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Ação civil pública para regularização de loteamentos

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01/10/1999 às 00:00
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ACP contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR, HABITAÇÃO E
URBANISMO DA COMARCA DE CAMPO GRANDE

Exmo. Senhor Juiz de Direito da _____ Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, MS:

URGENTE: HÁ PEDIDO DE LIMINAR

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta Comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, à Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no artigo 129, III e IX da Constituição Federal, somado aos artigos 1º, II e IV; 2º; 3º; 5º, caput; 11 e 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública; nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83; 84, caput e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), art. 40, caput, da Lei 6.766, de 19.12.79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e ancorado nos fatos apurados nos Procedimento Administrativo nº 012/96, doravante referenciado apenas por "PA 012/96", propõe a presente

Ação Civil Pública com Preceito Cominatório de Obrigação de Fazer,
com Pedido de Liminar

em face do Município de Campo Grande - MS, pessoa jurídica de direito público interno, a citado na Avenida Afonso Pena, nesta capital, endereço de sua Procuradoria Geral, pela razões de fato e de direito que passa a expor:


I. DOS FATOS:

Sob os olhares complacentes e omissos do Município de Campo Grande, a Empresa Ego Construções de Rondônia S.A. parcelou uma área de 27.213,00m2, resultante do desmembramento do lote 30.c do Bairro Desbarrancado, nesta cidade, dando origem ao loteamento "Jardim São Judas Tadeu", e, posteriormente, comercializou os lotes de terrenos daí resultantes sem que houvesse sequer o registro do loteamento.

O próprio instrumento de compromisso de compra e venda de imóveis urbanos (f. 122 do PA 012/96) denunciava a clandestinidade do loteamento que estava sendo negociado, nos seguintes termos:

"CLP Construção e Projetos Ltda. (....) e do outro lado João Deeniozevicz (....) contratam entre si a compra e venda do lote 10 da Quadra 01 da área 30-C do loteamento Jardim São Judas Tadeu, em fase de aprovação junto a Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS".

Apesar de constar na Cláusula Quarta do referido instrumento que a Promitente Vendedora se comprometia a lavrar a escritura de compra e venda tão logo fosse liberada a aprovação do loteamento pelo Município, o vendedor e representante da loteadora, Valdir Ailton Marques da Cruz, informava, falsamente, aos interessados de que a escritura seria lavrada de 45 a 60 dias a partir da assinatura do contrato (reclamação de f. 84 e abaixo-assinado de f. 167 dos autos de PA 012/86).

As irregularidades não param por aí. Após receber todos os valores relativos aos imóveis vendidos (documentos comprobatórios, por exemplificação, f. 439-516 do PA 012/96), Valdir Ailton Marques da Cruz - sem aprovar e registrar o loteamento e sem promover as obras de infra-estrutura prometida - tomou rumo ignorado, deixando os consumidores impossibilitados de até escriturar seus imóveis.

Alguns consumidores mais precavidos, antes de adquirir lotes, procuraram o réu para saber da legalidade do loteamento, quando foram informados por funcionários deste que o parcelamento estava aprovado, o que animou a muitos deles a adquirirem imóveis no predito parcelamento, para ali construir sua casa e dela fazer seu lar. Eis as palavras dos consumidores ludibriados pela informação enganosa, por omissão, dada pelos empregados do réu:

"Antes de efetuarmos a compra dos referidos lotes, alguns dos compradores foram até a Prefeitura se inteirar da situação do loteamento, e foram informados que o referido loteamento " estaria aprovado" .

