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Controle externo da atividade policial:

natureza e mecanismos de exercício

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01/08/2000 às 00:00
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4 - DESFECHO:

          O Ministério Público, é bom lembrar, vincula-se apenas à Constituição Federal, e por isso tem liberdade para agir com rigor, como tem feito em todas as áreas que é chamado a agir ou que age por iniciativa própria. Se age como defensor da cidadania e da sociedade, não vêem os promotores de justiça diferença entre o criminoso que se encontra na condição de "bandido", desempregado, policial, político, pois todos eles (querendo alguns ou não!) compõem a nossa sociedade. Tem valido para o Ministério Público goiano a lição do inglês John Pym, exaltada no parlamento daquele país durante um julgamento em 1.641: "A lei é o limite e a medida entre as prerrogativas do Rei e a liberdade do povo. Enquanto elas se movem em suas próprias órbitas, elas são o suporte e a segurança uma da outra. A prerrogativa, a cobertura e a defesa da liberdade do povo; e o povo, através de sua liberdade, constitui o fundamento da prerrogativa. Mas se esses limites são removidos, eles entram em conflito e contestação, e um dos dois danos deve acontecer: se a prerrogativa do Rei sobrepuja a liberdade do povo, ela se torna tirania; se a liberdade solapa a prerrogativa, ela se transforma em anarquia".

          Entretanto, no exercício coerente e legítimo do controle externo da atividade policial, o Ministério Público deve atentar para a fina advertência feita Promotora de Justiça catarinense, Márcia Aguiar Arend(23), para quem "o desprezo doutrinário sobre as influências da ideologia na técnica jurídica penal do Ministério Público serve para ocultar, não apenas da sociedade, mas dos próprios membros da instituição, o seu papel de reprodutor da ideologia dominante, subtraindo a sua capacidade de ver o que deve ser tido como violento e subsumível ao Direito Penal. Há uma falsa consciência enevoando o agir do titular da ação penal que lhe imanta uma falsa certeza de defensor da sociedade pelo simples fato de denunciar e de submeter os infratores da lei penal ao processo penal. O Ministério Público também trilha os caminhos da manipulação da realidade, porque a sua relação com o poder o submete, não só ao próprio poder, como à ideologia que o envolve e o dinamiza em todos os espaços do viver coletivo." Conclui: "A capacidade transgressora do Ministério Público à ideologia penal dominante, a sensibilidade e eficiência para tornar concreta a defesa da Constituição e das instituições democráticas e a democracia - que por capilaridade deve fluir para todas as dimensões do direito - poderá tornar a instituição agente contribuinte da radiografia dos equívocos que ainda vitimam a compreensão do que seja, efetivamente violência, porque sensível para realizar o diagnóstico, poderá contribuir para a transformação da realidade."

          Está aí a diferença crucial: os cidadãos de bem, os familiares das vítimas e dos estigmatizados "bandidos", os bons policiais, os jovens promotores de justiça, nenhum destes se acha maior do que a lei ou isento de suas conseqüências, pelo contrário, ainda carregam a certeza de que a melhor maneira da sociedade progredir voltada para a realização do bem comum (afastando-se da beira do abismo), é trabalhando independente de quem e tendo ainda a benção divina de se indignar com os vícios e máculas da cultura cauterizada do "que que tem?".


