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O Ministério Público e a busca pela inclusão social.

Atuação no âmbito das políticas públicas

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18/04/2010 às 00:00
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3. Limites à implementação das políticas públicas: insuficiência de recursos financeiros e a teoria da reserva do possível

Os direitos sociais, conforme sustentamos no tópico anterior, demandam recursos que possam cobrir os custos das prestações deles decorrentes.

Ao mesmo passo em que os direitos sociais impõem ao Estado o dever de garantir prestações aos indivíduos, estes estão obrigados ao pagamento autoritário e coativo de tributos destinados a satisfazer as demandas prestacionais.

Dentro do contexto do Estado neoliberal que claramente se busca implantar mundo afora, bem como diante das sucessivas crises financeiras que, em virtude do fenômeno da globalização, afetam quase todos os países, vem à tona o discurso de que é cada vez maior a escassez de recursos públicos necessários para o custeio das políticas voltadas para a implementação dos direitos sociais. (BREUS, 2007, p. 232)

Hoje como ontem, os direitos sociais colocam um problema incontrolável: custam dinheiro, custam muito dinheiro. Por isso, logo no começo da década de 1970, Peter Häberle formulou a teoria da "reserva das caixas financeiras" para exprimir a ideia de que:

[...] os direitos econômicos, sociais e culturais estão sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, se e na medida em que eles consistirem em direitos a prestações financiadas pelos cofres públicos. Na mesma altura, um outro jusplubicista alemão, W. Martens, reforçava esta idéia através de expressões plásticas que hoje são saturadamente repetidas nos manuais: os direitos subjetivos públicos suscetíveis de realização só podem ser garantidos no âmbito do possível e do adequado, e já por este motivo eles são desprovidos de estado jurídico-constitucional. Desde então, a "reserva do possível" ("Vorbehalt des Möglichen") logrou centralidade dogmática a ponto de obscurecer quaisquer renovações no capítulo dos direitos sociais. (CANOTILHO, 2004, p. 107)

A concepção pertinente à reserva do possível surgiu no momento histórico em que se construía a "teoria dos custos dos direitos", baseada em estudos promovidos em universidades norte-americanas que defendiam a necessidade de se levar em conta o valor econômico que a realização de determinado direito poderia acarretar. (BREUS, 2007, p. 232)

Como fica claro, a teoria da reserva do possível parte do pressuposto de que "as prestações estatais estão sujeitas a limites materiais ingênitos, oriundos da escassez de recursos financeiros pelo Poder Público. Logo, a ampliação da rede de proteção social dependeria da existência de disponibilidade orçamentária para tanto". (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 172)

Entretanto, é preciso lembrar que, apesar das sempre presentes limitações orçamentárias relativas às possibilidades de implementação das políticas públicas pertinentes aos direitos fundamentais sociais, temos como certo que a mera invocação da teoria da reserva do possível não pode ser aceita na busca de uma justificativa para os tão baixos níveis na amplitude de atendimento e na eficiência (qualidade) dos serviços públicos.

De fato, a norma jurídica não tem o condão do "toque de Midas". A mera previsão constitucional de um determinado direito não cria, por si só, as condições socioeconômicas para implementá-lo. A aplicabilidade e a interpretação da norma constitucional devem ser regidas pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a que sejam evitadas conclusões inviáveis. Neste sentido, temos que a Constituição não pode preconizar promessas irrealizáveis do ponto de vista fático e, por isso, a escassez de recursos econômicos não deve ser ignorada pelo operador do Direito, sendo que este não pode ter uma atuação dissociada da realidade socioeconômica. É preciso destacar, por outro lado, que a reserva do possível, por si só, não pode ser utilizada como argumento para se afastar pura e simplesmente qualquer eficácia das normas constitucionais que consubstanciam os direitos sociais, valendo observar que tais normas possuem eficácia para gerar a responsabilidade do Estado pela implementação de políticas públicas que concretizem os direitos fundamentais de segunda dimensão. Ademais, os direitos sociais geram direitos subjetivos públicos positivos, plenamente exigíveis, não podendo as contingências orçamentárias afastar sua eficácia ou inviabilizar a sua exigibilidade jurisdicional. (PORT, 2005, p. 105-106)

