III – Estrutura e Composição do Tribunal
O Tribunal é integrado por 18 juízes, no mínimo, distribuídos por três Seções: a Seção de Questões Preliminares, incumbida de examinar a admissibilidade dos processos, a Seção de Primeira Instância, responsável por proferir os julgamentos, e a Seção de Apelações, responsável pela apreciação dos recursos.
A escolha dos juízes cabe à Assembléia dos Estados-partes, recaindo sobre pessoas que gozem de elevada consideração moral, imparcialidade e integridade, e que possuam as condições exigidas para o exercício das mais altas funções judiciárias de seu país, além de dominarem uma das línguas oficiais da Corte (inglês, francês, espanhol, russo e árabe). Devem ainda apresentar: reconhecida competência em direito penal e processual penal, e também experiência como juiz, promotor ou advogado; ou, alternativamente, reconhecida competência no campo do direito internacional humanitário e direito internacional dos direitos humanos, assim como experiência nas funções jurídicas relacionadas com o Tribunal. Na seleção dos magistrados, a Assembléia deve atentar para que exista equilíbrio entre candidatos que apresentem uma dessas duas qualificações.
Exige-se também que estejam representados os principais sistemas jurídicos do mundo e que haja uma presença geográfica eqüitativa, assim como uma participação balanceada de homens e mulheres.
A Promotoria integra a Corte como um órgão independente do Tribunal, sendo dirigida por um promotor-chefe, coadjuvado por mais um promotor adjunto, no mínimo, escolhidos pela Assembléia dos Estados-partes para um mandato de nove anos, dentre pessoas da mais alta idoneidade, experientes na tarefa da persecução penal e que também dominem pelo menos uma das línguas oficiais do Tribunal.
IV – Rito Processual
O procedimento acusatório pode iniciar-se por uma representação à Promotoria, subscrita por algum Estado-parte ou pelo Conselho de Segurança da ONU, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, ou ainda por uma investigação aberta pelo próprio Parquet.
O processo perante o Tribunal, todavia, somente começa se for admitido pela Seção de Questões Preliminares, à vista de indícios suficientes de culpabilidade do acusado, apresentados pela Promotoria. Essa Seção poderá também ordenar a prisão preventiva do acusado, para assegurar seu comparecimento em juízo, para que ele não obstrua a investigação, destruindo provas ou ameaçando testemunhas, ou mesmo para impedir que prossiga cometendo crimes. Essa prisão será executada pelos Estados-partes ou por terceiros mediante os instrumentos de cooperação internacional.
Uma vez considerado culpado, o réu estará sujeito às seguintes penas: (a) reclusão pelo prazo não superior a trinta anos; (b) prisão perpétua, dependendo da gravidade do delito cometido e das circunstâncias pessoais do acusado; (c) multa; e (d) confisco de bens procedentes direta ou indiretamente da prática do crime.
A pena será cumprida em um dos Estados-partes e poderá ser reduzida depois do cumprimento de um terço ou de 25 anos, no caso de prisão perpétua, atentando-se para a colaboração prestada pelo réu durante o julgamento.
O Tribunal poderá também fixar uma reparação às vítimas, sob a forma de reabilitação ou indenização, que será paga pelo réu ou por um Fundo Fiduciário, especialmente criado para esse fim, constituído por bens confiscados e por contribuições dos Estados-partes.
VI – Principais problemas
A própria existência de um Tribunal com competência em razão de certas categorias de crimes em paralelo à existência dos Tribunais Nacionais, já torna-se, de antemão, um primeiro problema, dentre outros que serão adiante citados. A insubmissão de determinados países à jurisdição do TPI é o grande entrave do mecanismo deste ramo do direito internacional. Isso ocorre em decorrência dos seguintes fatos:
a) Dependência da intervenção do Tribunal para a verificação da falta de disposição ou de interesse do Estado para exercer a justiça penal, casos em que pode ocorrer uma apreciação violadora do princípio da soberania;
b) Incompatibilidade de legislações nacionais com o Estatuto do Tribunal;
c) Não exclusão dos titulares de cargos políticos da jurisdição do Tribunal preterindo as imunidades do Presidente da República, dos Deputados, Senadores e dos membros do Governo;
d) Previsão de prisão perpétua (art. 77, I, "b" do Estatuto);
e) Possibilidade de entrega de pessoas, incluindo cidadãos, ao Tribunal, sendo certo que, pelo menos a nossa Constituição proíbe a extradição de brasileiros natos.
Se os paises que ainda não ratificaram o estatuto não se dignarem a estabelecer meios de harmonização de suas legislações com a norma internacional, dificilmente o entrave se desmanchará.
VII – Requisitos para a Eficácia do TPI
Não cabe dúvida de que a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente constitui um progresso moral e político para a humanidade, verdadeiro evento histórico, e chama de esperança para as gerações futuras. A criação de um Tribunal dessa natureza é um indicador luminoso de que a comunidade internacional deseja contar com uma instituição permanente e sob o controle internacional, capaz de administrar com eficácia a Justiça para todos. Esse objetivo é compatível com a universalidade dos direitos humanos, cuja proteção efetiva supõe uma luta sem quartel contra a impunidade.
