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Limites da lide: importância e questões controvertidas

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3. A decisão do juiz com base em fatos que não constam no pedido: a questão dos limites da lide

Na processualística brasileira, quem determina o objeto do processo são as partes. Com efeito, o juiz não pode aumentar, diminuir ou alterar o pedido, exceto em se tratando de custas e algumas matérias fiscais:

Ementa: processual civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Agravo regimental contra decisão que indeferiu liminar. Pedido que extrapola a lide. Não-cabimento. Agravo improvido. 1. De acordo com o disposto nos artigos 128 e 460, do Código de Processo Civil, o juiz deve se restringir aos limites da causa, fixados pela autor na inicial, sob pena de nulidade por julgamento citra, ultra ou extra petita [44].

Se a petição é inadmissível, ou inepta, ou sem fundamento, o julgado é obrigado a repeli-la, mesmo que sem provocação da parte contrária. Nas palavras de Gisele Pereira Jorge Leite:

Não pode o magistrado alterar a causa de pedir da ação proposta, referindo-se aos fatos que não constem da peça inaugural da demanda que é a petição inicial. Não pode o juiz deferir ao autor, embora em seu benefício resposta judicial diversa daquela solicitada [45].

Neste sentido:

Ementa: processual civil. Administrativo. Concurso público. Mandado de segurança. Sentença que concede a ordem com base em causa de pedir diversa da apresentada pelo impetrante. Nulidade sanada pelo Tribunal de origem. Apreciação do pedido nos estritos limites dos fundamentos trazidos na inicial. Princípio da instrumentalidade. Recurso especial conhecido e improvido. 1. Consoante inteligência dos artigos 458, inciso II, e 460, do Código de Processo Civil, é nula a sentença que decide a questão trazida aos autos utilizando fundamento diverso daquele apresentado na inicial como causa de pedir. Na espécie, todavia, o Tribunal de origem, ao examinar a apelação interposta pelo Ministério Público Estadual, sanou o equívoco cometido pelo juiz de primeira instância, uma vez que apreciou o direito do recorrido nos estritos limites do que foi postulado. 2. Em homenagem aos princípios da instrumentalidade, efetividade e economia processual, não se justifica a anulação da sentença quando inexiste prejuízo ou interesse público a justificá-la. 3. Recurso especial conhecido e improvido [46].

Assim, se o autor pede certa providência (pedido imediato) e determinado bem da vida (pedido mediato), o juiz, em razão do princípio processual da congruência entre a sentença e o pedido, não pode (exceto em hipóteses muito especiais), conceder providência ou bem da vida diversos dos postulados.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [47] citam como exceções ao princípio de que o juiz deve ater-se ao pedido, os artigos 461, do Código de Processo Civil ("na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer [...] se procedente o pedido, o juiz determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento") e 84, do Código de Defesa do Consumidor ("na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento").

Nesses dois dispositivos legais reconhece-se, "o poder de o juiz, de ofício, ordenar sob pena de multa ou determinar as denominadas medidas necessárias, para que seja obtida a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento". Se o autor postulou uma sentença executiva, o juiz pode proferir sentença mandamental, uma vez que o juiz tem o poder de ordenar acerca de penas de multa mesmo sem requerimento do autor. Além disso, estando o juiz autorizado a determinar, sem requerimento da parte, as medidas necessárias, pode ele proferir uma sentença executiva, quando é pedida uma sentença mandamental.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [48] também defendem que "se é possível mudar o pedido, com o consentimento do réu, até o saneamento do processo, seria verdadeiramente absurdo não admitir a ampliação do pedido, nestas condições, até o saneamento do processo". Além disso, o pedido também pode ser reduzido em virtude de algumas situações como, por exemplo, no caso de desistência da ação no tocante a uma parte do pedido ou a um dos pedidos, quando houver cumulação de pedido; também na situação de renúncia a uma parte do direito postulado; ainda no caso de transação parcial na pendência do processo; a convenção de arbitragem em relação a parte do objeto do litígio na pendência do processo também autoriza a redução do pedido; e, por fim, o recurso em relação a uma parte da sentença.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [49] lembram que o Código de Processo Civil, em seu artigo 460, caput, traz o seguinte enunciado: "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado". A partir dessa afirmação normativa interpretam os citados autores que "a sentença deve limitar-se ao que foi pedido pelo autor, seja no que diz respeito ao pedido imediato, seja no que pertine ao pedido mediato". Prosseguem ponderando que embora existam hipóteses excepcionais que permitam ao juiz conceder tutela jurisdicional fora do pedido, a exemplo do que consta no artigo 461, do Código de Processo Civil, os pedidos devem ser interpretados restritivamente (artigo 293, do Código de Processo Civil). Não precisam estar mencionados expressamente no pedido as despesas do processo e os honorários de advogado (artigo 20, do Código de Processo Civil), os juros legais (artigo 293, do Código de Processo Civil) e as prestações periódicas vencidas após a propositura da ação (artigo 290, do Código de Processo Civil).

