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Três momentos do Estado de Direito

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5. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A locução Estado democrático de direito designa um modelo de ente estatal cuja concepção ultrapassa os limites de seus institutos componentes: o Estado de direito e o Estado democrático.

Essa primeira constatação é capaz de evidenciar que o conceito designa um ente híbrido [41] cuja legitimação não advém somente do atendimento das demandas materiais da sociedade, mas também da participação dos membros componentes do corpo social na formação da vontade estatal [42].

O Estado liberal de direito, apesar de submetido às leis, não era, necessariamente, democrático. Essa característica permitiu que o velho Estado de direito fosse transformado "[...] num Estado Democrático, onde além da mera submissão à lei deveria haver uma submissão à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos" [43].

Isso porque, por óbvio, o Estado democrático de direito funda-se sobre o postulado da soberania popular, que impõe não só a participação dos titulares da soberania no processo de formação da vontade estatal, mas uma atuação do Estado no sentido de promover a transformação da sociedade de forma a satisfazer não só dos direitos civis e políticos, mas também dos direitos econômicos, sociais e culturais [44].

Assim, a definição de Estado democrático de direito contém em seu núcleo a ideia de que o ente estatal está juridicamente vinculado a uma finalidade: [45] a promoção da transformação da sociedade mediante a adoção de princípios que deverão orientar a atuação estatal, conforme a lição de Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais: "a) Constitucionalidade: vinculação do Estado Democrático de Direito a uma Constituição como instrumento básico de garantia jurídica; b) Organização Democrática da sociedade; c) Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos [...]; d) Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades; e) igualdade não apenas como possibilidade formal, mas também como articulação de uma sociedade justa; f) Divisão de Poderes ou de Funções; g) Legalidade como aparece como medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo de regras, formas e procedimentos que excluem o arbitrário e a prepotência; h) Segurança e Certeza jurídicas" [46].

Essa nova configuração dos compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro, dispostos em normas constitucionais de baixa densidade normativa, confere uma nova dimensão à lei que passa a ser entendida como ferramenta a ser empregada com o objetivo de transformar a sociedade.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. "O feudalismo, enquanto modo de produção, funcionava originalmente como uma unidade orgânica de economia e política, paradoxalmente distribuída por uma cadeia de soberanias fragmentadas ao largo de toda formação social. a instituição da servidão como mecanismo de extração do excedente fundia, em nível molecular da aldeia, a exploração econômica e a coerção político-legal. O vassalo, por sua vez, estava condicionado a prestar vassalagem principal e serviços de cavalaria a um suserano que reclamava o domínio último da terra". SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como pré-compreensão para o direito constitucional. p.124.
  2. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. p.71.
  3. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como pré-compreensão para o direito constitucional. p.123.
  4. "[...] em fins da Idade Média, no decorrer do século XV, tudo se modificou. Surgiram nações, as divisões nacionais se tornaram acentuadas, as literaturas nacionais fizeram seu aparecimento, e regulações nacionais p a indústria substituíram as regulamentações locais. Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo Igrejas nacionais. Os homens começaram a considerar-se não só como cidadãos de Madri, de Kent ou de Paris, mas como da Espanha, Inglaterra ou França. Passaram a dever fidelidade não só à sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao rei, que é o monarca de toda uma nação". HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. p.70.
  5. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. p.35.
  6. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. p.35.
  7. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. p.35.
  8. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. p.122.
  9. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. p.137.
  10. DOEHRING, Karl. Teoria do Estado. p.305.
  11. BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. p.40.
  12. STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. p. 92.
  13. Para o Professor José Afonso da Silva, as características do Estado liberal de direito são: a) a submissão do Estado à lei, entendida esta como ato emanado do Poder Legislativo, caracterizada pela generalidade e pela abstração; b) a separação orgânica e funcional dos poderes do Estado, com expressa primazia do Legislativo sobre os outros dois; e c) o "enunciado e garantia dos direitos individuais". SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p.113.
  14. De acordo com o modelo de Estado liberal de direito, o exercício do poder político deve ser marcado pela impessoalidade, que se funda na crença de que a atuação legítima do ente estatal decorre da observância de normas gerais e abstratas.
  15. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. p.43.
  16. VERDÚ, Pablo Lucas. A luta pelo Estado de direito. p. 13-14.
  17. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p.280.
  18. "MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. p.46.
  19. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p.280.
  20. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p.280.
  21. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. p.178.
  22. "Assentadas, assim, as bases do chamado Estado Social de Direito – no qual a expressão social sinaliza para o propósito de corrigir/superar o individualismo clássico de caráter liberal pela afirmação dos direitos sociais, com a conseqüente realização da justiça social". "MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. p.47.
  23. "Os direitos de segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula". BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 564.
  24. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p.416.
  25. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p.416.
  26. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p.416.
  27. "Na Alemanha, Otto von Bismark introduziu uma série de seguros sociais, de modo a atenuar a tensão existente nas classes trabalhadoras: em 1883, foi instituído o seguro-doença, custeado por contribuições dos empregados, empregadores e do Estado; em 1884, decretou-se o seguro contra acidentes do trabalho com custeio dos empresários, e em 1889 criou-se o seguro de invalidez e velhice, custeado pelos trabalhadores, pelos empregadores e pelo Estado. as leis instituídas por Bismark tornaram obrigatória a filiação às sociedades seguradoras ou entidades de socorros mútuos por parte de todos os trabalhadores que recebessem até 2.000 marcos anuais. A reforma tinha objetivo político: impedir movimentos socialistas fortalecidos com a crise industrial". MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. p.4.
  28. "É importante lembrar que esta Constituição é fruto de uma revolução iniciada em 1910 que mantém o país em luta armada durante 07 (sete) anos, propiciando transformações políticas importantes ao quebrar o poder dos grupos que governam o México sob um regime ditatorial, por mais de 30 (trinta) anos – entre 1876 e 1910." LEAL, R. G. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. p. 64.
  29. Art. 123.
  30. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. p.5.
  31. "(...) a Constituição mexicana foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, própria do sistema capitalista, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura do mercado. A Constituição mexicana estabeleceu, finalmente, o princípio da igualdade substancial na posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho e, portanto, da pessoa humana, cuja justificação se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 172.
  32. MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria. p. 58.
  33. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. p.5.
  34. ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal.p.35.
  35. ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal.p.33.
  36. ARRUDA(1983:321).
  37. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve Século XX – 1914-1991. p.278.
  38. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve Século XX – 1914-1991.p.279.
  39. DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. p.388.
  40. "Um dos motivos pelos quais a Era de Ouro foi de ouro é que o preço do barril de petróleo saudita custava em média menos de dois dólares durante todo o período de 1950 a 1973, com isso tornando a energia ridiculamente barata e barateando-a cada vez mais". HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve Século XX – 1914-1991. p.258).
  41. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 164
  42. MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria. p. 43.
  43. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 164.
  44. "(...) considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos." MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. p. 139.
  45. STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. p. 99.
  46. STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. p. 99
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Sobre o autor
Sérgio Roberto Leal dos Santos

Procurador Federal. Mestre em instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de direito Constitucional e Teoria da Constituição - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sérgio Roberto Leal. Três momentos do Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2524, 30 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14935. Acesso em: 26 abr. 2024.

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