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Evolução do regime internacional de propriedade intelectual

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13/06/2010 às 00:00

Resumo:


  • A evolução do regime internacional de propriedade intelectual, inicialmente baseado na Convenção de Paris de 1883 com princípios de flexibilidade, sofreu uma transformação drástica nos anos 1980, levando ao rigoroso Acordo TRIPS de 1994.

  • Os Estados Unidos, influenciados por uma perda de liderança tecnológica e adotando uma postura unilateralista sob o governo Reagan, impulsionaram a mudança do regime internacional de propriedade intelectual, aplicando sanções comerciais unilaterais contra países que não respeitassem as normas de proteção à propriedade intelectual.

  • O novo regime, estabelecido pelo Acordo TRIPS, impôs padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual, alterando profundamente as condições para o desenvolvimento tecnológico dos países em desenvolvimento, que anteriormente utilizavam estratégias de imitação e adaptação tecnológica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. A consolidação do novo regime: o Acordo TRIPS

Antes da mudança na legislação brasileira, no desenrolar da Rodada Uruguai e em paralelo às ameaças norte-americanas de utilização das sanções da Seção 301 de sua Lei de Comércio, as negociações conduziram à aprovação do texto do Acordo TRIPS, juntamente com a conclusão da rodada comercial e a criação da Organização Mundial do Comércio – OMC. O novo Acordo sobre patentes impunha uma série de regras rigorosas, estabelecendo padrões mínimos de respeito à propriedade (por exemplo, prazo mínimo de vinte anos para a patente de invenção) e mecanismos de enforcement para garantir o cumprimento da lei.

Vê-se, portanto, que o Acordo TRIPS representou a coroação da mudança do regime internacional sobre o assunto, iniciada na primeira metade da década de 1980. As regras do regime anterior, em resumo, dispunham meramente que aquilo que se estabelecesse para o nacional do país teria que ser aplicado ao nacional dos demais membros do acordo. Já o Acordo TRIPS impôs o reconhecimento da propriedade intelectual de modo amplo e rígido: alargou-se a abrangência da proteção à propriedade intelectual, fixaram-se prazos de proteção e estabeleceram-se procedimentos para conferir eficácia às normas.

A partir dessa mudança de regime, as nações em desenvolvimento se viram forçadas a desconsiderar a possibilidade de simplesmente copiar produtos e processos e passaram a buscar mecanismos alternativos para estimular o progresso tecnológico, tais como modificações no tipo de educação ofertado e no papel dos institutos públicos de pesquisa.

Cabe observar que, após a conclusão da Rodada Uruguai, restringiu-se enormemente a liberdade dos países em desenvolvimento para formular suas políticas comerciais, limitando-se o uso de cotas, tarifas e outras barreiras não-tarifárias. Em particular, o Acordo TRIPS alterou drasticamente o caráter difuso do regime internacional de propriedade intelectual, tornando mais difícil a imitação de produtos e de processos já existentes – estratégias largamente utilizadas nas fases iniciais da industrialização de outros países, como Estados Unidos e, em certa medida, Coréia do Sul (CIMOLI; DOSI; NELSON & STIGLITZ, 2006).


7. Observações finais

A mudança verificada no regime de propriedade intelectual trouxe repercussões substanciais para a economia brasileira. Como o país dispunha de uma indústria ainda fragilmente estruturada e tecnologicamente atrasada, o setor produtivo nacional passou a enfrentar dificuldades adicionais para evoluir tecnologicamente.

Praticamente todos os países que se industrializaram tardiamente fizeram uso da ferramenta de imitar tecnologias dos países mais avançados e, em cima delas, promover novos avanços. Como a cópia se tornou bem mais restrita sob o novo regime, a economia brasileira – e a dos demais países em desenvolvimento – padeceu de empecilhos adicionais em sua busca por emparelhar-se economicamente com os países desenvolvidos.

A evolução relatada do regime internacional de propriedade intelectual demonstra como a formação do novo regime buscou assegurar uma situação privilegiada para as nações que já dispunham de padrões tecnológicos avançados. Em lugar de conceber uma normatização internacional para fomentar novas tecnologias e sua difusão, o novo regime atendeu prioritariamente aos interesses já estabelecidos, facilitando a perpetuação da situação de segregação tecnológica no planeta.

