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Sucessão concorrencial no âmbito do casamento

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5. SUCESSÃO CONCORRENCIAL

O revogado Código Civil não previa a sucessão concorrencial.

O atual Código, inovando sobre o tema, passou a alçar o cônjuge à primeira classe de herdeiros, oportunidade em que concorrerá com os descendentes do morto, e à segunda classe, ocasião em que concorrerá com os ascendentes do de cujus. "Incluiu, com efeito, o cônjuge como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes e ascendentes, e não mais sendo excluído por essas classes." [27]

Ratificando, "é de se observar que o cônjuge sobrevivente, contrariamente ao que ocorria no direito anterior, foi colocado em primeiro plano, concorrendo com os descendentes (comuns ou não) do de cujus ou com os seus ascendentes (...)." [28]

A sucessão concorrencial, pois, conduz o cônjuge à primeira ou à segunda classe de herdeiros, descendentes e ascendentes, respectivamente, na medida em que o cônjuge terá participação conjunta com os descendentes ou com os ascendentes em relação à herança transmitida em razão da abertura da sucessão.

5.1. Sucessão concorrencial entre o cônjuge e os descendentes do de cujus

Em primeiro plano é necessário frisar que no campo da sucessão do cônjuge com os descendentes a análise do regime de bens será de rigor, pois somente em certos casos a concorrência será admitida, sendo noutros defesa.

Vejamos.

O cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes do de cujus nos regimes da separação convencional, no da participação final nos aquestos e no da comunhão parcial com bens particulares.

Essa assertiva é avalizada pelo enunciado n. 270 oriundo da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal que assim dispõe: "o art. 1829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes." [29]

Na mesma esteira reflexiva afirma Jorge Shiguemitsu Fujita em artigo publicado pelo IASP [30] que "deste modo, haverá concorrência entre os descendentes (comuns ou exclusivos do de cujus) e o cônjuge sobrevivo, se este estava casado com o falecido por um dos seguintes regimes: a) separação convencional de bens; b) participação final nos aqüestos; e c) comunhão parcial de bens, em que o de cujus haja deixado bens particulares." [31]

Expliquemos.

No regime da separação convencional que, repisando, é aquele eleito pelos cônjuges por meio da lavratura de escritura pública de pacto antenupcial, cuja regra principal é a de que cada um terá patrimônio próprio, exclusivo, incomunicável, o cônjuge concorrerá com os descentes do falecido porque pelas regras do direito de família não terá direito a nada. Ou seja, não será meeiro.

Desta feita, para que o cônjuge não fique à míngua, a lei o conduziu ao status de sucessor concorrencial na primeira linha de herdeiros para que receba parte do patrimônio que constitui a herança.

Há quem faça críticas a tal inovação, sobretudo aqueles que se casaram antes da vigência do atual Código Civil no regime da separação convencional. Isto porque na vigência do vetusto Código o cônjuge era afastado tanto da meação tanto da condição de herdeiro. Hodiernamente, todavia, o cônjuge sobrevivo casado em tal regime, embora não seja meeiro, terá direito a um quinhão da herança na condição de herdeiro, o que, na visão de quem se casou em tal regime, acarreta interferência do Estado na vida particular.

A propósito, Euclides de Oliveira, citado por Carlos Roberto Gonçalves, afirma que "a dominante interpretação doutrinária de que, por não constar ressalvas do art. 1829, inc. I, do Código Civil, o regime da separação de bens decorrente de pacto antenupcial leva, inexoravelmente, ao direito de concorrência do cônjuge sobre a quota hereditária dos descendentes." [32]

Dessarte, ainda que existam opiniões colidentes parece-nos clara a condição de herdeiro assumida pelo cônjuge sobrevivente quando o casamento tiver sido realizado no regime da separação convencional.

No que toca ao regime da participação final nos aquestos a regra é a mesma, contudo relativamente aos bens excluídos da meação. Portanto, os bens particulares.

Isso porque o supérstite, por força das regras de direito de família, não será meeiro relativamente aos bens particulares. Assim, também com o propósito de elidir o desamparo material, ao cônjuge sobrevivente será assegurado determinado quinhão em concorrência com os descendentes do morto, sem prejuízo da meação sobre os bens comunicáveis.

Já no regime da comunhão parcial a ideia é assemelhada. O cônjuge fará jus à parte da herança destinada aos herdeiros do de cujus relativamente aos bens particulares (aqueles adquiridos antes do casamento ou que a este sobrevierem a título gratuito), bem como os sub-rogados em seus lugares porque, no que concerne a tais bens, o cônjuge não será meeiro.

