódios são apontados, e os doutrinadores não são pacíficos em suas opiniões. Para uns, o Direito Internacional Penal é um ramo novo do Direito, pois as suas origens estariam apenas no século XIX, quando os crimes de guerra eram punidos, destacando as primeiras convenções relativas ao direito da guerra como reveladoras das primeiras codificações do Direito Internacional Penal; para outros, o Direito Internacional Penal é um ramo tradicional do Direito Internacional, pois há muito tempo estaríamos assistindo ao crescimento de normas de crimina juris gentium [03], com seu marco inaugural observado na pirataria, reconhecida como infração internacional secular. [04]

Verifica-se que os autores não entram em desacordo quanto à existência ou inexistência do Direito Internacional Penal, mas apenas adotam diferentes marcos de referência. Demonstra-se indiscutível que as origens do Direito Internacional Penal remontam às tentativas de se punir indivíduos pela prática de delitos cujas decorrências não se atavam às fronteiras nacionais.

Nesse contexto, abordaremos sucintamente a conceituação dos crimes de pirataria, passando pelo julgamento de Peter von Hagenbach na Alemanha, pela discussão dos ideais de Gustav Moynier, para logo em seguida analisar o Tratado de Versalhes, o período entre guerras e, por fim, após estabelecidas as origens do Direito Internacional Penal, considerar e analisar os Tribunais ad hoc, quais sejam: o Tribunal de Leipzig, o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, o Tribunal Militar Internacional do Extremo-Oriente, o Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal para Ruanda.


1.1 Origens remotas do Direito Internacional Penal: a pirataria, o tribunal para Peter von Hagenbach e os ideais de Gustav Moynier

Uma prática que se difundiu durantes os séculos XVII e XVIII foi a pirataria [05], que é remotamente conceituada como violação internacional, de acordo com a Convenção sobre o Alto Mar (Genebra, 1958) e a Convenção sobre o Direito do Mar (Montego Bay, 1982). A pirataria apresentou-se à época como a única exceção ao princípio da exclusiva responsabilidade objetiva dos Estados, aplicando-se a responsabilidade penal internacional aos sujeitos individuais, já que os piratas eram considerados perpetradores de normas do Direito Internacional, ainda que tal responsabilidade não fosse expressamente prevista. A sociedade global teria o poder de procurar e processar os piratas, independentemente da nacionalidade das vítimas e de o Estado que estivesse processando ter sido ou não diretamente danificado pela pirataria. Os piratas eram considerados inimigos da humanidade, na medida em que dificultavam a liberdade em alto mar e violavam a propriedade privada. [06]

Há autores, como Casesse, que não consideram a pirataria um precedente do Direito Internacional Penal, pois "além de haver se tornado obsoleta, tal prática não apresenta os requisitos dos crimes internacionais propriamente ditos" [07].

No entanto, com a tipificação da pirataria como infração, as bases do Direito Internacional Penal estavam lançadas, mas não com a mesma perspectiva sobre a qual a disciplina iria desenvolver-se.

Na realidade, a pirataria foi de fato a primeira infração internacional, de origem costumeira a ser codificada, todavia, ela corresponde a uma tentativa parcial e incompleta de codificação de infrações internacionais, pois expressa o Direito Penal Internacional e não o Direito Internacional Penal, pois, segundo as palavras de Momtaz "cada Estado membro da comunidade internacional vê-se assim investido de um poder de polícia e de uma competência repressiva nacional por devolução do Direito Internacional" [08]. E ainda no mesmo sentido são as palavras de Lima:

Afinal, no caso da pirataria, a punição imposta não visava à proteção de valores da sociedade internacional, mas ao interesse particular de lutar contra um perigo comum. Não se tratava de competência universal e sim de competência nacional. Portanto, a criminalização internacional da prática da pirataria precede à construção do Direito Internacional, mas seus elementos constitutivos são outros. [09]