Importante destacar que a teoria da reserva do possível mostra-se em constante tensão com o conceito de mínimo existencial, sendo que referida tensão deve ser harmonizada pelo critério da proporcionalidade, dentro de uma prática argumentativa racional e democrática. (JORGE NETO, 2008, p. 155)

Assim, inegável que a teoria da reserva do possível reveste-se de um caráter contingente, somente sendo aplicável diante de certas condições: "primeira, a de que o mínimo vital esteja satisfeito (acesso à saúde, educação básica, etc.); segunda, a de que o Estado comprove gestões significativas para a realização do direito social reclamado; terceira, a avaliação de razoabilidade da demanda". (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 175)


4. Escolha adequada: a questão da discricionariedade administrativa no âmbito das políticas públicas

As políticas públicas devem ser encaradas como um processo destinado à escolha racional e coletiva de prioridades, no qual "explicitam-se e contrapõem-se os direitos, deveres, ônus e faculdades dos vários interessados na atuação administrativa, além da própria Administração". (BUCCI, 2006, p. 264)

Assim, percebe-se que a temática das políticas públicas está diretamente relacionada com o processo de formação do interesse público e, portanto, à questão da discricionariedade do administrador. Na realidade, as políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio da discricionariedade na medida em que exigem a apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão, em consequência da qual se desencadeia a ação administrativa. O processo de elaboração da política pública mostra-se apto a documentar os pressupostos da atividade administrativa, tornando viável o controle posterior dos motivos. (BUCCI, 2006, p. 265)

A discricionariedade administrativa pode ser definida como "a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o Direito". (DI PIETRO, 2007, p. 67).

A discricionariedade, portanto, é a faculdade que adquire a Administração Pública para assegurar, de forma eficaz, os meios realizadores de determinado fim. [08] A toda evidência, não seria razoável exigir do administrador a previsão de todas as situações possíveis, nem mesmo se poderia estabelecer formas de proceder imutáveis e perenes, uma vez que estas logo se mostrariam inadequadas para atender às frequentes mutações da vida social. Por este motivo, a discricionariedade caracteriza-se como a ferramenta jurídica entregue ao administrador para que a gestão dos interesses sociais se realize de acordo com as necessidades de cada momento. (DI PIETRO, 2007, p. 69) [09]

Observamos, porém, que a existência de uma possibilidade de opção discricionária não torna imune a atividade administrativa ao controle jurisdicional, uma vez que "sua atribuição ao administrador público não significa um ‘cheque em branco’ ou a possibilidade de opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e, sobretudo, ofensivas aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico". (COELHO, 2002, p. 49)

Entretanto, considerando que a discricionariedade, no Estado Democrático de Direito, só existe dentro da lei, com o escopo de satisfazer os fins por ela contemplados, temos que, diante de norma constitucional como aquelas pertinentes aos direitos sociais e que se incumbem de atribuir a todos os indivíduos, por exemplo, o direito público subjetivo à educação básica e à saúde, deixando evidente o dever do Estado de adotar medidas concretas a fim de satisfazer tais desideratos normativos, não há, com efeito, "margem de liberdade para o administrador escolher se vai atender, ou não, os demandatários de tais espécies de atenção pública". (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 202)

Tal conclusão se apresenta diante dos seguintes argumentos:

Cuida-se, em primeiro lugar, de norma constitucional, o que, por si, faz com que os direitos indigitados precedam, no rol de possibilidades do Administrador, quaisquer outros encampados por lei, o que deflui do próprio sentido de hierarquia das espécies normativas, própria de um ordenamento piramidal.

Em segundo lugar, são direitos fundamentais, o que lhes dá precedência – pelo comando de máxima efetividade –, mesmo em relação a outros direitos constitucionais, que não desfrutem do mesmo status constitucional.

São direitos inquestionavelmente insertos no âmbito do chamado mínimo existencial, o que, ainda uma vez, predica-lhes de precedência no rol de prioridades administrativas do Estado.