As vendas do lotes, conforme se comprova pelos documentos juntados nos autos do PA 012/96, começaram em 1993. Como exemplo, pode-se citar os casos de Antônio Rodrigues Freire que adquiriu um lote no dia 18.08.93 (contrato de f. 145 do PA 012/96); João Gonçalves Padilha que adquiriu em 26.10.93; Waldemar Cândido Sobrinho que adquiriu em 08.08.94; Joel Barbieris Campos Leite que adquiriu em 27.08.94; João Deeniozevicz, em 06.02.95 (PA 012/96, f.84); Eucalina Theodoro de Paula, em 14.04.97 (PA 012/96, f. 488/489), sendo certo que a maioria dos lotes foram vendidos antes mesmo da aprovação do projeto do loteamento que só se deu em 07.08.95,

Os lotes foram adquiridos todos em condições precárias de habitabilidade, posto que o empreendimento não possuía rede de água, de energia elétrica, de iluminação pública e de esgoto, bem como as ruas não possuíam pavimentação, calçadas, galeria de recolhimento de água pluvial, guias e sarjetas. Sem o nivelamento adequado das ruas, com as chuvas, as vias transformavam-se em lagoas, por onde não passava sequer o transporte coletivo e a comunidade ficava praticamente ilhada. Os matagais, as águas empoçadas e os lixos que tomavam conta do bairro dão condição propícia para proliferar os mosquitos da dengue e outros insetos e animais transmissores de doença. A própria Secretaria de Saúde do Município foi, no dia 6 de maio de 1997, no local, a requerimento da Promotoria de Justiça do Consumidor e constatou a realidade dos fatos (Termo de reclamação de f. 84 e Relatório de fiscalização de f. 138 do PA 012/96).

Para resolver, de imediato, a questão de sobrevivência, alguns moradores tiveram que furar poços (f. 163 do PA), outros, em virtude de sua situação financeira, tiveram que adquirir água e energia elétrica de forma clandestina.

Buscando minorar seus prejuízos, os adquirentes dos lotes vem ao longo desses anos mendigando o que lhe é seu por direito: condições dignas, ainda que mínimas, de moradia, com acesso a infra-estrutura e saneamento básico garantindo sua saúde, segurança, educação e lazer. Durante as campanhas eleitorais "trocaram" sua liberdade e direito de escolha por favores e promessas vindas de políticos eleitoreiros que sabidamente desaparecem após o pleito. E foi dessa forma que hoje esses moradores-consumidores contam com rede de água e de energia elétrica, que pagaram com o próprio suor ou a custo de seu direito de voto, sendo que os demais benefícios que até hoje não foram implantados.

A própria iluminação pública que lhes era cobrada pelo réu através da Enersul era inexistente no local, fato este confessado pela própria concessionária de energia elétrica. (f. 84, 153/156 e 167 dos autos de PA 012/86). Isso sem dizer que a energia elétrica, no início, era fornecida de forma ineficiente e precária, o que ocasionou inúmeros acidentes, dos quais resultaram perdas de grandes quantidades de aparelhos eletrodomésticos. A própria Enersul concordou com a deficiência, tanto é que deu as explicações que tinha para o problema, que entre ele se encontrava a falta de planejamento na instalação da rede elétrica (f. 91, 92, 135 e 151-156).

Muitos adquirentes de lotes não ousaram construir casas no local, com medo da fiscalização do Município réu omisso que ameaçava cobrar multas e embargar as obras, sob o pretexto de que o loteamento era clandestino, como se fossem os consumidores que tivessem dado caso à ilegalidade.

Até os que procuravam vender seus lotes para terceiros saíam no prejuízo, posto que tinham nas mãos uma mercadoria de difícil comércio por ser fruto de parcelamento ilegal. Mesmo quando conseguiam vender, tinham que fazer por preço bem abaixo do mercado.

Segundo informações dos consumidores lesados, vários loteamentos que se encontram ao redor do Jardim São Judas Tadeu estão em idêntica situação, isto é, foram loteados pela mesma empresa e por ela comercializados sem atender as exigências legais.

Neste exato momento em que esse digno juízo está lendo esta petição, os representantes do réu estão omissos e coniventes com muitos outros loteamentos irregulares, com enormes prejuízos aos consumidores campograndenses.

Apesar de todo o ocorrido, o réu manteve-se impassível, omisso e conivente diante da situação dos consumidores espoliados.

Instados a se pronunciarem a respeito dos problemas enfrentados pelo consumidor e a dar uma solução objetiva e definitiva para o caso, os organismos competentes, quando se manifestavam, contentavam-se em afirmar que os projetos estavam dentro dos padrões e das normas técnicas, demonstrando, assim, seu completo descaso em atender os consumidores lesados.

