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Má-fé processual: comentários sobre o parágrafo único do art. 538 e o §2º do art. 557 do Código de Processo Civil

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10/06/2010 às 00:00
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A concepção de reiteração e a elevação da multa imposta

Essa hipótese é exclusiva dos Embargos de Declaração, mas merece alguns comentários. O parágrafo único do artigo 538 do CPC, até o ano de 1994 apresentava como única sanção para a interposição dos embargos declaratórios protelatórios a aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa, porém, o legislador constatou a ineficiência da medida e, por meio da Lei nº 8.950 de 1994, alterou a sua redação: "Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo".

Por hora, o que se pretende é debater o sentido de reiteração dos embargos protelatórios e a elevação do valor da multa, deixando para o momento seguinte o depósito dos valores como requisito de admissibilidade de outros recursos.

Questionar o alcance da expressão "reiteração" pode levar basicamente a dois posicionamentos. O primeiro seria mais restritivo e a reiteração estaria ligada somente aos embargos que se repetiriam, reproduzindo os anteriores, com os mesmos fundamentos, já o segundo caminho levaria a uma concepção mais ampla, afirmando que bastaria somente uma nova interposição de embargos que se enquadrassem dentro da noção de protelação. A doutrina é praticamente unânime ao se posicionar em defesa do segundo posicionamento e o faz com razão. Afinal de contas, o sentido da lei é justamente evitar o uso abusivo dos embargos de declaração e com uma ênfase especial ao seu uso reiterado dentro da relação processual. Restringir o alcance da lei seria ir de encontro à luta pela celeridade, esvaziando o sentido deste instrumento repressivo.

Quanto à penalidade da multa, interessante é ressaltar que não se trata de uma nova sanção, mas sim da elevação da anteriormente imposta.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REITERAÇÃO DE EMBARGOS PROTELATÓRIOS. SEGUNDA PARTE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 538 DO CPC. ELEVAÇÃO DA MULTA IMPOSTA. (...). 1. (...) 2. Em face da reiteração de embargos protelatórios, cumpre aplicar a segunda parte do parágrafo único do artigo 538 do CPC. 3. Embargos de declaração rejeitados, com elevação da multa para 10% sobre o valor da causa, (...). (STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 662901 / DF, T2 - SEGUNDA TURMA, 16/05/2006, DJ 25.05.2006 p. 210, grifos nossos)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REITERAÇÃO DE EMBARGOS PROTELATÓRIOS. MULTA. APLICAÇÃO. ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, SEGUNDA PARTE, DO CPC. PERCENTUAL DE 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA. REJEIÇÃO. 1. Tratando-se da reiteração de embargos protelatórios, é cabível a elevação da multa a até 10% sobre o valor da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo, nos termos do art. 538, parágrafo único, segunda parte, do CPC. 2. Embargos de declaração rejeitados. (STJ, Processo: EEEAGA 200802549260: EEEAGA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1120817; Relator(a): ARNALDO ESTEVES LIMA; Órgão julgador: QUINTA TURMA; Fonte: DJE DATA:03/05/2010) (grifos nossos).

A elevação do valor ficará a critério do julgador que deverá fundamentar a sua decisão, quantificando o seu valor até o limite legal em função da sua má-fé.


Da condição consequente: condicionamento da "interposição" de outros recursos ao pagamento da multa imposta

A maior inovação trazida pela Lei nº 8.950/1994 foi, sem sombra de dúvida, a criação de um pressuposto recursal objetivo para a interposição de qualquer outro recurso, em face do não pagamento da multa imposta pelo julgador diante da reiteração dos embargos protelatórios.

Observa-se que o pressuposto recursal só existe, para o caso dos embargos protelatórios, na hipótese de reiteração. De outro lado, no caso do agravo manifestamente inadmissível ou infundado a reiteração não é requisito para a formação do novo pressuposto recursal.