Estão hospedados em normas cuja compostura jurídica só deposita discricionariedade nos motivos, o que conduz à conclusão de que ao Administrador só remanesce margem discricionária na conformação dos meios materiais para que o objetivo – atendimento integral da demanda – seja adequadamente alcançado. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 2003)

Assim, a discricionariedade administrativa, nas situações em que o ordenamento jurídico hospede direitos públicos subjetivos, só existe na conformação dos meios que deverão ser adotados para a consecução dos fins estabelecidos pela norma jurídica. Aqui, necessário observar que boa parte dos direitos prestacionais foi regrada por meio de normas programáticas, em que o constituinte, ou o reformador da Constituição, se restringiu à fixação de programas, diretrizes ou fins a serem atingidos. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 204-205)


5. O Ministério Público e as políticas públicas: estratégias de atuação em busca da inclusão social

O art. 127, caput, da Constituição Federal de 1988 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Nestes termos, cabe ao Ministério Público atuar como o "grande braço protetor da sociedade". O Ministério Público nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; "é a Constituição em ação, em nome da sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições". (BONAVIDES, 2003, p. 383-384)

O Ministério Público é, portanto, "pedaço vivo da Constituição; órgão que o Executivo, mergulhado num oceano de podridão, num mar de lama, num abismo de miséria, desejara morto ou inibido para o desempenho de sua missão ética e saneadora das instituições". (BONAVIDES, 2003, p. 383-384 e 388)

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Tais características trazem ao Ministério Público especial relevância no rol das instituições que estruturam o Estado Democrático de Direito, colocando-o como base de sustentação de um de seus fundamentos, qual seja, a cidadania (art. 1º, II, da Constituição Federal de 1988).

Ao lhe atribuir a missão institucional correspondente à defesa dos interesses sociais indisponíveis, o legislador constituinte, representando a soberania da vontade popular, depositou no Ministério Público a confiança de que se caracterizaria como o guardião dos direitos sociais.

O Ministério Público, desta forma, deve marcar sua atuação na busca da implementação dos direitos consagrados no art. 6º da Carta Magna. Para tanto, seus representantes, em um primeiro momento, deverão atuar como fonte de mobilização dos diversos atores sociais e de fomento das políticas públicas. "A mobilização da sociedade civil é um processo que deve ser construído pelos Promotores de Justiça e constitui uma das alternativas de efetivação da norma, uma vez que devemos considerar a conexão direito/poder como mecanismo de aprimoramento das relações sociais". (TARIN, 2009, p. 59)

Em sentido amplo, o Ministério Público deve orientar sua atuação para o equacionamento de três demandas básicas: a inclusão social, a ética nas relações públicas e a melhoria da qualidade de vida. O tema da inclusão social, marcado pela necessidade de que seja garantida a dignidade humana, não pode ser tratado fora da preocupação com a melhoria da qualidade de vida. Desta forma, muito mais do que moradia, educação, saúde e lazer, o que se deve buscar é moradia em condições urbanas adequadas, com equipamentos de educação, saúde e lazer eficientes, integrados a um mesmo projeto urbanístico. Em síntese, temos que as questões pertinentes à inclusão social de determinados segmentos da sociedade não podem estar desatreladas a temas relacionados à qualidade de vida, estes tomados em sua perspectiva global. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 24)

No âmbito do movimento social, podemos identificar três importantes personagens que devem atuar, de forma interdependente, no tempo e no espaço, quais sejam: a) o "produtor social", que é a pessoa (ou instituição) capaz de criar condições econômicas, técnicas e profissionais para que um processo de mobilização ocorra, sendo a responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe dar legitimidade política e social; b) o "reeditor social", ou seja, a pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho, tem a capacidade de readequar mensagens, segundo circunstâncias e propósitos, com credibilidade e legitimidade, possuindo capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentido frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar; c) "editor", sendo este a pessoa (ou instituição) profissional de comunicação responsável por fazer chegar ao reeditor as mensagens voltadas para a mobilização e participação social. (TARIN, 2009, p. 60)

Os representantes do Ministério Público podem ser "produtores sociais". Entretanto, para que isto se verifique, alguns obstáculos devem ser transpostos, sobretudo se considerarmos que a formação dos promotores e procuradores não os qualifica para este papel, devendo existir um compromisso institucional no sentido de ser adotada mais esta alternativa de atuação. [10] (TARIN, 2009, p. 60)