A comunidade internacional está decidida a velar para que os autores de graves violações do Direito Internacional Humanitário, independentemente do lugar onde foram cometidas, sejam castigados, um velho sonho das Nações Unidas, que hoje começa a concretizar-se. Abre-se, assim, o caminho para um sistema integral de repressão aos crimes graves de Direito Internacional mediante a progressiva consolidação de um sistema internacional de proteção ao ser humano.
No entanto, para que o TPI atinja plena eficácia, e saia do papel, há uma série de requisitos indispensáveis ao seu adequado funcionamento, de forma que seus objetivos possam sr atingidos de forma imediata e automática, com destaque para os seguintes:
a) O Tribunal deve ter a mesma jurisdição universal que tem qualquer Estado-parte no que diz respeito àqueles crimes fundamentais;
b) O Tribunal deve ter o poder de determinar, em todos os casos e sem qualquer tipo de ingerência política, se é competente para julgá-lo e se exercerá essa competência;
c) O Tribunal deve ocupar o lugar, de forma eficaz, dos tribunais nacionais quando estes não puderem ou não quiserem processar os responsáveis pelos crimes fundamentais;
d) Nenhum organismo político, incluindo o Conselho de Segurança da ONU, bem como os Estados nacionais, pode paralisar ou mesmo adiar uma investigação ou um processo, em qualquer circunstância;
e) Com o objetivo de garantir uma boa e efetiva distribuição da justiça, o Tribunal deve organizar programas eficazes para a proteção de vítimas e testemunhas, nos quais todos os Estados-partes participarão e colaborarão, sem prejuízo dos direitos dos suspeitos e acusados;
f) O Tribunal deve estar habilitado a conceder reparações às vítimas e aos seus familiares, em forma de restituição, indenização e reabilitação;
g) O Tribunal deve assegurar a suspeitos e acusados o direito a um julgamento justo, de acordo com as mais importantes normas internacionais pertinentes, em todas as fases do processo;
h) Todos os Estados-partes, e especialmente seus tribunais e autoridades, devem colaborar plenamente e sem protelações com o Tribunal, em todas as fases do processo;
i) O Tribunal deve ser financiado pelo orçamento ordinário das Nações Unidas, complementado, se for o caso, pelo orçamento para a manutenção da paz e contribuições de um fundo fiduciário voluntário;
j) Os Estados deveriam ratificar o Estatuto do TPI o quanto antes, já que a ratificação universal é essencial para que o Tribunal possa exercer sua competência eficazmente e sempre que necessário;
k) Os Estados deveriam abster-se de lançar mão da cláusula de exceção (artigo 124 do Estatuto);
l) Os Estados deveriam examinar a fundo sua legislação nacional para certificar-se que poderão se beneficiar do princípio da complementaridade, sobre o qual está fundado o TPI, e julgar os indivíduos por infrações de competência do Tribunal de acordo com seus próprios sistemas legais; e
m) Os Estados deveriam colaborar entre si e com o TPI no que toca aos julgamentos dos crimes de competência do Tribunal. Com esse fim, terão que promulgar leis adequadas ou modificar suas legislações, possibilitando, inclusive, a entrega de pessoas acusadas por tais crimes.
VIII – Conclusão
Em tempos de globalização e cooperação internacional, a criação de um Tribunal Penal Internacional não significa de forma alguma afastar a jurisdição de cada país sobre seu território. Os tribunais nacionais seguirão desempenhando um papel importante e primordial no julgamento dos supostos crimes. Ademais, o estabelecimento do TPI não obsta de modo algum o trabalho empreendido pelos tribunais especiais já mencionados (para ex-Iugoslávia e Ruanda), que foram instituídos para reprimir crimes relacionados com situações específicas (o primeiro, para os crimes cometidos na ex-Iugoslávia a partir de 1991 e, o segundo, para os cometidos em Ruanda ou por cidadãos ruandeses em países vizinhos em 1994).
O estabelecimento do Tribunal Penal Internacional é um novo passo rumo à repressão efetiva de pessoas responsáveis pelos crimes mais graves do mundo. Insta-se aos Estados a ratificarem o Estatuto do Tribunal para que elas deixem de gozar a impunidade.
Porém, há que se atentar não só para o aspecto jurídico do sistema, mas sim para os aspectos sociais, políticos e, principalmente, econômicos. Não basta a ratificação por um grande número de países se as grandes potências permanecem imunes à atuação do TPI, tais como EUA e China, que conseguem se abster através de sua forte economia, que deixa mais de metade do planeta em situação de dependência.