NOTAS

  1. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos...
  2. Promotor de Justiça paulista, trecho extraído da tese "Atividade Policial: Controle Externo pelo Ministério Público", aprovada por unanimidade no VIII Congresso Nacional do Ministério Público realizado em Natal-RN.
  3. extraído do artigo "O Ministério Público e o Controle Externo da Atividade Policial", publicado na Revista de Direito do Rio de Janeiro, RJ, 3, 1996, págs. 132/134.
  4. Hugro Nigro Mazzilli aduz que "o direito de punir - jus puniendi - tem, pois, como seu titular o Estado soberano. E, para que esse poder-dever seja atuado em concreto, há vários momentos que devem ser transpostos, cada um deles igualmente de exercício de uma parcela da soberania, por órgão diferentes do Estado: a) a edição da lei (pelos Poderes Legislativo e Executivo); b) a acusação penal (pelo Ministério Público); c) a jurisdição penal (pelo Poder Judiciário); d) a execução penal (em atividade administrativa e jurisdicional, pelos Poderes Judiciários e Executivo).
  5. membro do Ministério Público paulista, trecho extraído do artigo "O Ministério Público e o Dever Constitucional do Controle Externo da Atividade Policial".
  6. trecho extraído do artigo "O Controle Externo da Polícia", encontrado em sites jurídicos da Internet.
  7. trechos extraídos do artigo "Controle Externo da Atividade Policial, o Outro Lado da Face", publicado no IBCCrim, ano 8, nº 89, p.15.
  8. Procurador de Justiça goiano, Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, trecho extraído do artigo "Controle Externo da Atividade Policial e Legislação Vigente".
  9. Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
  10. Trecho extraído do artigo "Polícia, Corregedoria da Polícia Judiciária e o controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público", Justitia, SP, 53 (154), abril/jun. de 1991).
  11. "Tratado de Direito Processual Penal, SP, Ed. Saraiva, 1980, vol. 1º, pp. 201/202.
  12. Membro do Ministério Público do Ceará, trecho extraído do artigo "O Controle Externo da Atividade Policial: do discurso à prática", Internet.
  13. extraído do artigo "O Ministério Público e a Segurança Pública", Internet.
  14. PROCESSUAL PENAL — PROVA — MEIO ILÍCITO DE OBTENÇÃO — NULIDADE. A produção de provas precisa obedecer o procedimento legal. Daí a Constituição da República expressar a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI). Não produzem efeito confissão e testemunho resultantes de tortura física e psicológica. Decorre nulidade. Não acarreta absolvição. Enquanto não incidente a prescrição, é admissível a produção da prova (RHC nº 2.132-2 — BA. Rel. Min. VICENTE CERNICCHIARO. Sexta Turma. Unânime. DJ 21/09/92).
  15. Não vai aqui condenação pura e simples pela desobediência ao princípio legal da obrigatoriedade (CPP. Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito) porquanto, em sede de investigações, o Ministério Público também tem sido seletivo. Só que uma coisa é seletividade justificada e outra é desídia, prevaricação, corrupção, concussão e improbidade administrativa. São realidades distintas e com conseqüências distintas e que todos de bom senso sabem bem a diferença entre uma e outra
  16. Pesquisa feita pelo CAOEX com dados fornecidos pelas Promotorias de Justiça concluiu que a chamada "cifra negra" (fatos registrados em ocorrência policial mas não apurados) no Estado de Goiás chega quase a 95% (noventa e cinco por cento). Dessarte, apenas em torno de 5% (cinco por cento) dos casos levados ao conhecimento do Estado-Polícia são investigados, concluídos e remetidos ao Poder Judiciário, o que joga por terra o princípio da obrigatoriedade.
  17. Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
    ............................................................
    § 3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.
  18. Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
  19. Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
  20. Resolução CSMP/GO nº 06/2000: "Art. 14. É dever do Ministério Público, por seus órgãos de execução, fiscalizar a legalidade e a legitimidade do inquérito policial civil ou militar, podendo para tanto acompanhar o seu trâmite, requisitar diligências com anotação de prazo, fotocopiar suas peças ou fazer apontamentos.
    Art. 15. O órgão do Ministério Público zelará:
    I - Para que a coleta de provas seja orientada pelos critérios da utilidade e eficácia, sem prejuízo da celeridade na conclusão do inquérito policial;
    II - pela observância do prazo legal para a finalização e remessa do inquérito policial, bem como do prazo de prorrogação concedido para a conclusão das investigações;
    III- pelo respeito aos direitos e garantias individuais dos envolvidos na investigação policial.
    Art. 16. O órgão do Ministério Público ao oficiar em pedido de prorrogação de prazo para a conclusão de inquérito policial, poderá:
    I – Oferecer de pronto a denúncia, requerendo na cota introdutória a realização de diligências complementares não essenciais;
    II – concordar com a prorrogação requerida, devolvendo os autos e indicando objetivamente as diligências consideradas necessárias ao esclarecimento do fato e da autoria, definindo prazo razoável para o seu cumprimento;
    III – realizar diretamente as diligências faltantes e imprescindíveis ao oferecimento da ação penal, observando para tanto os limites do artigo 47 do Código de Processo Penal e legislação orgânica federal e estadual do Ministério Público.
    Art. 17. As Promotorias de Justiça ou as Centrais de Inquéritos manterão sistema de cadastro e acompanhamento dos inquéritos policiais devolvidos à polícia, a fim de permitir o controle do prazo prorrogado para a conclusão das investigações.
    Art. 18. Se verificada a prática de ilegalidade no trâmite do inquérito policial, o órgão do Ministério Público deverá tomar as providências legais para saná-la de pronto, além de responsabilizar o seu autor com as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, consoante artigo 2º desta Resolução.
    Art. 19. As mesmas regras definidas neste capítulo, no que forem compatíveis, serão aplicadas pelo Ministério Público na fiscalização da regularidade de outras espécies de procedimento investigatório policial, tais como termos circunstanciados de ocorrência e sindicâncias para apuração de ato infracional praticado por adolescente.
  21. Walter Paulo Sabella, membro do Ministério Público paulista, ob.cit.
  22. trecho extraído do artigo "A Polícia sob Controle?".
  23. Trecho extraído do artigo "O Ministério Público e a Manipulação Ideológica da Violência Policial", Internet.
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Sobre o autor
Carlos Alexandre Marques

Promotor de Justiça em Goiás. professor de Direito Constitucional e Direito da Criança e do Adolescente na Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial:: natureza e mecanismos de exercício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1598. Acesso em: 16 abr. 2024.

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