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Dano moral contra o meio ambiente no direito brasileiro

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16/04/2010 às 00:00
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7. A QUESTÃO DA EXECUÇÃO JUDICIAL EM MATÉRIA AMBIENTAL

A efetividade do provimento jurisdicional é o fim último a que se destina qualquer lide levantada em juízo.

O meio ambiente impõe ao Judiciário solucionar questões diversas daquelas para as quais tradicionalmente estava voltada a atenção, exercendo funções de uma repercussão política e social muito maior.

Uma característica nessa tarefa judicial é o fato de a prestação oferecida dificilmente ser instantânea, demandando um longo envolvimento do juízo para atingir a plena satisfação da pretensão formulada. Esse o principal problema das execuções em matéria ambiental. As situações ambientais, bem como a solução dos problemas a ela relativos, caracteristicamente se prolongam no tempo, exigindo da atividade jurisdicional a capacidade de lidar com fatores contingentes, que não se acomodam em limites procedimentais rígidos, devendo primar pela maleabilidade com que responde às várias situações. Considere-se o exemplo de descontaminação de um terreno. Nos termos do art. 635/CPC, o momento em que o juiz dá por cumprida a obrigação implica uma série de complicadas avaliações, o que caracteriza a grande quantidade de importantes decisões a serem tomadas no exercício da atividade executiva desta natureza.

Outra dificuldade sempre presente é a possibilidade da conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Essa possibilidade permite perverter inteiramente o significado inicial da tutela jurisdicional, de forma a transformar aquela específica em prestação meramente compensatória. (art. 461, §5º/CPC). Muitas vezes é difícil, ou mesmo impossível a restituição do bem ambiental lesionado ao status quo ante. O §5º, adicionado pela lei 10.444/02, trouxe medidas de auxílio à efetivação da tutela específica. As multas (astreintes), de apoio à sentença mandamental, são exemplo desses instrumentos. Mas, realçam a ideia inicial de enfraquecimento do significado da tutela processual.

Em seara ambiental, a tutela específica na proteção do meio deve ter primazia. Apenas a tutela específica, consistente na reparação em espécie do dano, é capaz de restaurar a distribuição de recursos sociais existentes antes do fato lesivo, na medida em que, ao reconstituir o próprio bem coletivo, contempla todos os interesses afetados.

Há de admitir-se, é claro, para aquelas situações de irreparabilidade a possibilidade de tutela compensatória, devendo esta solução, na medida do possível, dirigir-se à substituição por equivalente que beneficie todos os interessados. Contudo, apenas a execução específica significará a plena efetividade do provimento jurisdicional.

7.1. O DESTINO DAS INDENIZAÇÕES

A lei 7347/85 inovou quanto ao destino das indenizações por danos morais ou materiais e das multas: não irão para as pessoas das vítimas, mas para o fundo previsto no art. 13 da mesma lei.

Em se tratando dos danos morais ambientais individuais, a verba resultante da sua caracterização vai diretamente para a vítima do dano. Mas quanto aos danos morais ambientais coletivos, o seu destino será o Fundo Estadual, gerido por Conselhos Estaduais, no caso das ações propostas perante a Justiça dos Estados. Ou será o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), regulamentado pelo decreto 1306/94, se as ações tiverem sido apreciadas pela Justiça Federal.

Cabe salientar que o FDD é regido pelo Conselho Federal de Direitos Difusos (CFDD), formado por dez conselheiros, sendo três deles integrantes de entidades civis, que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil e que inclua entre as suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente (art. 5º, I e II da lei 7347/85).

Obedecendo-se ao princípio processual da execução específica, a prioridade de reparação dos danos ambientais é mantida. Assim sendo, a promoção de atividades e eventos para projetos de modernização administrativa de órgãos públicos, educação ambiental ou pesquisas de desenvolvimento tecnológico, não pode antepor-se à reconstituição dos bens lesionados. Cumpre, ademais, lembrar que outro fundo pode atender a essas necessidades mediatas: o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), regulado pela lei 7797/89, e que foi instituído com o fito de desenvolver projetos que visem ao uso racional e sustentável de recursos naturais.