A viabilidade do Tribunal depende da cooperação dos Estados e da implementação, em todos eles, de legislação que possibilite cumprir as obrigações do tratado. O art. 86 do estatuto, diz que os Estados se obrigam a cooperar integralmente com o Tribunal. O Tribunal não é uma jurisdição estrangeira, como, no mesmo sentido, os são os Estados uns com os outros. O art. 58 do próprio estatuto determina que o Tribunal pode exarar uma ordem de prisão, emiti-la e pedir a um Estado que detenha e entregue uma pessoa.
Embora nesse caso – diz o Estatuto – as regras nacionais continuem aplicáveis, não serão aceitas certas escusas para a não-cooperação com o Tribunal. Dentre outras escusas não aceitáveis está a de não se entregar alguém por ser nacional do Estado. Portanto, se algum Estado passar a fazer parte do Estatuto e, depois, não entregar um seu nacional quando for emitida uma ordem pelo Tribunal de detenção contra o mesmo, será considerado como não-colaborador e há, no Estatuto, todo o mecanismo que pode ser levado à assembléia dos Estados-membros da Corte e até mesmo ao Conselho de Segurança da ONU para que se possa tentar o enquadramento desse Estado que não colabore.
Para a submissão de todos os países ao TPI, o ideal seria a realização de um grande referendo em cada país. O referendo é adequado para que uma população escolha entre duas possibilidades aceitáveis (ambas) no plano dos princípios, mas não pode ser a base da moral ou da política. Serve para ver de que lado estão mais interesses - o que é legítimo e razoável em muitos casos, em especial em países democráticos. Mas, contudo, não pode ser um escape para a pusilaminidade.
O grande desafio do próximo milênio, conforme a Sra. Sadako Ogata, Alta Comissária da ONU para os refugiados, será o de garantir a segurança aos seres humanos, ou seja, a segurança de não ser assassinado; de não desaparecer; de não ser torturado; de não ser objeto de práticas políticas autoritárias – como, por exemplo, a limpeza étnica; a segurança alimentar; a segurança contra a enfermidade; para não falar da segurança de poder exercer os direitos civis e políticos previstos nos instrumentos internacionais, especificamente, o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos de 1967.
O desafio é o de garantir a segurança efetiva dos indivíduos, porque enquanto estes não se sentirem seguros em suas casas, a segurança dos Estados continuará ameaçada. Ou seja, não há segurança dos Estados se não houver a segurança dos cidadãos. A ausência de segurança humana gera em efeito ou perpetua inevitavelmente o deslocamento humano, ou seja, faz com que apareçam refugiados que para buscar asilo e proteção em terceiros países ou que apareçam deslocados internos - aquelas pessoas que vivem uma situação similar à dos refugiados, pois mesmo não tendo cruzado uma fronteira internacional em busca de asilo, sofrem igualmente dessa cruel condição de refugiado.
Vive-se num mundo tão perigoso quanto assustado. Os movimentos de refugiados e outras formas de deslocamento forçado são indicadores, espécie de barômetro, a respeito do estado de segurança em que vive um povo, ou indicadores do maior ou menor grau de ruptura no tecido de direitos e obrigações que unem o indivíduo ao Estado em que vive; ou, então, a existência de um maior ou menor grau de respeito e proteção efetiva dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos cidadãos de um determinado país.
É chegado o momento, portanto, de fazer prevalecer os direitos fundamentais dos cidadãos, os direitos humanos, de forma a coibir abusos, crimes bárbaros e toda a forma de impunidade. Para tanto, faz-se necessária a criação de mecanismos, talvez através da ONU, que obriguem todos os países a se submeterem às normas internacionais, independentemente de sua condição política e econômica, de seu regime de governo e de sua religião. Enfim, a justiça urge pela perpetuatio jurisdiciones internacional.
Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BERGSMO Morten. "O Regime Jurisdicional da Corte Criminal Internacional" em Fauzi Hassan Choukr e Hai Ambos (orgs.) Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
CUNHA Guilherme da. "As dimensões política e humanitária da criação do Tribunal Penal Internacional" - Texto baseado nas notas taquigráficas de conferência proferida no Seminário Internacional "O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira", promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em 30 de setembro de 1999, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília-DF.
KEEGAN, John. Uma História de Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LEWANDOWSKI, Erique Ricardo. "O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade". Estud. av., São Paulo, v. 16, n.45, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200012 &lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 Nov 2006. doi: 10.1590/S0103 -40142002000200012.
PIOVESAN, Flávia. "A Força do Direito versus o Direito da Força", Folha de São Paulo, 2 de maio de 2002.
RESEK, Francisco. "Tribunal Penal Internacional: Princípio da Complementariedade e Soberania", Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, n. 11 (Brasília: agosto de 2000).
RODAS, João Grandino. "Entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional". Texto baseado nas notas taquigráficas de conferência proferida no Seminário Internacional "O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira", promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em 30 de setembro de 1999, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília-DF.
SABOIA Gilberto Vergne, Embaixador Secretário de Estado dos Direitos Humanos – Artigo "A Criação do Tribunal Penal Internacional", Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/index.html.