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Isso tudo indica que "não é absoluta a liberdade de exame do julgador" [50]. O julgador deve debruçar-se sobre os fatos provados nos autos. O problema é que o Código de Processo Civil acrescenta que os fatos e circunstâncias provados poderão ser levados em conta, ainda que não alegados pelas partes: "artigo 131: o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento".

A doutrina resistiu à novidade legislativa, principalmente em virtude do receio de concessão de demasiado poder ao juiz, principalmente em razão das confusões entre poder de limitação do objeto da demanda e poder de iniciativa probatória. O poder de limitação do objeto do processo é das partes, e só delas (artigo 128). Já o poder de iniciativa em matéria probatória não é só das partes, mas também do juiz. Em vista disso, a preocupação com modificação da causa de pedir ou dos termos da defesa perde sentido, pois, no sistema jurídico brasileiro, depois da citação, a demanda fica estabilizada, sendo que não pode o juiz modificar a lide porque antes de tudo não o podem as partes. Por isso, o julgador não pode, nunca, ampliar o objeto litigioso. Já as partes não podem modificá-la depois da citação. O que a lei processual definitivamente confere ao juiz brasileiro é o poder de determinar a produção de prova [51].

É importante deixar claro, por fim, que a alteração não se confunde com a ampliação e com a redução do pedido. É sempre possível a alteração do pedido antes da citação, e, desde que haja o consentimento do réu, até o saneamento do processo [52]. Já os fatos e circunstâncias não alegados pelas partes não podem ser modificados pelo juiz, salvo se existir relação de pertinência para com a causa de pedir, ainda que comprovados por meio de prova que não requeridos por elas, mas de produção determinada pelo juiz.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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DALL´ALBA, Felipe Camilo. As partes e a causa de pedir. Texto desenvolvido em março de 2004. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/03de2004/partesecausadepedir_felipe.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009

DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil: capítulo VI. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed., tomo I. São Paulo: Malheiros, 2000.

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LEITE, Gisele Pereira Jorge. Sobre o pedido e a causa de pedir. In: Revista Âmbito Jurídico, ano X, nº 48, p. 1-6. Rio Grande - RS, dez. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/2614.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed., rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

NEVES, Celso; et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. Edição especial. 18 vls. 15 autores. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000

RODRIGUES, Cláudia. Uma breve investigação acerca do mérito no processo civil. In: Revista UNOPAR Científica, Ciências Jurídicas e Empresariais, v. 3, nº 1. Londrina/PR: UNOPAR, mar. 2002.