Uma coisa é o texto "frio" dessas normas e padrões dos projetos aprovados, outra é a sua real aplicação e fiscalização por parte do poder público competente, o que, efetivamente, não ocorreu.

Tendo sido feitas vistorias no local, foi constatado o descaso total e a falsidade das informações prestadas.

Como que para confirmar as conclusões da vistoria, inúmeras reclamações chegaram até este órgão ministerial, os quais davam conta da falta de infra-estrutura e da impossibilidade de legalização dos terrenos, por falta de registro do loteamento.

Na tentativa de resolver as irregularidades detectadas, a Promotoria de Justiça do Consumidor convocou uma reunião entre todos os interessados. Compareceram representantes da Enersul, da Sanesul, da Prefeitura Municipal, o advogado do loteador, Dr. Mário Edson Monteiro, o engenheiro responsável pelo projeto, Dr. Renê Alvares Possik e vários adquirentes dos lotes do Empreendimento "Jardim São Judas Tadeu".

Nesta reunião, ficou estabelecido que o representante do ora réu dispensaria esforços no sentido de liberar o loteamento sem a necessidade de pavimentação (ver ata de f. 140-142 do PA 012/96), mas nada, absolutamente nada, foi feito neste sentido.

Como se não bastasse a má vontade, a omissão e o descumprimento da lei por parte do réu, o Senhor Secretário da Semur, certa vez, instado a tomar uma posição para proteger os adquirentes dos lotes, teve o desplante de dizer ao subscritor desta peça que o Município não tinha obrigação alguma de defender os direitos dos consumidores. Claro fica que o réu só enxerga o cidadão como contribuinte, para espoliá-lo e sugar tudo o quanto pode.

O que de mais positivo se conseguiu do Município réu para solucionar a questão se encontra no ofício de f. 323-324 dos autos de PA 012/96, onde o Senhor Prefeito Municipal e o Senhor Secretário Municipal de Controle Urbanístico afirmaram, "in verbis", que

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"suprida a vontade do loteador e registrado o loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, a Prefeitura Municipal de Campo Grande, através da Secretaria Municipal de Controle Urbanístico, dispõe-se a proceder a regularização do Empreendimento."

Achando, a princípio, que seria a solução para o problema, o Ministério Público consultou os consumidores lesados os quais, através do requerimento de f. 449-451 do predito PA 012/96, abriram mão da pavimentação das ruas para que fosse possível a regularização do loteamento e, assim, pudessem escriturar seus imóveis.

Ocorre que, após uma melhor análise, viu-se que a proposta do município não satisfazia as exigências legais para se proceder o registro do loteamento, posto que o que faltava não era suprir a vontade do loteador, mas que o próprio Município réu abrisse mão da pavimentação asfáltica para tornar possível a regularização do empreendimento ou ele próprio fizesse tal pavimentação, já que, com sua omissão, assumiu para si tal responsabilidade. Diante desse fato, o Ministério Público percebeu que o único meio para sanar a questão era ingressar com a presente ação civil pública em face do Poder Público omisso.

E por falar em omissão, deve-se deixar claro aqui quais foram as atitudes nefastas do Município em prejuízo do consumidor.

O réu - que tem a obrigação constitucional e legal de defender o consumidor e de elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar as áreas habitadas do Município, propiciando assim o pleno desenvolvimento da cidade, garantindo o bem estar dos seus habitantes, o acesso a todos aos bens e aos serviços urbanos e as condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do município - não tomou nenhuma medida administrativa concreta para que os lotes não fossem comercializados antes da feitura do registro do loteamento e, mesmo depois que percebeu sua omissão, não a corrigiu, regularizando o loteamento como determina a lei.