Vejamos um exemplo que bem ilustra essa assertiva, em que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse caso hipotético o autor da herança havia adquirido antes de se casar com B um veículo. Na constância da união os cônjuges adquiriram em esforço comum um imóvel.

Vistas as hipóteses de regime de bens que autorizam a sucessão concorrencial é chegada a hora de verificarmos qual será a parte da herança destinada ao cônjuge.

Se o cônjuge concorrer com descendentes comuns, ou seja, se concorrer com descendentes do morto que também sejam seus parentes na linha reta descendente, receberá o cônjuge quinhão igual ao que por Lei for destinado aos descendentes que receberem por cabeça, sendo reservada como mínimo a quarta parte da herança.

Significa dizer que, se houver quatro descendentes comuns ou mais recebendo por cabeça, o cônjuge sobrevivente receberá ¼ (um quarto) da herança no mínimo, sendo o restante dividido em partes iguais entre aqueles.

Vejamos um exemplo: A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento pelo morto, não fazendo o cônjuge jus à meação.

é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D e E são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.

é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D, E, F, G e H são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.

é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D, E, F e G são filhos só do morto, seus descendentes em primeiro grau. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.

embora a melhor solução fosse a alteração do Código Civil, entendemos que é de bom senso, por ora, atribuir-se uma porção hereditária igual ao cônjuge, a cada um dos descendentes comuns e a cada um dos descendentes exclusivos do de cujus. Desta forma, o cônjuge não teria a reserva da quarta parte da herança" [38], tudo com o fito de atalhar afronta à Constituição Federal – eventual disparidade de direito dos filhos.

Isso porque, no nosso sentir, os descendentes bilaterais seriam privilegiados em prejuízo dos unilaterais, visto que somente eles – os bilaterais – figurariam como herdeiros da parte destinada ao cônjuge supérstite, o que, em análise de larga envergadura, faria com que tivessem direito a quinhão maior que o percebido pelos demais descendentes – os unilaterais.

Sobre a controvérsia leciona Carlos Roberto Gonçalves que "tal solução representa, todavia, apreciável prejuízo aos descendentes exclusivos do falecido, uma vez que, por não serem descendentes do cônjuge com quem concorrem, são afastados de parte considerável do patrimônio exclusivo de seu ascendente falecido." [39]

Com respaldo nas esclarecedoras lições dos renomados autores referenciados, em caso de filiação híbrida o cônjuge sobrevivente não será beneficiado com a reserva da quarta parte da herança, caso em que receberá parte igual à que por lei for destinada aos descendentes que receberão por direito próprio e por cabeça.

Vejamos, agora, como se dá a concorrência entre o cônjuge sobrevivente em caso de concorrência com os ascendentes do de cujus.

5.2. Sucessão concorrencial entre o cônjuge e os ascendentes do de cujus

Inicialmente, mister consignar que o regime de casamento não importará quando diante estivermos de sucessão deferida aos ascendentes, lembrando que os ascendentes do falecido só serão chamados para receberem a herança quando o de cujus não houver deixado absolutamente nenhum descendente.

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Como já dito, nestes casos o regime de casamento será irrelevante na exata medida em que independentemente do regime de casamento o cônjuge sempre concorrerá com os ascendentes do morto.

Nesse passo, "se o de cuju deixou, além dos ascendentes, o cônjuge sobrevivente, terá este direito a concorrer com aqueles, qualquer que tenha sido o regime de bens no casamento com o falecido." [40]

Considerando a afirmação supra, podemos concluir que ao revés do que ocorre na sucessão concorrencial na linha descendente, concorrendo o cônjuge com os ascendentes poderá acumular a posição de meeiro e de herdeiro com relação ao mesmo bem, sobretudo porque o Código Civil não ressalvou a possibilidade de cumulação.

Resta saber a que quinhão terá direito o cônjuge sobrevivente.

Caso o cônjuge concorra com os dois ascendentes em primeiro grau do autor da herança (os pais do morto – vide tabela na p. 11), terá direito a 1/3 da herança. "Assim, se o falecido deixou pai e mãe, além do cônjuge, a este caberá um terço da herança." [41]

Assim, vejamos o gráfico, considerando que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são os pais do autor da herança, ascendentes em primeiro grau na linha reta. Nesse exemplo há uma casa adquirida apenas pelo morto antes do casamento realizado sob o regime da comunhão parcial, sendo certo que o cônjuge não será considerado meeiro.

é o morto, B o cônjuge e D o pai do falecido.

é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são avós maternos e E e F são avós paternos, ascendentes em segundo grau na linha reta.

Por meio deste trabalho, estudamos os casos em que o cônjuge será conduzido à primeira e à segunda classe de herdeiros, a despeito de sustentar na ordem de vocação hereditária a mesma posição que ocupava na vigência do Código Civil de 1916.