O Ministério Público pode atuar como incentivador das entidades e organizações que atuam no chamado "Terceiro Setor", auxiliando na criação e influenciando positivamente na atuação de associações civis, entre as quais aquelas votadas para a defesa dos direitos sociais. É evidente que este processo não surgirá de decisões de cunho burocrático ou de processos judiciais a serem instaurados. O que deve acontecer é uma interação do Ministério Público e de seus agentes no meio social. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 28-29) Deixando claro este entendimento:

Como, por exemplo, falar-se do Ministério Público protegendo direitos humanos, direito à saúde ou direito do consumidor fora do contexto em que a sociedade se organiza para esses fins? Como se falar em proteção da infância sem uma relação estreita com os Conselhos Tutelares e, por via de conseqüência, sem conhecimento dos problemas que afligem a infância e a juventude nas diversas regiões da cidade? Na verdade, o que parece é que o ponto básico de uma reordenação institucional seria exatamente uma inserção mais significativa do Ministério Público no meio social. A partir dessa inserção certamente a redefinição de prioridades e, por via de conseqüência, a reorganização da instituição afluiriam quase que automáticas, ensejando o engajamento do Ministério Público na sua função de vanguarda das instituições públicas e o seu engajamento nas demandas sociais mais importantes. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 28-29)

Na condição de "produtores sociais", os representantes do Ministério Público podem atuar de duas maneiras fundamentais. A primeira delas se verifica na busca de tornar transparente o direito que é opaco. Tal maneira de atuação verifica-se por intermédio da tentativa de educar, sensibilizar e conscientizar o cidadão a respeito de seus direitos civis, políticos e sociais. Para tanto, podem ser utilizados diversos instrumentos como, por exemplo, os meios de comunicação de massa, cartilhas, vídeos, peças de teatro e palestras. Uma outra forma de atuação diz respeito à busca de uma mobilização social voltada para a formulação das políticas públicas e a implementação dos correspondentes direitos. (TARIN, 2009, p. 66)

No processo de mobilização social, o Ministério Público, por intermédio de seus representantes, deve estabelecer alianças com a sociedade civil e, desta maneira, identificar os problemas a serem enfrentados por meio da formulação de políticas públicas. A fim de ser alcançado tal objetivo, cinco etapas devem ser cumpridas: "1 – decidir que existe um problema; 2 – decidir que se deve tentar resolver o problema; 3 – decidir a melhor estratégia para enfrentar o problema; 4 – atuar na solução do problema; 5 – institucionalizar a solução do problema mediante a formulação de políticas públicas". (TARIN, 2009, p. 67)

Dentro dessa perspectiva, mostra-se necessário que a participação popular seja a mais democrática possível, conclamando-se todas as esferas de representação comunitária por intermédio dos meios de comunicação e, se possível, os representantes do Ministério Público devem se dirigir ao ambiente familiar e social das pessoas para sensibilizá-las a respeito da importância da participação de todos no processo de formulação das políticas públicas, sob pena da participação ser inexpressiva e destituída de valor de transformação. (TARIN, 2009, p. 68)

O movimento tendente à mobilização da comunidade deve assentar-se em um plano de comunicação social, possibilitando o intercâmbio de informações, sendo que tal movimento passa a atingir seus resultados a partir do momento em que ganha espaço na mídia, influenciando na formação da opinião pública. Com isso, o Poder Executivo local, pressionado pelos cidadãos e instituições integrantes do movimento, abandona sua inércia e passa a atuar para atender ao propósito da reação popular, operando as modificações reclamadas pela cidadania. O grau de participação e a solidez destes movimentos fazem com que os meros eleitores ascendam ao patamar de efetivos cidadãos. "O empoderamento dos direitos pelos cidadãos no processo de mobilização social com fins à formulação de políticas públicas os legitima a influir nas decisões políticas, concretizando o ideal da democracia participativa". (TARIN, 2009, p. 68)

Neste ponto, devemos destacar que, mesmo diante de uma profunda mobilização social na busca da concretização dos direitos fundamentais por intermédio das políticas públicas, os Poderes Públicos podem permanecer inertes.

Tal quadro, caso se verifique, pode ensejar a intervenção do Ministério Público em outra esfera, qual seja, a judicial.