O mais antigo tribunal penal internacional ad hoc parece ter sido um constituído para o julgamento de Peter von Hagenbach, em 1474, na cidade de Breisach, Alemanha. Foi provavelmente o primeiro apontamento histórico do surgimento de um tribunal desta natureza. Hagenbach havia sido anteriormente nomeado Governador da cidade de Breisach pelo Duque Charles de Borgonha, sendo que com tal posto instituiu um reino de terror na cidade. Numa batalha contra um grupo de coalisão formado por França, Áustria e por forças do Alto Reno, o Duque de Borgonha foi derrotado e Peter von Hagenbach preso e julgado na Praça do Mercado de Breisach, por ordem do Arquiduque da Áustria, onde fora capturado. Assim, formou-se um Tribunal por 27 juízes de nacionalidades alemã, suíça e austríaca. Peter von Hagenbach, apesar de alegar que apenas cumpria as ordens de seu superior, o Duque de Borgonha, foi condenado à pena capital em razão da violação de "leis Divinas e Humanas", por ter autorizado suas tropas a cometerem estupros, homicídios a homens civis inocentes e pilhassem propriedades, durante a ocupação militar daquela cidade, bem como dispensado tratamento desumano à população que lá vivia, em momento em que não havia hostilidade alguma. [10]

Muito embora seja este o primeiro precedente constantemente mencionado, em realidade não constituiu de fato uma Corte Internacional, mas sim uma corte confederada, pois todos os juízes formadores do Tribunal pertenciam ao Sacro Império Romano-Germânico. Também há que se relevar que o julgamento de Peter von Hagenbach não influenciou na criação de uma futura corte permanente. Somente em 1872 que, pela primeira vez na história, surgiu uma opinião favorável à criação de uma jurisdição internacional penal permanente.

A grande maioria dos autores imputa o nascimento da ideia da criação de um Tribunal Penal Internacional do repúdio às atrocidades cometidas durante a Primeira Guerra Mundial, no entanto, em épocas anteriores, existiram pelo menos mais de uma dezena de propostas para a constituição de um tribunal de tal natureza. Cada uma das referidas propostas enfrentou dificuldades análogas aos problemas que se fizeram tanto na Conferência Diplomática de Roma como nos diversos trabalhos do Comitê Preparatório para o atual Tribunal Penal Internacional.

Ao final do século XIX e princípio do século XX, a Convenção Internacional de Genebra (1864) [11], e as Declarações de São Petersburgo (1868) [12] e Bruxelas (1874) [13] foram as primeiras a atuar em favor da melhora das condições dos militares feridos nos campos de batalha, tendo por objetivo atenuar o mais possível as calamidades da guerra e proibir o emprego de armas contrárias às leis da Humanidade. Tais textos foram os primeiros oficiais de caráter internacional que evocaram a conciliação das necessidades da guerra com as leis da Humanidade. [14]

Uma das iniciativas anteriores à Primeira Guerra Mundial, baseada na Convenção de Genebra de 1864 que pode ser citada é aquela que partiu de Gustav Moynier, um dos fundadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma entidade privada com sede em Genebra, que atua como intermediária neutra tanto nos conflitos armados internacionais como internos. Inicialmente, em 1870 nos seus comentários à Convenção de Genebra de 1864 sobre o tratamento dos soldados feridos, considerou a necessidade de estabelecer um Tribunal Internacional que garantisse a sua efetiva vigência. No princípio da vigência da Convenção, primeiramente chegou a descartar esta ideia, confiando na eficácia da opinião pública internacional. Já em 1872, com o início da Guerra Franco-Prussiana, e horrorizado com as atrocidades e violações da Convenção de Genebra cometidas por ambos os lados, alimentado pela imprensa e pela opinião pública de seu país, Moynier propôs em uma Conferência da Cruz Vermelha, a constituição, por meio de um tratado, de um Tribunal Penal Internacional com competência para julgar tão só os crimes de guerra (a chamada "Convenção para criação de um órgão judicial internacional para a prevenção e punição das violações à Convenção de Genebra") [15], cuja jurisdição deveria se ativar automaticamente em caso de conflito entre as partes.O Presidente da Confederação Suíça deveria eleger três juízes neutros e os Estados beligerantes outros dois. Somente os Estados interessados teriam a faculdade de apresentar denúncias, uma vez que Moynier temia que a Corte ficasse sobrecarregada de denúncias inúteis. [16]