Poderia e deveria ele, como pode e deve, realizar fiscalizações tendentes a tomar conhecimento de todos os novos empreendimentos que surgem na cidade, com o fim de efetuar diligências e vistorias na áreas; embargar os empreendimentos clandestinos; cientificar os responsáveis acerca de sua ilegalidade; evitar vendas de lotes não regularizados; cadastrar os consumidores que já adquiram lotes irregulares, com vistas à consignação do valor das prestações, com fundamento na norma do artigo 38, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79 e, por fim, para, se nada disso surtir efeito, ingressar em juízo com ações próprias, de forma a cumprir sua função social e legal. Mas, no caso do loteamento São Judas Tadeu, nada disso ele fez e os consumidores, órfãos, foram ludibriados, com a conivência de quem os devia defender. Dessa forma, estão até hoje amargando os prejuízos sofridos.

O réu contentou-se em, com base na Lei Municipal n° 2.567/88 e através do processo n° 75.970/93-78, aprovar, em 07.08.95, o projeto do indigitado loteamento, de propriedade da empresa Ego Construções de Rondônia S.A., tendo sido expedido, em 24.08.95, Termo de Início de Obras - TIO n.o 003/95, para que a empreendedora em 02 anos executasse as obras de infra-estrutura (PA 012/96, f. 29 e 30, 100 e 183, item 5).

Ocorre que quando o Município réu resolveu fazer isso a maioria dos lotes já haviam sido vendidos e muitas famílias já moravam na área e ele nenhuma providência tomou para salvaguardar os direitos dos adquirentes e fazer respeitar o planejamento diretor de urbanização de Campo Grande.

Quando o loteador solicitou a aprovação do loteamento, o réu de pronto deveria ter enviado seus fiscais no local para tudo ver e de tudo ficar ciente, momento em que teria constatado as vendas que já haviam sido feitas e, a partir daí, embargar novas vendas, requerer instauração de inquérito policial, informar o Ministério Público das irregularidades, orientar o consumidor a não pagar as parcelas diretamente para o loteador, aprovar, posteriormente, o loteamento tão somente mediante hipoteca de terrenos em quantidade suficiente para garantir a feitura das obras de infra-estrutura e não sem as garantias devidas, como foi feito.

O empreendedor estava obrando com má-fé e o réu só não agiu porque com ele se encontrava conivente. Nas condições em que se encontrava o loteamento, a aprovação sem a exigência da hipoteca constituiu-se em um ato omissivo ao extremo, conivente e criminoso.

Mesmo após ter aprovado, tardiamente, em 07.08.95, o projeto do loteamento e expedido, em 24.08.95, o termo de início de obras, teria muita coisa para o Município réu fazer em prol do comprador dos lotes e nada fez. Ele sequer acompanhou o andamento das obras e tão somente em 19.05.97, quase dois anos depois, é que foi constatar irregularidades no referido parcelamento, quando por lá passou um fiscal seu, Carlos Roberto Silva (f. 109/110 do PA). Mas mesmo constatando o total descaso do loteador nenhuma providência foi tomada. O referido fiscal, apesar da visita feita ao loteamento não foi capaz de perceber que o mesmo já se encontrava habitado, tanto é que não anotou o fato como anormal, apesar de ter conversado com moradores do local, conforme faz menção no relatório que elaborou. O fato de o empreendimento estar habilitado é relevante, dado que demonstrava que o loteador havia vendido e estava vendendo lotes sem o registro competente do parcelamento respectivo, o que constitui crime previsto no art. 50 da Lei 6.766/79.

Como que por encanto, outro fiscal do réu, Osório R. Miranda, às 15h e 10m do dia seguinte, isto é, no dia 20.05.97, por lá passou também e registrou no documento de n.o 1.563, encontrado á f. 330 do PA 012/96, que o loteador havia cometido o crime previsto no parágrafo único, inciso I, do Artigo 50 da Lei 6.766/79. Mas também só constatou o fato e não tomou nenhuma providência concreta, posto que a notificação que diz ter expedido de nada serviu. O loteador sequer se encontrava mais no município de Campo Grande. Neste caso, embora tardiamente, deveria o réu proceder na forma prevista no artigo 49(1) da Lei n.o 6.766/79.