O Ministério Público vem se mostrando um agente fundamental na implementação de políticas públicas, especialmente atuando como legitimado ativo em processos individuais e coletivos. Em pouco espaço de tempo, em virtude de intenso esforço institucional:

[...] o Ministério Público brasileiro mudou seu paradigma e passou a ser uma instituição ativa e voltada para a realização do acesso a uma adequada tutela dos direitos, sendo que, para que tenhamos um Ministério Público "cujos pulmões respiram o oxigênio da Constituição", [11] a instituição deve buscar incessantemente ser um meio de acesso à tutela adequada dos direitos sociais e/ou indisponíveis. Por meio do Ministério Público, direitos que não seriam tutelados ou que o seriam de maneira precária – e tutelar direitos precariamente é, em última análise, o mesmo que não os tutelar – passaram a contar com uma possibilidade efetiva de realização. Não soa excessivo afirmar que o Ministério Público otimizou o acesso a uma adequada tutela dos direitos, fortalecendo a democracia e contribuindo para a realização do Estado de Direito. Conjugando o perfil constitucional do Ministério Público com a teoria sobre o acesso à justiça desenvolvida por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, [12] veremos que a instituição possui instrumentos para a realização das célebres "três ondas" renovatórias do processo [...]. Na implementação judicial de políticas públicas, o Ministério Público vem atuando intensamente, seja por meio de ações coletivas, seja por meio de ações na defesa de direitos individuais indisponíveis, em temas como, por exemplo, direito à saúde, à educação, ao saneamento básico, à ordem urbanística, ao patrimônio cultural, ao meio ambiente, à segurança no trânsito, ao patrimônio público, na defesa de crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiência, comunidades indígenas, entre outras diversas hipóteses, além de ter na ação de improbidade um importante instrumento para a realização de políticas públicas, inclusive por seu caráter pedagógico. Em sua atuação, pode o Ministério Público contribuir decisivamente para a admissibilidade dos processos envolvendo políticas públicas, seja por meio de ações tecnicamente cuidadosas, explicitando as razões que autorizam a iniciativa judicial, seja por uma ativa participação como interveniente, aditando a petição inicial e manifestando-se de modo a suprir falhas que podem impedir indevida e desnecessariamente o julgamento do mérito. (GODINHO, 2009, p. 189-192)

No Brasil, o Ministério Público, que originariamente atuava como braço do poder estatal na punição de crimes, passou, com a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), a ter atribuição para defender interesses coletivos e difusos, atuando como verdadeiro advogado da sociedade, ao lado das demais entidades co-legitimadas (como as associações civis ou organizações não governamentais). O papel de órgão de mediação entre a sociedade civil e a Administração mostra-se cada vez mais presente na medida em que aquela vê no Ministério Público uma instituição independente e autônoma que, por conta de sua legitimação constitucional, pode tanto negociar em igualdade de condições com a Administração, ou mesmo com os entes privados prestadores de serviços públicos, quanto agir em juízo, ultrapassando os obstáculos existentes (custas, honorários advocatícios, preparo técnico para deduzir e defender o direito desrespeitado), o que muito dificilmente ocorre com entidades da sociedade civil organizada, em especial aquelas dedicadas à defesa dos direitos sociais. (FRISCHEISEN, 2000, p. 112-113)

Como se percebe, no campo das políticas públicas pertinentes aos direitos sociais, a intervenção do Ministério Público está diretamente ligada à concretização de uma outra modalidade de direito fundamental: o acesso à justiça. O tema do acesso à justiça é aquele que:

[...] mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica. [...] A consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e sua expansão paralela à do Estado providência transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e de função mistificadores. (SANTOS, 2001, p. 167)

Assim, temos que o direito ao acesso à justiça passa, muitas vezes, pela atuação do Ministério Público. Neste sentido, vale lembrar que a Constituição Federal estabelece em seu art. 129 que são funções institucionais do Ministério Público a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, bem como a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. [13] Dessa forma, mostra-se inequívoca a legitimidade do Ministério Público para a defesa coletiva dos direitos sociais, assegurados no art. 6º da Lei Maior. (FRISCHEISEN, 2000, p. 118)

Os instrumentos jurídicos postos à disposição do Ministério Público para a tutela dos direitos sociais são, primordialmente, o inquérito civil e a ação civil pública.

O inquérito civil, que se caracteriza como um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a recolher elementos de prova capazes de ensejar o ajuizamento da ação civil pública, também pode viabilizar a intervenção do Ministério Público na esfera extrajudicial.