Reconhecendo que as finalidades da Convenção de Genebra não eram adequadas para constituir normas que pudessem alinhavar uma responsabilidade penal individual, Moynier propôs definir as violações e as penas desta Convenção em um instrumento separado. [17]

O Tribunal deveria determinar a inocência ou a culpabilidade depois da audiência, em que se ouviriam as duas partes envolvidas. No caso de sanção, a imposição da pena ficaria complementada pela determinação de uma indenização para as vítimas. Se a pessoa declarada culpada não pudesse pagar os danos e prejuízos intentados, o governo do Estado da nacionalidade do processado seria responsável por se fazer efetivar a indenização. Moynier considerava que o estrito respeito da Convenção de Genebra por parte dos próprios cidadãos era um interesse primordial do Estado. A sentença deveria ser publicada em um boletim oficial dos Estados partes. [18]

Um dos pontos mais débeis do projeto de Moynier era que os custos do Tribunal deveriam ser pagos pelos países beligerantes, e não por todos os Estados, sobre uma base segura a largo prazo.

A proposta de Moynier foi de forma unânime descartada pelos principais juristas internacionais da época durante as Conferências de Haia de 1899 e 1907, com a exceção do governo suíço, que defendeu sua criação. Assim, as ideias de Moynier restaram qualificadas como pouco realistas, porque segundo as palavras de Gramajo:

Uno de los pontos más débiles del proyecto era que los costos de La Corte debían ser pagados por los países beligerantes, y no por todos los Estados, sobre uma base segura a largo plazo. Además, La Corte no hubiera tenido competência sobre las violaciones al derecho consuetudinário, siquiera durante los conflictos armados internacionales o internos. Estos últimos, dicho sea de paso, comenzaban por entonces a adquirir relevância, al conocerse los dramáticos acontecimientos de La guerra de secesión norteamericana, finalizada pocos años antes. [19]

Ainda podemos citar as Convenções adotadas ao final das Conferências de Paz realizadas em Haia, respectivamente, em 1899 e 1907 [20], onde previram, a seguir, que, mesmo durante conflitos armados "as populações e os beligerantes permanecem protegidos e sob o império dos princípios do Direito das Gentes, tal como resulta dos costumes estabelecidos entre as nações civilizadas, das leis da Humanidade e das exigências da consciência pública". [21] Estas convenções, ademais, realçam o desenvolvimento do direito da guerra, na medida em que visaram à prevenção da guerra, à disciplina da condução das hostilidades e do regime da neutralidade, proporcionando também avanços no domínio humanitário. [22]

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Tais documentos foram os primeiros esboços de um Direito Humanitário, estabelecendo obrigações às quais os Estados aceitavam sujeitar-se, com fundamento na existência de leis imanentes, e que representam a antecâmara dos valores universais, cuja doutrina iria desenvolver-se mais de meio século depois, trazendo então a tipificação dos crimes internacionais. [23]


1.2 A Primeira Guerra Mundial e o Tribunal de Leipzig

A principal propulsora moderna da ideia da criação de um Tribunal Penal Internacional nasceu do repúdio às atrocidades cometidas durante a Primeira Guerra Mundial.

Um primeiro aviso dos excessos cometidos durante esta guerra e as primeiras medidas internacionais a respeito da proteção de populares civis e militares feridos ou capturados foram adotadas durante o massacre dos armênios praticado pelo Império Turco-Otomano em 1915, [24] conhecido como o Genocídio Armênio. Em 28 de maio do mesmo ano, os governos britânicos, francês e russo, afirmaram que os responsáveis pelas 600.000 mortes de armênios na Turquia deveriam ser pessoalmente julgados e punidos. Além disso, classificaram o ato como crime contra a humanidade, demonstrando a vontade de que os membros do governo turco haveriam de responder pelos crimes juntamente com todos os seus agentes envolvidos. [25] Essa vontade, contudo, permaneceu sem efeito.

