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Direito internacional, a globalização e desafios do novo Estado regulador

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Direito Internacional, Estado e o Desafio da Globalização

Ante os diversos entendimentos e condutas atinentes à soberania nesse ambiente globalizado, não há dúvidas de que resta ao Direito Administrativo Econômico a tarefa de disciplinar a conduta dos atores do cenário econômico, com a criação de mecanismos de controle dessas condutas, além de encontrar melhores respostas a tais fenômenos. Tal desafio terá que se ver a braços com o direito internacional público e com a ciência social.

Um ponto sempre a ser ressaltado e que decorre do sistema capitalista atual, esbarrando no princípio da livre concorrência, é a globalização dos mercados, que está a demandar megafusões e megacorporações, com possíveis e prováveis prejuízos à concorrência.

Ademais, é sabido que a globalização traz consigo o fortalecimento da livre iniciativa e não da liberdade de concorrência. Os órgãos de defesa da concorrência e o próprio Direito Econômico ganham funções sociais importantíssimas, portanto, de forma a proteger os interesses daquele grupo social, bem como de evitar o risco de as decisões políticas e jurídicas do Estado Regulador virem a ser meras chancelas das decisões das megacorporações. Neste ponto, desabrocha o papel da regulação, com as responsabilidades que lhe são inerentes neste novo cenário global.

Exatamente por isto não se pode validar qualquer pretensão em reduzir ou enfocar a regulação como apenas uma vertente ou um instrumento do modelo neoliberal trazido pela globalização, mormente no apreço histórico regulatório que não encontra tal guarida. Na verdade, não seria possível afirmar a regulação como este instrumento em favor das grandes corporações e dos interesses globais, mesmo porque cada nação adotará argumentos regulatórios frutos de sua história e desenvolvimento da burocracia e dos serviços públicos.

Como afirmam Renato Boschi e Maria Regina Soares de Lima (2002, p. 12),

mesmo na presença de uma forte indução internacional, pela via da globalização e da regionalização, não necessariamente se observaria uma convergência institucional, ainda que a direção da mudança pudesse ser a mesma.

Se por um lado é certo afirmar que a sociedade global produziu uma facilidade na troca de informações e na internacionalização de experiências e institutos jurídicos e formatos econômicos, deve ser reconhecida a inexorável conclusão que a despeito da pressão sistêmica para a mudança, as escolhas regulatórias têm variado de país e da área de política, ao contrário do que se esperaria se um processo de convergência institucional estivesse em curso.

Tal circunstância não é marca desta nova faceta do Estado, sendo derivada inclusive de outros registros históricos, como já apontava aqui o Professor Marcelo Caetano (1989, p. 37):

É que, como notei no ‘Manual de Direito Administrativo’ (1ª.ed., 1937, 10ª.e ed. 1973) na vida moderna pode dizer-se que, ao contrário do que sucedia outrora – quando as necessidades coletivas começavam por ser sentidas no plano local –, os interesses públicos são formulados à escala nacional e muitos deles até têm tendência para a internacionalização.

Toda esta experiência regulatória não é exclusiva de um Estado nacional, sendo marcante em várias nações as demandas sociais determinantes da atuação estatal, como registra o Mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2007, p. 16/17):

Na vertente anglo-saxônica dedicada aos estudos da administração pública, notadamente conotada à, assim denominada, new economy, esse específico aspecto tem sido tratado como um dever de resposta adequada do gestor público às legitimas demandas dos administrados – o que naqueles trabalhos se designa como responsiveness, entendida como o atendimento adequado da juridicamente esperada legitimidade da ação do poder público, em complemento da tradicional, mas insuficiente, responsability, que é apenas o adequado atendimento da legalidade da ação pública.

Por tudo, a globalização certamente deve ser reconhecida como um elemento a ser considerado para os fundamentos e missões do Estado Regulador, mas não como mera representação ideológica. Deve sim ser incorporada às ferramentas da análise econômica no direito num ambiente constitucional em que a responsabilidade do Estado foi redesenhada, mormente considerando o maior controle pelo Estado da atividade econômica no setor privado e pela intensificação dos efeitos da globalização.

De fato, a regulação da atividade privada pelo Estado não teve início na década de 90, mas agora deve ser ponderado a partir do fenômeno da globalização. Alguns reduzem para o direito constitucional, o empresarial e o internacional como os principais campos que recepcionam a evolução das relações internacionais e seus efeitos e a globalização. Entretanto, trata-se de todo o papel do Estado como um agente regulador, considerando os interesses sociais que justificam o controle setorial.

Se no campo do direito internacional as concepções humanitárias já encontraram seu caminho de normatização por meio dos tratados internacionais, sejam global ou de âmbito regional, ainda que carecendo de maiores mecanismos de efetivação, no campo das relações econômicas, impõe-se que os Estados e as ferramentas de direito internacional tragam os conceitos reguladores para uma crescente disciplina comum entre as nações evitando os efeitos perversos da globalização.

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REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Irapuã Gonçalves de Lima Beltrão

Professor de Direito Tributário e Constitucional. Procurador federal no Rio de Janeiro (RJ). Especialista em Direito Econômico pela FGV/RJ. Master of Law pela University of Connecticut. Doutor em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELTRÃO, Irapuã Gonçalves Lima. Direito internacional, a globalização e desafios do novo Estado regulador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2528, 3 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14958. Acesso em: 23 abr. 2024.

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