Os procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público permitem a negociação com a Administração ou com os entes privados responsáveis pela implementação de políticas públicas. A importância desse espaço de negociação é inegável porque nele poderão ser discutidas e contempladas as grandes questões atinentes à efetivação de tais políticas (como as temporais e orçamentárias), permitindo a conciliação entre as várias demandas existentes na sociedade por meio da fixação de prazos para o cumprimento das exigências legais e eventuais adequações orçamentárias. (FRISCHEISEN, 2000, p. 133)

No inquérito civil também podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias partes envolvidas com determinada política pública, sendo que tais partes não necessariamente poderiam ser acionadas em uma ação civil pública ou, mesmo que pudessem, gerariam inúmeras contestações, sem que uma sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias para cada uma delas.

É ainda na esfera do inquérito civil público que poderão ser negociadas mudanças em procedimentos da Administração que, apesar de não serem necessariamente ilegais, mostram-se ineficazes para o alcance de seus objetivos.

O Ministério Público funciona, então, como órgão mediador e indutor das mudanças. (FRISCHEISEN, 2000, p. 133-134)

Dentro do inquérito civil, ou seja, ainda na esfera extrajudicial, um dos instrumentos que pode ser utilizado pelo Ministério Público é o "compromisso de ajustamento de conduta".

Previsto no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, o compromisso de ajustamento de conduta tem como objetivo obter, dos órgãos públicos ou privados, a adequação de atuação em conformidade com as normas constitucionais e legais.

O compromisso de ajuste é o instrumento no qual condições temporais e orçamentárias para a efetiva implantação de determinada política pública poderão ficar assentadas. De se destacar, entretanto, que o compromisso de ajuste não pode resultar na renúncia de direitos ou aceitação de condutas ilegais. O que se mostra passível de negociação são prazos e condições para que a Administração, que tem o dever de cumprir a política pública em questão, se ajuste às exigências constitucionais e legais. Desta forma, o compromisso de ajuste caracteriza-se como ato jurídico firmado perante o Ministério Público, por meio de um instrumento escrito, no âmbito do qual a Administração se compromete a cessar a conduta ilegal ou inconstitucional (comissiva ou omissiva) no prazo e condições negociados. (FRISCHEISEN, 2000, p. 136-137)

Outro instrumento que pode ser utilizado pelo Ministério Público na esfera extrajudicial é a "recomendação", cuja previsão encontra-se no art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93 (dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União), c.c. o art. 80 da Lei nº 8.625/93 (institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências).

A recomendação, na área dos direitos sociais, permite ao administrador público incorporar em seu planejamento linhas de atuação capazes de auxiliar na efetiva implementação dos direitos assegurados na Constituição, conciliando interesses que foram levados pela sociedade civil ao Ministério Público ou que surgiram da própria ação de fiscal da lei do Parquet.

Se os acordos (reuniões vinculativas e compromissos de ajuste) têm como vetores informativos demandas já postas, o descumprimento da Constituição e da legislação integradora, seja pela má implementação de determinada política pública seja pela omissão da Administração, as recomendações têm um caráter inovador, qual seja, o de levar à Administração novas demandas, estratégias e ideias. (FRISCHEISEN, 2000, p. 139-140)

Dessa forma, a recomendação:

[...] será mais eficiente, na exata proporção que o Administrador entenda o Ministério Público como um agente que também tem como atribuição constitucional a construção de mecanismos eficazes para o efetivo exercício dos direitos da ordem social constitucional. Nesse sentido, o Ministério Público estará mais uma vez atuando como um canal de mediação de demandas coletivas existentes na sociedade, criando mais um canal de comunicação entre a comunidade e a Administração. (FRISCHEISEN, 2000, p. 140)

Tanto o "compromisso de ajustamento de conduta" quanto a "recomendação" caracterizam-se como instrumentos que buscam evitar a propositura da ação civil pública. "Entretanto, mantendo-se a Administração ou entes privados responsáveis omissos na implantação das políticas públicas garantidoras dos direitos sociais, poderão ser questionados judicialmente". (FRISCHEISEN, 2000, p. 140)