A reação contra as hostilidades de 1914-1918 e os horrores que foram conseqüência deste conflito foi expressa com o fim da conflagração, na conferência de paz de 1919 dos Estados aliados, onde se discutiu a possibilidade de constituir um tribunal internacional para julgar os crimes cometidos pelas potências centrais (Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia) e suas autoridades civis e militares. Com o término da Primeira Grande Guerra, pela primeira vez se:

[...] cogitou a consciência dita universal de julgar e punir os chamados criminosos de guerra, isto é, aqueles que durante o desenrolar do conflito ultrapassaram, pelos seus verdadeiros atos de terrorismo, as normas tradicionais da guerra, geralmente sancionadas em tratados e costumes admitidos pelas potências em choque. [26]

Para tal finalidade, se criou um organismo especial denominado "Comissão sobre a Responsabilidade dos Autores da Guerra e da Execução das Penas pela violação das Leis e Costumes da Guerra" [27].

Esta comissão de inquérito tinha como escopo a investigação do que ocorrera no episódio do massacre armênio e, ao final de seus trabalhos, recomendou que os militares turcos responsáveis fossem julgados e em tal recomendação aparece a noção de crimes contra a humanidade [28], estabelecendo duas categorias de delitos: 1) fatos que provocaram e deram começo a Guerra Mundial, e; 2) violações às leis e costumes da guerra e das leis da humanidade. [29]

Os Estados Unidos alegaram que estes crimes não existiam na ordem internacional, o que impedia que o julgamento fosse levado adiante. Desta forma, o Tratado de Sèvres, de 10 de agosto de 1920, trazia em seus artigos 226 a 228, a previsão de sanção às violações das leis e costumes da guerra e, em seu artigo 230, trazia a previsão do julgamento dos responsáveis pelos massacres cometidos durante o estado de guerra no território do Império Turco por um tribunal especial criado pela Sociedade das Nações ou pelos próprios aliados. Este tratado nunca foi ratificado, pelo contrário, foi sucedido pelo Tratado de Lausanne, de 24 de julho de 1924, que veio a substituí-lo, anistiando os pretensos responsáveis. [30]

Além dessas discussões referidas sobre o caso turco, existiu um acordo entre todas as potências vencedoras sobre a responsabilidade do Kaiser Guilherme II, que também havia violado as leis da guerra, pela prática da ofensa suprema contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados. O resultado deste acordo foi a adoção dos artigos 227, 228 e 229 do tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes (1919).

Neste Tratado, na parte inicial do artigo 227, se decidiu pelo processamento criminal do Kaiser como responsável de um delito supremo "contra a moral internacional e a autoridade suprema dos tratados". Como conseqüência, se constituiria um tribunal especial no qual seriam respeitadas "as garantias essenciais do direito de defesa". O referido tribunal estaria constituído por cinco juízes designados pelas quatro potências vencedoras: Estados Unidos, Grã Bretanha, França, Itália e Japão.

Art. 227. As potências aliadas e associadas acusam Guilherme II de Hohenzollern, ex-imperador da Alemanha, por ofensa suprema contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados.

Um tribunal especial será formado para julgar o acusado, assegurando-lhe garantias essenciais do direito de defesa. Ele será composto por cinco juízes, nomeados por cada uma das potências, a saber: Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França, Itália e Japão.

O tribunal julgará com motivos inspirados nos princípios mais elevados da política entre as nações, com a preocupação de assegurar o respeito das obrigações solenes e dos engajamentos internacionais, assim como da moral internacional. Caberá a ele determinar a pena que estimar que deve ser aplicada.

As potências aliadas e associadas encaminharão ao governo dos Países Baixos uma petição solicitando a entrega do antigo imperador em suas mãos para que seja julgado.

De acordo com o Tratado, o Tribunal estaria guiado pelos mais altos princípios de política internacional na perspectiva de defesa das obrigações solenes derivadas dos compromissos internacionais e da validez da moral internacional. Ao mesmo tempo, o tribunal teria o direito de fixar a pena que considerasse que deveria ser imposta.