Cabe ainda fazer alusão às discussões em curso para a criação de regras ainda mais firmes de propriedade intelectual. Em uma negociação levada a cabo de maneira sigilosa, os países desenvolvidos têm negociado um novo acordo sobre a matéria denominado de ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement – ou Acordo Comercial Antifalsificação), que endureceria as regras do Acordo TRIPS. A pretexto de combater a falsificação de produtos, o tratado em negociação sigilosa pretende fixar parâmetros ainda mais rigorosos na área farmacêutica, inclusive restrições e sanções ao comércio de produtos oriundos de cópias, como os medicamentos genéricos.

Como ainda não foram disponibilizadas informações detalhadas sobre essa negociação, torna-se inviável fazer uma análise detalhada da proposição. Mas o fato de a negociação ocorrer de maneira secreta e de excluir as grandes nações em desenvolvimento, como a China e o Brasil, é indício de que os interesses das nações atrasadas não estão sendo albergados nessa negociação.

O tema da propriedade intelectual é de crescente importância para o desenvolvimento econômico de longo prazo. Por ser uma economia de industrialização tardia e de renda média, o Brasil tem grande interesse em evitar que o regime internacional de propriedade intelectual se torne ainda mais desvantajoso aos interesses nacionais. Para que o país possa se posicionar de maneira adequada nos foros internacionais sobre o tema, ter clareza sobre a evolução histórica desse regime é fundamental.


8. Referências bibliográficas

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

CHANG, Ha Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica; tradução Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni; NELSON, Richard R. & STIGLITZ, Joseph. Institutions and Policies Shaping Industrial Development: an introductory note. Laboratory of Economics and Management (LEM). Sant’Anna School of Advanced Studies. Pisa, 2006.

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FEDERMAN, Sonia Regina. Patentes: desvendando seus mistérios. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006.

HERMANN, Breno. O Brasil e a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96): um estudo de caso da relação interno-externo. 132p. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2004.

KIM, Linsu. Da imitação à inovação: a dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia; tradutor: Maria Paula G. D. Rocha. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005.

KRASNER, Stephen D. Structural causes and regime consequences: regimes as intervening variables. International Organization. v. 36, n. 2, 1982.

PARADA, Ana Maria Mülser. A declaração da OMC sobre o Acordo TRIPS e saúde pública (Doha, 2001) – um estudo de caso sobre a liderança do Brasil em foros multilaterais. 237p. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.

TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes: o conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.


Notas

  1. Segundo esse princípio, os nacionais de cada um dos países membros da Convenção deveriam gozar, em todos os outros países membros, da mesma proteção, vantagens e direitos concedidos pela legislação do país a seus nacionais, sem que nenhuma condição de domicílio ou de estabelecimento seja exigida. Assim, vedava-se que os nacionais do país fossem privilegiados em relação aos estrangeiros, mas não se impunha a observância de normas uniformes de patentes, já que o país poderia simplesmente não reconhecer o direito de patentear em determinados ramos econômicos, quer para os nacionais, quer para os estrangeiros.
  2. É válido esclarecer que a expressão "propriedade intelectual" é o gênero do qual são espécies a propriedade industrial e os direitos do autor. A propriedade industrial, por sua vez, é composta pelas patentes de invenção, modelos de utilidade, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e cultivares. Já os direitos autorais se relacionam às obras literárias e artísticas, programas de computador e domínios de internet.
  3. "Section 301 of the Trade Act of 1974, as amended (19 U.S.C. § 2411), is the principal statutory authority under which the United States may impose trade sanctions against foreign countries that maintain acts, policies and practices that violate, or deny U.S. rights or benefits under, trade agreements, or are unjustifiable, unreasonable or discriminatory and burden or restrict U.S. commerce." (Resumo da Seção 301 da Lei de Comércio dos Estados Unidos, elaborado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Disponível em http://www.osec.doc.gov/ogc/occic/301.html, em 12 de setembro de 2008.)
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Sobre o autor
Rafael Ramalho Dubeux

Advogado da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUBEUX, Rafael Ramalho. Evolução do regime internacional de propriedade intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2538, 13 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15027. Acesso em: 23 dez. 2024.

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