Imaginemos uma situação em que uma empresa poluidora seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais ao meio ambiente, por destruição de espécies raras de vegetação nativa em terras indígenas. A competência é inquestionavelmente da Justiça Federal; e a atribuição para o depósito do montante ficará, evidentemente a cargo do FDD. O dinheiro revertido deverá ser empregado na reconstituição daquelas espécies raras, mediante estudos específicos de profissionais da área. Como vimos anteriormente, esses procedimentos acabam por demandar um longo envolvimento do juízo e consequente dilatação do processo de execução. Mas, será indispensável para que a comunidade volte a gozar destes valores ambientais perdidos. Esse é o principal objetivo da tutela específica, e que deverá ser balizado por aquelas mediadas pertinentes.


8. O DANO MORAL AMBIENTAL E O ESTATUTO DA CIDADE

A lei 10257/01 é diploma legal que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição da República, que conformam o capítulo relativo à política urbana. A inclusão desses artigos foi uma vitória da participação ativa das entidades civis e de movimentos sociais em defesa do direito à habitação.

O Estatuto da Cidade trouxe inovações utilíssimas à organização urbana nacional, tais como o IPTU progressivo no tempo e o direito de superfície, mas nenhuma tão profícua e direta como a gestão democrática da cidade, que abre a possibilidade de participação popular nas decisões de interesse público. Essa, sem dúvida, a grande providência deste precioso instrumento. Está fixada a promoção de audiências públicas (art. 43 da lei). Nelas, o governo local e a população interessada nos processos de implantação de empreendimentos, públicos ou privados, que impliquem em efeitos potencialmente negativos para o meio ambiente natural ou construído, podem discutir e encontrar, conjuntamente, a melhor solução para a questão em debate, tendo em vista o conforto e a segurança de todos.

O Estatuto da Cidade deu, desta forma, novo contorno à organização da estrutura urbana, redimensionando conceitos e regras antes preceituadas pela lei 6766/79 (parcelamento do solo urbano) e pelo decreto-lei 58/37 (loteamento e venda de terrenos). Essas duas leis devem ser reinterpretadas sob uma nova perspectiva, mais pluralista e comprometida com o interesse público.

Por exemplo, o art. 3º, parágrafo único da lei 6766/79 estabelece as hipóteses de parcelamento do solo urbano. Analisando o exposto sob a ótica da recente lei, deveremos ampliar o espectro dessas incidências. Não somente os terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, os que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, os que tenham declive igual ou superior a 30%, os que não tenham condições geológicas apropriadas ou os que estejam em áreas de preservação geológica é que são insuscetíveis de parcelamento. Outras áreas também sofrerão a mesma restrição desde que ofendam o planejamento estrutural da cidade ou que gerem um impacto de vizinhança considerável. Eis aí o caráter pluralista e extensivo do Estatuto da Cidade.

Da mesma forma, as disposições do decreto-lei 58/37 devem ser analisadas sob o enfoque renovador da lei 10257/01. Como dito, o Estatuto expressamente prevê a participação da sociedade em assuntos que digam respeito às políticas públicas. O art. 1º §1º do instituto dos loteamentos estabelece a oitiva das autoridades sanitárias, militares e florestais sobre os projetos referentes às propriedades urbanas. Em interpretação extensiva, proporcionada pelo novo diploma, ter-se-á de proceder também a oitiva da comunidade diretamente envolvida naqueles projetos. A atual perspectiva do direito urbanístico não comporta mais aquela visão institucionalista das relações jurídicas.

Pois bem, imagine um loteamento irregular que deixa marcas indeléveis na vida e na visão da cidade, representadas pela enorme concentração populacional numa região que não se encontre estruturada geograficamente com recursos urbanos, comunitários e serviços públicos ou de utilidade pública. Existe nessa situação, indiscutível transgressão aos princípios norteadores da política urbana presentes na lei 10257/01.