No entanto, com o fim da guerra e a derrocada do Império Germânico, o Kaiser se refugiou na Holanda, coincidentemente um dia antes da assinatura do armistício do Tratado de Versalhes, já que por esse tratado, obrigavam-se as autoridades alemãs a entregar aos aliados as pessoas por estes definidas para serem julgadas de acordo com as leis. Na parte final do artigo 227, as potências aliadas e associadas solicitaram ao governo holandês que o ex-imperador lhes fosse entregue, com a finalidade de submetê-lo a julgamento.

A petição enviada pelos Aliados em 16 de janeiro de 1920 a Holanda (Países Baixos), expõe entre os motivos:

A cínica violação da neutralidade da Bélgica e de Luxemburgo, o bárbaro e impiedoso sistema de reféns, as deportações em massa, o rapto das moças de Lille arrancadas de suas famílias e entregues sem defesa às piores promiscuidades, a responsabilidade pela morte cruel de 10 milhões de homens na flor da idade. [31]

Os holandeses, todavia, negaram a sua extradição por entenderem que ele estava sendo acusado por um crime político, e sob o argumento de que não havia de sua parte obrigação internacional de obedecer à política dos aliados, alegando ainda, o Direito do Asilo, e, finalmente, que somente participaria de um Tribunal quando esse fosse legalmente constituído, [32] o que somado à falta de vontade política das potências vencedoras, fez com que o Kaiser jamais fosse julgado.

Os artigos 228 e 229 estabeleceram que houvesse a criação de um tribunal internacional para os criminosos de guerra alemães, ditando que os sujeitos culpáveis de atos delituosos contra os cidadãos de uma das potências aliadas e associadas seriam obrigadas a comparecer perante os tribunais militares da dita potência, e os sujeitos culpáveis de atos delituosos contra os cidadãos de várias potências aliadas e associadas seriam obrigadas a comparecer perante tribunais militares compostos por membros dos tribunais militares das potências interessadas.

De fato, estas disposições não tiveram êxito na sua aplicação. Tanto é que os aliados não criaram o Tribunal previsto no Tratado de Versalhes para os crimes de guerra cometidos por nacionais alemães, o que ocasionou uma lei alemã de 18 de dezembro de 1919, concedendo à Corte Suprema Alemã, o Reichgericht de Leipzig, competência excepcional para julgá-los. [33]

De uma lista inicial de 21.000 pessoas acusadas, lista esta apresentada pelas potências da base aliada, que ocasionou uma onde de protestos na Alemanha, os aliados terminaram cedendo e a lista se reduziu a 895 pessoas acusadas de haver cometido crimes de guerra. [34] O governo alemão somente reconheceu 45, porque o Procurador-Geral alemão concluiu que era impossível julgar um número ainda tão grande de reús. Destas 45 pessoas, apenas foram julgados 21 oficiais alemães, sendo que 13 foram condenadas pelo Tribunal de Leipzig à pena máxima de 3 anos. [35]

Segundo Maia, o maior motivo do não alcance dos objetivos do Tratado de Versalhes neste quesito se deu porque "naquele momento, a justiça foi sacrificada em favor da política. Havia uma preocupação maior em salvaguardar a paz na Europa". [36]

Apesar dos aparentes resultados pífios, o Tratado de Versalhes resultou um enorme avanço no campo internacional penal, pois além de afirmar uma concepção jurídica nova, segundo a qual os autores dos crimes de guerra deveriam responder na justiça por meio de tribunais internacionais, também criou uma universalidade de pensamento.

Trata-se, portanto, de um avanço que, embora não tenha surtido os efeitos esperados, abriria precedentes para futuras iniciativas, sendo a mais próxima situada no período entre guerras. [37]

É oportuno assinalar a opinião da já citada "Comissão sobre a Responsabilidade dos Autores da Guerra e da Execução das Penas pela violação das Leis e Costumes da Guerra", no sentido de que "é desejável que para o futuro se apliquem sanções penais para os graves ultrajes contra os princípios elementares do direito internacional". [38]

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Sobre o autor
Cristiano José Martins de Oliveira

Advogado, Professor Universitário e Coordenador do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Vale do Ribeira, em Registro-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Cristiano José Martins. A criação de um tribunal penal internacional.: Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2449, 16 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14525. Acesso em: 27 abr. 2024.

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