Os primeiros embargos de declaração considerados protelatórios pelo julgador, conforme a atual redação do parágrafo único do artigo 538 do CPC, irão gerar à parte que os interpôs uma multa de 1% do valor da causa, porém outra consequência não haverá, podendo a parte interpor outros recursos naturalmente. Entretanto com a reiteração dos embargos manifestamente protelatórios e a eventual elevação da multa imposta, qualquer recurso que for interposto dependerá do prévio depósito do valor da sanção cominada, juntamente com o respectivo meio comprobatório. Para um melhor esclarecimento, observe-se:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO. NÃO CONHECIMENTO. CARÁTER PROTELATÓRIO. SUCESSIVOS RECURSOS INTEMPESTIVOS. BAIXA DOS AUTOS. PRECEDENTE. CORTE ESPECIAL. 1. Inexistindo nos autos comprovação do recolhimento da multa aplicada em razão da reiteração de embargos protelatórios, o novo recurso não merece conhecimento por ausência de pressuposto recursal objetivo, nos termos do artigo 538, parágrafo único, do CPC. 2. Embargos não conhecidos. (STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no Ag 517233 / MG, T4 - QUARTA TURMA, 23/08/2005, DJ 12.09.2005 p. 334, grifos nossos).

Embargos de Divergência. Recurso Manifestamente Infundado. Abuso do Direito de Recorrer. Imposição de Multa à Parte Recorrente. "Improbus litigator". Função inibitória (CPC, ART. 557, § 2º). Lealdade Processual. Celeridade. Prévio depósito do valor da multa como requisito de admissibilidade de novos recursos ("qualquer outro recurso"). Valor da multa não depositado - devolução imediata dos autos, independentemente da publicação do respectivo acórdão. Pressuposto objetivo de recorribilidade não demonstrado. Constitucionalidade dos dispositivos. (Informativo 534 – STF).

Não conhecidos os embargos declaratórios em virtude da ausência do prévio recolhimento da multa, poderá o julgador, verificando que se trata de embargos manifestamente protelatórios, aplicar a sanção prevista no parágrafo único do artigo 538 do CPC, pois a sanção se dá em virtude do abuso do direito de recorrer, não importando se o recurso preenchia ou não os requisitos de admissibilidade (DEMO, 2003, p. 145).

Ressalte-se que não se trata, na verdade, de "condicionar a interposição", pois se sabe que a interposição é o ato de dirigir-se ao juízo apresentando algo, que no caso, será um recurso. A interposição será sempre incondicionada, o que poderá ocorrer é o não recebimento da peça recursal em face do juízo de prelibação do julgador que constará a ausência de uma dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Os embargos de declaração não estão sujeitos a preparo e aqui também não é isto o que acontece. Diverge do preparo prévio inicialmente porque este não se trata de uma sanção processual. No presente caso da multa, observe-se que a ausência de comprovação do depósito impedirá o recebimento de todo e qualquer recurso, inclusive aqueles que não precisam de preparo prévio. Por fim, é interessante notar que o destino do valor a ser recolhido nas custas processuais deve-se ao Estado para a manutenção dos trabalhos judiciais, enquanto a multa aqui analisada é devida à parte embargada ou agravada.

De forma alguma poder-se-ia finalizar os comentários do presente tópico sem antes colacionar o importante julgado do Supremo Tribunal Federal e os comentários do Ilustre Ministro relator Celso de Mello, in verbis:

(...) O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER E A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. - O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé - trate-se de parte pública ou de parte privada - deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo. O DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA CONSTITUI PRESSUPOSTO OBJETIVO DE ADMISSIBILIDADE DE NOVOS RECURSOS. - O agravante - quando condenado pelo Tribunal a pagar, à parte contrária, a multa a que se refere o § 2º do art. 557 do CPC - somente poderá interpor "qualquer outro recurso", se efetuar o depósito prévio do valor correspondente à sanção pecuniária que lhe foi imposta. A ausência de comprovado recolhimento do valor da multa importará em não-conhecimento do recurso interposto, eis que a efetivação desse depósito prévio atua como pressuposto objetivo de recorribilidade. Doutrina. Precedente. - A exigência pertinente ao depósito prévio do valor da multa, longe de inviabilizar o acesso à tutela jurisdicional do Estado, visa a conferir real efetividade ao postulado da lealdade processual, em ordem a impedir que o processo judicial se transforme em instrumento de ilícita manipulação pela parte que atua em desconformidade com os padrões e critérios normativos que repelem atos atentatórios à dignidade da justiça (CPC, art. 600) e que repudiam comportamentos caracterizadores de litigância maliciosa, como aqueles que se traduzem na interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório (CPC, art. 17, VII). (STF, AI-AgR-ED-ED 207808 / DF, Segunda Turma, 13/06/2000, DJ 08-06-2001 PP-00020 EMENT VOL-02034-02 PP-00436, grifos nossos).

