3 Conclusão
Procurou-se trabalhar neste artigo principalmente com o conceito, características e importância do Estado de Direito na atualidade.
Demonstrou-se inicialmente a definição de Estado de não Direito para através de sua negação se ter uma ideia preliminar e mais clara do que pode ser considerado o Estado de Direito.
Depois se partiu mais diretamente para a análise do conceito, características e importância do Estado de Direito atual. Como seu conceito é muito aberto, inclusive oscilando muito na doutrina, julgou-se mais adequado tratar preferencialmente das suas características ao longo de todo o texto, deixando de lado a construção de um conceito acabado sobre este Estado.
O estudo do Estado de Direito foi iniciado pela análise do Estado de Direito Liberal (formal) até se alcançar o Estado atual, no qual o Estado de Direito Democrático passa a incorporar valores materiais, através do Estado de Direito e de Justiça e do Estado de Direito Social, ambos implícitos a ele.
O Estado de Direito hoje é certamente o Estado que respeita e promove os princípios democráticos e os direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Contudo, o Estado de Direito Democrático, que é predominantemente um Estado Representativo, pois o povo, que é titular do poder, quase que não o exerce diretamente, está passando por um grave problema de baixa representatividade.
Os representantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário acabam por não representar os interesses da coletividade, mas, sim, interesses particulares de grupos específicos, quando não seus próprios interesses.
Este desvirtuamento tem vários diagnósticos, tais como a atuação de grupos de pressão, a perda de ideologia dos partidos políticos, o descrédito na política, dentre outros.
O que importa efetivamente é que não há Estado melhor do que o Estado de Direito nos dia de hoje. Além do que este é o Estado elencado pela Constituição Federal do Brasil (logo no seu preâmbulo e no caput do seu artigo primeiro).
Mesmo com suas deficiências, ele vem difundindo valores importantes como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade.
Não promove realmente de forma plena, mas ele oferece as condições necessárias para que possam ser alcançados, como através da atuação em conformidade com os direitos fundamentais e com as modalidades da democracia participativa.
O Estado de Direito Democrático encontra expressão jurídico-constitucional em um complexo de princípios e regras dispersos no texto constitucional. Na realidade, o Estado de Direito é também um princípio fundamental constitucional. Princípio este que é estruturante na medida em que indica as ideias diretivas básicas da ordem constitucional, tendo como seu alicerce, outros princípios e regras constitucionais.
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Notas
- Caput do artigo primeiro da Constituição da República Federativa do Brasil: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitue-se em Estado Democrático de Direito [...]". Artigo segundo da Constituição da República Portuguesa: "A República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático [...]".
- Interessante discorrer um pouco sobre a tese sustentada por Jorge Novais que procura distnguir o Estado de Direito do Estado Democrático, trazendo características determinantes de cada um destes Estados.
- CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1173-1175.
- Ibidem, p. 1173-1175.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democráticos da Fundação Mário Soares. Lisboa: Edição Gradiva, 1999. p. 12.
- Ibidem, p.12-13.
- Ibidem, p.12-13.
- Ibidem, p. 13.
- Ibidem, p. 14.
- A necessidade de legitimidade do poder político será devidamente tratada no tópico 2.3
- CORREIA, José Manuel Sérvulo, Contencioso Administrativo e Estado de Direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa. p. 445.
- MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - Tomo I. 6.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 86.
- NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006. p.26.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democráticos da Fundação Mário Soares. Lisboa: Edição Gradiva, 1999. p. 49-50.
- CORREIA, José Manuel Sérvulo. Noções de Direito Administrativo. Lisboa: Editora Danubio, v.1. p. 246-247.
- CORREIA, José Manuel Sérvulo. Noções de Direito Administrativo. Lisboa: Editora Danubio, v.1. p. 232.
- DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. p. 181.
- VASCONCELOS, Edson Aguiar. Direito administrativo brasileiro: origem, evolução e perspectiva. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 42-43.
- PASSOS, Calmon J. J. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, vol. 1, n. 6, set. 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 22/12/2006. p.02.
- BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia; uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 18-20.
- É importante pontuar, mesmo que em linhas gerais, sendo desnecessário se ater demasiadamente a esta questão, que estas expressões (soberania popular e soberania nacional) devem ser interpretadas de modo sistemático, pois por uma interpretação distinta pode-se chegar a conclusões equivocadas.