Notas

  1. GOMES, Fábio. Carência de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.14-15.
  2. RODRIGUES, Cláudia. Uma breve investigação acerca do mérito no processo civil. In: Revista UNOPAR Científica, Ciências Jurídicas e Empresariais, v. 3, nº 1, p. 59. Londrina/PR: UNOPAR, mar. 2002.
  3. DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil: capítulo VI. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed., tomo I. São Paulo: Malheiros, 2000.p. 244.
  4. Doutrina citada por Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 246).
  5. Eliézer Rosa apud DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p.247.
  6. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p.247-248.
  7. RODRIGUES, Cláudia. Op. cit., p. 60.
  8. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 248-249.
  9. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254.
  10. RODRIGUES, Cláudia. Op. cit., p. 60.
  11. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254 e ss.
  12. DOMINGUES FILHO, José. O mérito no processo execução civil. In: Revista Jurídica UNIGRAN, v. 2, nº 4, p. 189-195. Dourados/MS: UNIGRAN, jul./dez. 2000.p.191.
  13. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254 e ss.
  14. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p.35.
  15. Idem, ibidem, p.35.
  16. Idem, ibidem , p.35-36.
  17. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 273.
  18. Idem, ibidem, p.275-276.
  19. NEVES, Celso; et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. Edição especial. 18 vls. 15 autores. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000.p. 960.
  20. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 32853/SP. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Dias Trindade. Julgado em 13 de abril de 1993. Publicado no DJU de 24 de maio de 1993, p.10006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  21. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 435580/RJ. Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: João Otávio de Noronha. Julgado em 03 de agosto de 2006. Publicado no DJ de 18 de agosto de 2006, p.362. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  22. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 799369/BA. Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Teori Albino Zavascki. Julgado em 18 de setembro de 2008. Publicado no DJe de 25 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  23. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Processo civil: processo de conhecimento. 4. ed., v. 10. São Paulo: Atlas, 2008.p.31-32.
  24. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Op. cit., p. 117.
  25. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 270-271.
  26. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 955.
  27. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p.270.
  28. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 956.
  29. Francesco Carnelutti apud NEVES, Celso; et alli. p. 957.
  30. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed., rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.p. 681.
  31. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 690.
  32. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 957.
  33. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 804255/CE. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Humberto Gomes de Barros. Julgado em 14 de fevereiro de 1993. Publicado no DJe de 05 de março de 2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2009
  34. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 958.
  35. Moniz de Aragão apud NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 958.
  36. BRASIL, Jurisprudência. Agravo Regimental na Ação Cível Originária nº 445/ES. Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Relator: Marco Aurélio. Julgado em: 06 de junho de 1998. Publicado no DJ de 28 de agosto de 1998, p. 00003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 28 set. 2009.
  37. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 959.
  38. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 130.
  39. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Op. cit., p. 107.
  40. DALL´ALBA, Felipe Camilo. As partes e a causa de pedir. Texto desenvolvido em março de 2004. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/03de2004/partesecausadepedir_felipe.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009. p. 26.
  41. Idem, ibidem, p. 28.
  42. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 21940-5/MG. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Eduardo Ribeiro. Julgado em 09 de fevereiro de 1993. Publicado no DJU de 08 de março de 1993, p. 3.114. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2009.
  43. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira apud DALL´ALBA, Felipe Camilo. Op. cit., p. 30.
  44. BRASIL, Jurisprudência. Agravo Regimental no Recurso Especial em Mandado de Segurança nº 26276/SP. Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Julgado em: 16 de dezembro de 2008. Publicado no DJe de 16 de fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  45. LEITE, Gisele Pereira Jorge. Sobre o pedido e a causa de pedir. In: Revista Âmbito Jurídico, ano X, nº 48, p. 1-6. Rio Grande - RS, dez. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/2614.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2009. p. 1.
  46. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 419710/RO (2002/0029604-4). Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Julgado em: 17 de agosto de 2006. Publicado no DJ de 25 de setembro de 2006, p.295. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  47. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 109.
  48. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 115.
  49. Idem, ibidem, p. 105.
  50. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 401.
  51. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 401-402.
  52. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 116.
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Sobre o autor
Carlos Eduardo de Sousa Chinaite

estagiário de direito, graduando da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHINAITE, Carlos Eduardo Sousa. Limites da lide: importância e questões controvertidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2457, 24 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14550. Acesso em: 18 nov. 2024.

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