A ação civil pública ajuizada com o fito de obrigar o empreendedor ou o Poder Público, no mais das vezes, omisso ou ineficiente, premia a clandestinidade ao não impor ao agressor a reparação do dano moral causado contra a coletividade. Necessária seria, portanto, a responsabilização por danos morais daqueles entes, em especial os integrantes da Administração Pública direta ou indireta, rechaçando-se de imediato o argumento de que a cobrança daqueles traria rombos gigantescos ao erário. A objeto da ação, neste caso, não pode ficar restrita aos danos ao patrimônio ambiental (a estrutura urbana propriamente dita). Deve sempre haver também o pedido de condenação por danos morais, a fim de atender o mais completamente possível a coletividade lesada em seu direito.

O desrespeito ao zoneamento urbano também pode vir a caracterizar o dano moral coletivo de natureza ambiental. No Município de Niterói temos um exemplo claro: no Parque Estadual da Serra da Tiririca existe um loteamento chamado Jardim Fazendinha. Nessa área, é fato notoriamente sabido que desde 1977 os proprietários tradicionalmente ligados a terra, vêm sendo escorraçados por grileiros, que à época alegavam que o loteamento era ilegal e sob esse pretexto monopolizaram a área. O Poder Público Municipal, por sua vez, ao invés de reagir, passou a protegê-los indiretamente, pois se negava a conceder licença para as construções na várzea, muito embora o erário arrecadasse o IPTU. Manifesta-se aí a conivência indisfarçável da autoridade municipal com os grileiros.

Numa situação destas, a ação civil pública, que no mais das vezes tem limite na pretensão de obrigar o empreendedor ou o Poder Público a reparar o dano material à ordem urbanística, premia a clandestinidade, já que não impõe ao agressor a reparação dos danos morais causados contra a coletividade (os proprietários do loteamento).

Um loteamento clandestino, largamente amparado pelo Poder Público, que deixa os legítimos proprietários à mercê de inúmeros problemas, em sua grande maioria irreversíveis e indeléveis na vida e na visão da cidade, gera inegavelmente um forte sentimento de repulsa social.

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A ocupação dos passeios públicos pelos comerciantes informais (camelôs) é de indiscutível nocividade ao ordenamento da cidade, já que ela contribui para o estreitamento das vias de circulação dos pedestres e aumento considerável do lixo e da degradação urbana, sem contar a proliferação da criminalidade nesses locais, principalmente no que toca ao estímulo de delitos contra a propriedade imaterial. Esse fator gera uma reputação negativa para bairros inteiros e até cidades, o que evidencia o dano moral ambiental de natureza coletiva, já que essa reputação será experimentada pela população indiretamente.

Registre-se ainda que em São Paulo, a Justiça recentemente determinou o fechamento das lojas situadas na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, estritamente residencial. Os estabelecimentos comerciais estão situados irregularmente no local há anos e ainda contam com a conveniência da Municipalidade que insiste na possibilidade de anistiar os infratores, beneficiando-os com a edição de uma lei que modifica o zoneamento da região, ao invés de obedecer a decisão judicial. [28] Essa legislação autorizatária superveniente não irá livrar os responsáveis de arcar com os ônus dos danos morais sofridos pela população. Não se pode, absolutamente, permitir abusos como esse à Administração.

Em suma, todos esses preceitos ensejadores da responsabilização por danos morais coletivos de ordem ambiental estão presentes de maneira clara no Estatuto da Cidade, que veio para não deixar a descoberto situações como as relatadas supra.