- E não cabe alegar que esta democracia direta nos tempos modernos poderia ser viabilizada pelo avanço tecnológico, o que alguns chamam de computadorcracia, pois por mais que se consiga otimizar o tempo das pessoas na tomada das decisões, teria que invocá-las à participação política com uma frequência muito elevada frente à complexidade dos problemas hoje existentes, o que acabaria por cair de qualquer modo na questão da massificação da individualidade do cidadão. Dalmo Dallari (em sua obra: DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. p. 130), ao qual este artigo discorda neste aspecto, é um dos que defende a viabilidade desta democracia direta via terminais avançados de computador e trata apenas de um obstáculo para tanto, qual seja, as resistências dos políticos profissionais que não querem deixar de representar os interesses do povo.
- ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. p. 71.
- BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia; uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p.9.
- Não cabe neste texto aprofundar a discussão acerca do papel dos partidos políticos e o desvirtuamento destes, ocasionado por motivos de diversas ordens, valendo apenas dizer por ora que os partidos políticos, de um modo geral, acabaram se transformando em instituições meramente lucrativas e burocráticas, esvaziadas de ideologia ou debate político.
- Em Porto Alegre, por exemplo, o orçamento participativo consiste em um processo de decisão pela população sobre as prioridades de obras da prefeitura.
- PASSOS, Calmon J. J. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, vol. 1, n. 6, set. 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 22/12/2006. p.06.
- O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto na Constituição Federal do Brasil no inciso III do artigo primeiro. O texto constitucional brasileiro atribui uma grande importância a este princípio, facilmente constatada por esta passagem: "A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] a dignidade da pessoa humana".
- Ibidem, p. 07-08.
- Ibidem, p. 09.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 109.
- ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica. Revista USP. São Paulo, n. 21, março-maio 1994. p. 320.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p.245.
Segundo o referido autor, no Estado de Direito o que é determinante é a dimensão de garantia dos direitos fundamentais, enquanto na Democracia o que é mais importante é o exercício do poder político pelo povo, que se dá mediante a regra da maioria.
Considera, a título ilustrativo, a ideia de que ter um direito fundamental em um Estado de Direito equivale a ter um trunfo no jogo de cartas; ideia esta originária de Ronald Dworkin e bem trabalhada por aquele.
A carta de trunfo no jogo de cartas, segundo Jorge Novais, seria aquela imbatível frente todas as outras. Ele traz este fato para a realidade do Direito, e considera que o Estado é o outro jogador, o que implica que o indivíduo terá um trunfo – que é um direito fundamental – contra o Estado, ou seja, em oposição à maioria democrática.
Ele alega através desta metáfora que os direitos fundamentais (representando o Estado de Direito) e o poder democrático estão em oposição, levando vantagem nesta disputa os direitos fundamentais.
Sustenta também que a dignidade da pessoa humana, princípio basilar do Estado de Direito, tem como requisito a garantia dos direitos políticos e estes só são plenamente realizáveis em Democracia. Sem esta não seria possível pensar em liberdade e igualdade das pessoas.
E sustenta ainda que, por outro lado, a Democracia também exige o Estado de Direito, os direitos fundamentais, pois sem o direito fundamental, por exemplo, dos direitos políticos, não se poderia garantir a participação de todos na política, deixando de ser um poder democrático.
Há, portanto, segundo ele, além da oposição apresentada primeiramente, uma relação de interdependência entre os direitos fundamentais e a Democracia.
Em que pese esta tese ser muito bem fundamentada e extremamente relevante ao despertar a atenção em relação à oposição e interdependência entre os direitos fundamentais e a vontade da maioria (devendo esta a priori ceder), este texto não adentrará nesta problemática, trará apenas a compreensão do que pode ser considerado o Estado de Direito na atualidade e as principais características deste Estado de Direito que é também necessariamente Democrático, encarando-o como um todo indissociável. (NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais: trunfos contra maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.p. 17-39).
Em primeiro lugar, trata-se de conceitos advindos da soberania do príncipe, característico da monarquia absolutista. Ocorre que, o poder do monarca podia ser tido como soberano no sentido, e tão somente neste, que era ilimitado.
Contudo, ao povo, titular do poder no Estado de Direito, não pode ser atribuído o poder soberano no sentido de ilimitado, uma vez que se preza pela representação política por governantes, que atuam com independência em nome dos interesses de toda a coletividade e em respeito às liberdades individuais e institucionais.
E especificamente o termo "soberania nacional" traz também um sentido ambíguo que deve ser esclarecido, qual seja, o de poder considerar que há uma soberania da nação a par da soberania do Estado, o que está incorreto, podendo esta soberania ser atribuída tão somente ao Estado.
Não se quer com isto de modo algum condenar a utilização destas expressões tão frequentemente utilizadas, mas apenas chamar atenção para se evitar interpretações equivocadas.
MIRANDA, Jorge. A democracia representativa – princípios e problemas gerais. Direito e Cidadania, Lisboa, n. 4, p. 9-36, jul.- out.1998. p. 11-12).