Ao cabo desta reflexão, concluímos que o vigente Código reparou aresta que existia no antigo Código, notadamente ao incluir o cônjuge na condição de herdeiro necessário e ao alçá-lo ao status de herdeiro concorrente com os descendentes e os ascendentes do morto.

Ao que nos parece ,algumas reformas de ordem técnica devem ocorrer, sobretudo com a finalidade de tapar as lacunas oriundas do silêncio legislativo, máxime no que concerne a hipótese em que o cônjuge concorrerá, concomitantemente, com descendentes exclusivos do morto e com descendentes comuns, pois embora a doutrina e a jurisprudência tenham se posicionado e conquanto haja correntes assentes, a minoria ainda vota, o que pode dar ensejo a disparidades decisórias, o que, em larga escala, poderá afetar a segurança jurídica alvo do texto constitucional.


BIBLIOGRAFIA

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FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Comentários ao Código Civil - artigo por artigo. Coord.: FUJITA, Jorge Shiguemitsu; SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti; TALAVERA, Glauber Moreno 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de Direito Civil. Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.

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LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil - Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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WALD, Arnoldo, FONSECA, Priscila M. P. Corrêa. Direito Civil – Direito de Família. 17 ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009.

WALD, Arnoldo. Direito Civil – Direito das Sucessões. 14 ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009.


Notas

  1. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 20
  2. in Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 6.
  3. Direito Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. VII, p. 2
  4. op cit., p. 09
  5. Direito Civil. Direito das Sucessões. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 129.
  6. in Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 168.
  7. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de Direito Civil. Direito de Família. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 156.
  8. in op. cit., p. 177
  9. in Direito Civil. Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 330.
  10. Jorge Shiguemitsu Fujita, op. cit., p. 172.
  11. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. v. VI, p. 442.
  12. idem, p. 438.
  13. op. cit, p. 334.
  14. ibidem, p. 336.
  15. Direito Civil. Direito de Família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 193.
  16. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Coordenadores: Jorge Shiguemitsu Fujita, Luiz Antonio Scavone Junior, Carlos Eduardo Nicoletti Camillo e Glauber Moreno Talavera. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 2120.
  17. in op. cit, p. 244
  18. op. cit., p. 442
  19. op. cit., p. 41
  20. in op. cit., p. 2122
  21. Carlos Roberto Gonçalves, op. cit, p. 181.
  22. op. cit., p. 104
  23. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2. ed. São Paulo: RT, 2003,. p. 805.
  24. in op. cit., p. 2.131.
  25. op. cit., p. 2.
  26. op. cit., p. 150.
  27. Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., p. 150.
  28. Jorge Shiguemitsu Fujita, op. cit.,p. 2.122.
  29. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Comentários ao Código Civil - artigo por artigo. 2. ed. Coordenadores: Jorge Shiguemitsu Fujita, Luiz Antonio Scavone Junior, Carlos Eduardo Nicoletti Camillo e Glauber Moreno Talavera. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 2.121.
  30. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, nova série, ano 9, n. 18, jul-dez 2006, p. 112-138
  31. Sucessão Concorrencial pelo Cônjuge e pelo Companheiro de Acordo com o Novo Código Civil. Disponível em http://www.fujitaadvocacia.com.br/artigo_fujita_002.html. Acesso em: 23 set. 2009.
  32. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 154.
  33. Direito Civil Brasileiro, v. 7, p. 152
  34. Sucessão Concorrencial pelo Cônjuge e pelo Companheiro de Acordo com o Novo Código Civil. Disponível em http://www.fujitaadvocacia.com.br/artigo_fujita_002.html. Acesso em: 23 set. 2009. Item 8.2, a.
  35. op cit., p. 152
  36. ibidem, p. 151
  37. in op cit., p. 157
  38. Sucessão Concorrencial pelo Cônjuge e pelo Companheiro de Acordo com o Novo Código Civil. Disponível em http://www.fujitaadvocacia.com.br/artigo_fujita_002.html. Acesso em: 23 set. 2009. Item 6.2.3.1
  39. idem op. cit., p. 157.
  40. Jorge Shiguemitsu Fujita, op. cit., p. 2.129.
  41. Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., p. 161.
  42. in Comentários ao Código Civil. Artigo por artigo. p. 2.129.
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Sobre o autor
Carlos Eduardo de Andrade Maia

Advogado sócio do escritório Cruz e Maia - Advocacia e Consultoria Jurídica; Professor de Direito Civil e Prática Civil do Curso Êxito Proordem; Especialista em Direito Civil (FMU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Carlos Eduardo Andrade. Sucessão concorrencial no âmbito do casamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2469, 5 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14630. Acesso em: 26 abr. 2024.

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