Mister se faz relembrar que nas datas em que os fiscais do réu conseguiram "notar" irregularidades no loteamento e a prática de crime contra o parcelamento do solo, há muito o representante legal da loteadora, Valdir Airton Marques da Cruz havia desaparecido da cidade com o dinheiro do consumidor, tanto é que em 22 de maio de 1996, quando o Ministério Público expediu a primeira notificação para o referido cidadão não mais logrou êxito em localizá-lo (PA f. 13 e 18 a 20). Assim, não se sabe com qual finalidade foi lavrada a notificação de f. 330 dos autos de PA 012 e quem foi notificado, uma vez que, como já dito, o loteador já não mais se encontrava em Campo Grande e ninguém, absolutamente ninguém, recebeu tal notificação. Pior ainda. Segundo aquela notificação, o loteador deveria regularizar o loteamento em dois dias. Exigir a regularização do empreendimento em dois dias é a demonstração clara de que a notificação não era ato sério. Para a regularização do loteamento várias providências deveriam ser tomadas, entre elas a de realizar todas as obras de infra-estrutura. E como tal façanha poderia ser feita em dois dias? Além do mais, a exigência era descabida posto que o prazo dado, em 24.08.95, pelo TIO n.o 003/95, se findaria em 23.08.97 e não em 22.05.97, dois dias após a notificação. Diminuir, através de uma mera notificação, o prazo anteriormente dado em um ato administrativo solene era impossível. Essa exigência do Senhor fiscal soava como uma confissão da omissão e conivência do réu para com o loteador trapaceiro. Assim, mais uma vez o réu demonstrou que suas ações eram despidas de qualquer bom senso e objetivo prático. O que efetivamente deveria ter feito o demandado era ter exigido hipoteca de tantos lotes quantos fossem necessários para garantir a feitura das obras. Exigências absurdas agora feitas para ninguém não tinha sentido algum.

A incongruente e descabida notificação em comento só tentou dissimular, em vão, a responsabilidade do Município réu.

Mister se faz ainda esclarecer que quando os fiscais do réu acordaram, o Ministério Público já estava, há tempo, investigando os fatos e cobrando ação mais eficaz do réu, tanto é verdade que o representante do "Parquet" requisitou, em 7 de abril de 1997, a instauração de inquérito policial para apurar os crimes previstos no artigo 50 da Lei 6.766/79 e no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (f. 86 do PA).

Além de nada fazer em benefício do consumidor, recentemente o réu, ao completo arrepio da Constituição e da lei, fez doações de terrenos naquele loteamento; loteamento este tido por ele mesmo como irregular. Como se apurou, o Município através da Secretaria de Assuntos Fundiários, utilizou-se de parte da área institucional, destinada a implantação de equipamentos urbanos, para ali assentar 6 (seis) famílias, sendo este também o número de terrenos doados. Incentivando com isso novos empreendimentos do mesmo naipe e em visível prejuízo aos consumidores adquirentes dos lotes que haviam pago por essa área.

A arbitrariedade, contradição e omissão do réu são tantas que seus fiscais chegam até a ameaçar embargar obras naquele empreendimento de quem pagou pelos lotes com o suor de seus rostos. E, por outro lado, permitem que famílias sem teto tomem conta e construam na área institucional paga pelo próprio consumidor adquirente que fica assim duplamente lesado.

Para quem pagou pelos lotes, o loteamento é clandestino. Mas para quem nada contribuiu, tudo é possível, até construir em área regularizada pertencente ao próprio parcelamento irregular.

Após a constatações da lesões que vinham sendo causadas aos adquirentes de lotes do predito empreendimento, o Ministério Público tentou, por muito tempo e em vão, localizar bens da empreendedora ou de seu representante legal, mas não conseguiu. O que de mais positivo obteve foi o Sr. Ailtom Marques da Cruz se encontrava em Rondônia, mas sem qualquer bem em seu nome, o que tornou inviável qualquer medida contra ele ou contra sua ex-empresa.

Diante dessas constatações só restou ao Ministério Público responsabilizar o Município de Campo Grande pelos prejuízos causados aos consumidores, já que o mesmo agiu com omissão, além de ter a responsabilidade legal de regularizar todo e qualquer loteamento clandestino ou irregular.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Ação civil pública para regularização de loteamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16007. Acesso em: 16 abr. 2024.

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Ação civil pública contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

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