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Afastando-se qualquer possibilidade de negar a constitucionalidade da presente medida, criada pelo legislador pátrio, a cobrança do prévio depósito do valor da multa e a sua respectiva comprovação, "longe de inviabilizar o acesso à tutela jurisdicional do Estado, visa a conferir real efetividade ao postulado da lealdade processual, em ordem a impedir que o processo judicial se transforme em instrumento de ilícita manipulação" (STF, AI-AgR-ED-ED 207808 / DF, Segunda Turma, 13/06/2000, DJ 08-06-2001 PP-00020 EMENT VOL-02034-02 PP-00436), sendo uma medida de fundamental importância no combate à má utilização dos instrumentos processuais.

Embora seja uma medida extramente eficiente, a regra não pode ser aplicada indistintamente. Há casos em que a sanção, embora devida, não pode ser utilizada como um pressuposto de admissibilidade dos demais recursos. O beneficiário da justiça gratuita, por exemplo, até cinco anos após o trânsito em julgado da sentença, só estará obrigado ao pagamento se houver mudança em seu patrimônio que o habilite para tal. Impedir a admissibilidade dos recursos nesse caso seria retirar por motivos econômico-financeiros o acesso às vias recursais (DEMO, 2003, p. 145).

AGRAVO REGIMENTAL. NOVOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REITERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES REJEITADAS. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. CABIMENTO. SUSPENSÃO. JUSTIÇA GRATUITA. 1. Os segundos embargos de declaração somente são admissíveis se atacarem imperfeições surgidas no julgamento dos aclaratórios que os antecedem. Precedentes. 2. A exigibilidade da multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC fica suspensa se a parte é beneficiária da justiça gratuita. 3. Agravo regimental provido em parte. (STJ, Processo: ADRESP 200701421895: ADRESP - AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – 968652; Relator(a): JOÃO OTÁVIO DE NORONHA; Órgão julgador: QUARTA TURMA; Fonte: DJE DATA:17/05/2010) (grifos nossos).

Em relação ao Estado, faz-se necessária a análise do recente julgado abaixo transcrito:

PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO, NA ORIGEM, DE MULTA PREVISTA NO ART. 557, § 2º. NÃO COMPROVAÇÃO DE RECOLHIMENTO ANTES DA INTERPOSIÇÃO DE NOVO RECURSO. PRESSUPOSTO RECURSAL OBJETIVO. INAPLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. LEI Nº 9.494/97. POLICIAL MILITAR. CONTRIBUIÇÃO COMPULSÓRIA DESTINADA À ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR E ODONTOLÓGICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. A multa do artigo 557, § 2º, tendo em vista o princípio de que ubi eadem ratio ibi eadem dispositio, tem a mesma natureza da multa prevista no art. 488 do CPC, da qual está isento o Poder Público. 2. A norma inserta no art. 1.º-A da Lei n.º 9.494/97 é perfeitamente aplicável à multa de que trata o art. 557, §2.º, do CPC, razão pela qual não se há de negar seguimento a recurso interposto pela Fazenda Pública sob o fundamento de não ter a mesma previamente efetuado o depósito da referida multa (Precedentes da Corte Especial: EREsp n.º 695.001/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 02/04/2007; ERESP n.º 808.525/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 22.10.2007) (...) (STJ, Processo: RESP 200801442235: RESP - RECURSO ESPECIAL – 1070897; Relator(a): LUIZ FUX; Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA; Fonte: DJE DATA:02/02/2010) (grifos nossos).

Vê-se que, da mesma forma, o Estado não terá no depósito prévio um requisito de admissibilidade do recurso já que tais valores serão pagos através de regime próprio de pagamento característico do mesmo, que é o sistema de precatórios (DEMO, 2003, p. 145).


Referências Bibliográficas

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 7. ed. v. II. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 4. ed. v. III. Salvador: Jus Podivm, 2007.

DEMO, Roberto Luis Luchi. Embargos de Declaração: Aspectos Processuais e Procedimentais. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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Sobre o autor
Rafael Gomes de Santana

Pós-Graduado em Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ex-Coordenador de Defesa do Patrimônio Público e Recuperação de Créditos da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região. Ex-Chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Subprocurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Bacharel em Direito pela UFPE. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Rafael Gomes. Má-fé processual: comentários sobre o parágrafo único do art. 538 e o §2º do art. 557 do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2535, 10 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15003. Acesso em: 26 abr. 2024.

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