A ação civil pública, disciplinada pela Lei nº 7.347/85, constitui instrumento do Ministério Público para a defesa, em juízo, do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, buscando responsabilizar o agente público que, não cumprindo o seu dever, desrespeitou direito alheio, coletivamente considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer. (FRISCHEISEN, 2000, p. 124-125)

Com base no que foi até aqui exposto, podemos afirmar que o Ministério Público, ao ganhar autonomia funcional e singular status institucional, em sintonia com o mundo democrático, adquiriu posição que lhe permite o desempenho eficaz da função de controle dos Poderes do Estado, especialmente dos Executivos hipertrofiados, passando a ser o condutor da cidadania, caracterizando-se como voz de afirmação do Estado Democrático de Direito, preocupado, agora, em levar ao Poder Judiciário uma interpretação da lei de cunho muito mais social que formal, quando, independente, tornou-se apto a atuar decisivamente para fazer prevalecer o governo das leis sobre o governo dos homens. (GIACÓIA, 2007, p. 282)

Dentro dessa concepção de Ministério Público, uma pergunta que vem à tona é aquela relacionada ao perfil vocacional que poderá atender a essa nova demanda institucional. A este respeito, temos que:

Não será, certamente, aquele que se seduz pelo poder enquanto poder, embora com um novo figurino, mas impregnado de similar coronelismo político, com matreira habilidade midiática na exposição desnecessária de pessoas e valores. E sim o de protagonista de uma nova agenda social composta por políticas públicas efetivamente comprometidas com a doutrina dos direitos humanos. Preocupado em alargar o acesso popular ao Judiciário, trazendo para a arena jurídica um novo jeito de operar o Direito, da ótica das questões realmente relevantes para a sociedade, sob o signo da justiça social, por meio do dístico multifário e difuso. [14] (GIACÓIA, 2007, p. 283)

Assim, é preciso que os representantes do Ministério Público, conscientes da importância da missão que devem desempenhar na sociedade, redobrem atenção a respeito de suas atribuições pois:

[...] se é a violência que grassa, tornando o homem presente um refém de seu próprio tempo; se é a fraude que se generaliza, transformando o nosso País no reino da malícia, da esperteza e do enriquecimento ilícito; se é a miséria a se instalar no entorno dos centros urbanos e na distância dos campos com toda sua vasta e nefasta gama de conseqüências; se é, enfim, a despeito da complexidade cada vez maior das relações sociais e do sofisticado avanço tecnológico, uma sociedade cada vez mais contraditória e desigual que se enxerga na janela de nossa realidade; ressai a extraordinária importância do Ministério Público no enfrentamento dessa realidade adversa. (GIACÓIA, 2007, p. 283)

Inegável, portanto, a relevância do papel a ser cumprido pelo Ministério Público no que tange à efetivação das políticas públicas, em especial daquelas voltadas para os direitos fundamentais sociais, razão pela qual os responsáveis pelos rumos da Instituição, em suas diversas esferas, devem conduzir suas gestões na busca da concretização de tal modelo institucional. (DERANI, 2006, p. 133-134)

Vivenciamos um período em que o Ministério Público vem ganhando notoriedade em virtude de sua firme atuação contra forças, sobretudo de ordem política, que, apesar de sua mais absoluta ineficácia e negligência no que diz respeito ao trato da coisa pública, condenando imensas regiões do País ao atraso, jamais foram alvo de questionamentos na esfera judicial, seja no âmbito cível ou criminal.

Essa nova postura dos promotores e procuradores vem provocando a ira dos que, acostumados a lotear o Estado entre seus familiares, apaniguados e asseclas, vislumbram a possibilidade de que sejam impedidos de continuar com tal prática e, por isso, tentam, a todo custo, retirar do Ministério Público suas atribuições, bem como amordaçar os seus representantes.

Contra essa estratégia, o Ministério Público deve se aliar ao povo, fazendo com que a sociedade perceba a relevância de suas atribuições, reconhecendo, assim, os bons resultados de sua atuação, sendo que a opinião pública afigura-se como uma poderosa aliada contra toda e qualquer tentativa de amesquinhamento da Instituição.

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Sobre o autor
Leonardo Augusto Gonçalves

Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Augusto. O Ministério Público e a busca pela inclusão social.: Atuação no âmbito das políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14579. Acesso em: 20 abr. 2024.

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