9. O DANO MORAL AMBIENTAL E O NOVO CÓDIGO CIVIL

Inspirado por objetivos sociais, ainda que presentes alguns equívocos, o Código Civil de 2002 revela, em inúmeros dispositivos, sua preocupação com a preservação do meio ambiente, garantindo a qualidade de vida das gerações futuras. O exemplo mais eloquente se colhe no art. 1228 §1º, que condiciona, expressamente, a utilização da propriedade ao equilíbrio ecológico e à incolumidade do patrimônio artístico e histórico. De acordo com o digníssimo mestre Sylvio Capanema de Souza, "trata-se de mais uma relevante restrição ao direito de propriedade, sacrificando-se o interesse pessoal em benefício de toda a sociedade, exercendo o Poder Judiciário, daqui para frente, a função de guardião do meio ambiente." [29]

O art. 1291 traz uma inovação interessante: os poluidores de imóveis superiores não poderão poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores de móveis inferiores. Se a poluição ocorre, o dispositivo deixa expresso que haverá a obrigação de recuperar o bem ambiental e ressarcir os ribeirinhos possuidores dos imóveis inferiores, caso não seja possível a recuperação das águas.

Cabe interpretação extensiva do presente dispositivo; mesmo que seja possível a restituição do bem ao status quo ante, haverá obrigação de indenizar os danos morais sofridos por aqueles possuidores, decorrente dos danos materiais, de natureza ambiental, que a poluição das águas possa acarretar (intoxicação por uso de mercúrio, por exemplo). Trata-se, portanto, de dano ambiental na esfera pessoal. E em vista da importância do bem para toda a coletividade, poder-se-á cogitar da indenização ambiental a título coletivo, gerada pelo impacto negativo da poluição das águas em toda a sociedade.

Destacamos também o art. 1277, atinente ao mau uso da propriedade. A expressão "propriedade vizinha" não pode ser interpretada literalmente, na acepção restrita da palavra, e sim teleologicamente, sob pena de se tornar inócua a regra de proteção. Propriedade vizinha é aquela que se encontra na zona de influência de outra, podendo ser atingida pelas interferências que dela emanam, ainda que entre elas existam muitos outros imóveis de proprietários distintos. Assim, por exemplo, se a fumaça tóxica de uma fábrica, carregada pelo vento, alcança os moradores de imóveis afastados, que com ela não confinam, intoxicando-os, poderão eles se valer da regra do art. 1277, ajuizando ação de dano infecto, no sentido de coibir o uso nocivo da propriedade, sem prejuízo da indenização por danos ambientais devida.

Mas em que pese a lucidez da regra presente no artigo em discussão, deparamo-nos com a norma preocupante do art. 1278, que admite interferências, ainda que prejudiciais à saúde, segurança e sossego das pessoas quando elas forem justificadas pelo interesse público. Esse artigo é alvo de nossa crítica; quis o legislador, a nosso ver, equivocadamente, copiar a regra alemã do sacrifício pessoal (aufpefrung). Essa opção fica evidenciada na segunda parte do dispositivo, que estabelece a obrigação do proprietário, causador da poluição, de indenizar o vizinho atingido. Essa indenização tem a natureza compensatória e equitativa, presente no direito alemão: não é lícito que o proprietário, escorado por interesse público, seja proibido de suas interferências no meio ambiente; mas totalmente injusta se afigura a possibilidade de o vizinho suportar os danos resultantes daquelas interferências, donde se conclui a função meramente compensatória da indenização, destinada a minorar o esforço de seu sacrifício, tal como ocorre no sistema alemão.

O legislador, mitigando o conteúdo do art. 1278, estabeleceu no art. 1279 que o vizinho poderá exigir a redução ou eliminação das interferências, quando se mostrarem possíveis. Ora, o sistema brasileiro, como dito, é diferente do alemão; aqui o meio ambiente é tutela do diretamente e não existem fatores que possam exigir o sacrifício individual a direito fundamental. Assim sendo, a redução ou eliminação das interferências prejudiciais ao equilíbrio ecológico aplicar-se-ão, independente das circunstâncias, ainda que elas emanem do Poder Público, de quem se exige maior respeito aos direitos individuais, porque a interpretação daqueles artigos deverá ser conforme o sistema legal ambiental vigente.

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Sobre o autor
Alexander Gusmão

Advogado formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSMÃO, Alexander. Dano moral contra o meio ambiente no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2480, 16 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14602. Acesso em: 5 nov. 2024.

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