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O fornecimento de informações a administrações tributárias estrangeiras

com base na cláusula da troca de informações, prevista em tratados internacionais sobre matéria tributária

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01/10/2000 às 00:00
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5. A JURIDICIDADE DA CLÁUSULA DA TROCA DE INFORMAÇÕES FISCAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INFRACONSTITUCIONAL

Analisada sob o aspecto constitucional a cláusula da troca de informações constante de tratados internacionais sobre matéria tributária de que o Brasil é parte, deve agora examinar a juridicidade de tal cláusula no ordenamento jurídico interno infraconstitucional.

O direito constitucional positivo de alguns Estados admite a superioridade hierárquica dos tratados sobre as leis internas, enquanto o de outros Estados lhes garante apenas tratamento paritário. Entre os Estados cujas constituições determinam que os tratados internacionais prevalecem sobre as respectivas leis internas, figuram a França (condicionada à reciprocidade), a Alemanha e a Holanda, com os quais o Brasil mantém acordos para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão tributária em matéria de impostos sobre a renda.

A atual Constituição brasileira - como todas as anteriores - não possui dispositivo que determine a supremacia dos tratados internacionais sobre as leis internas. Compreensivelmente, a questão da hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno infraconstitucional é eivada de controvérsia na doutrina, e a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal oscilou bastante até o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004-SE, em que foi assentada a tese da paridade entre os tratados e as leis internas. Considerando, pois, situarem-se no mesmo nível os tratados e as leis internas, em caso de conflito, em virtude do critério cronológico lex posterior derogat priori, prevalece a norma mais recente, salvo se esta for geral, e a anterior especial, em face da regra de interpretação lex specialis derogat legi generali.

Em matéria tributária, contudo, os tratados internacionais sobrepõem-se às leis internas, por expressa determinação do artigo 98 do Código Tributário Nacional, segundo o qual "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observadas pela que lhes sobrevenha." Ora, o Código Tributário Nacional - Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 -, pelo princípio da recepção, foi recepcionado pela nova ordem constitucional, e, por regular matéria reservada a lei complementar, incorporou-se ao ordenamento jurídico com a eficácia de lei complementar. Dada a sua estatura, conforme lúcido ensinamento de José Francisco Rezek, "... uma lei complementar à Constituição, disciplinando quanto por esta tenha sido entregue ao seu domínio, pode, sem dúvida, vincular a produção legislativa ordinária ao respeito pelos tratados em vigor" (Direito dos tratados, p. 475). Deve observar-se, porém, a impropriedade terminológica do artigo 98 do Código Tributário Nacional: em caso de conflito, o tratado internacional que versa matéria tributária prevalece sobre a legislação interna, sem no entanto revogá-la ou modificá-la.

É mister lembrar, todavia, que há juristas que fundamentam a primazia dos tratados internacionais de natureza tributária sobre as leis internas infraconstitucionais, não no artigo 98 do Código Tributário Nacional, que seria inútil, por lhe falecer aptidão para determinar o primado dos tratados, mas tão-somente na regra de interpretação lex specialis derogat legi generali. Tais juristas são bem representados por Luciano da Silva Amaro (in Direito tributário brasileiro, p. 171), para quem:

"O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da norma especial (do tratado), que excepciona a norma geral (da lei interna), tornando-se indiferente que a norma interna seja anterior ou posterior ao tratado. Este prepondera em ambos os casos (abstraída a discussão sobre se ele é ou não superior à lei interna) porque traduz preceito especial, harmonizável com a norma geral" (Obs.: os grifos são do autor).

De qualquer forma, não há dissenso, pelo menos relevante, a respeito do entendimento de que o tratado internacional sobre matéria tributária, ao conflitar com disposição de lei interna, afasta, limita ou condiciona a aplicação desta.


6. CONCLUSÕES

6.1. Para a correta aplicação da legislação tributária, a Fazenda Pública dispõe de informações obrigatoriamente prestadas pelos próprios contribuintes e por terceiros, ou colhidas mediante diligências de fiscalização.

6.2. Em razão do denominado "sigilo fiscal", não podem a Fazenda Pública e seus funcionários divulgar informes sobre a situação financeira ou econômica, bem como sobre os negócios dos sujeitos passivos ou de terceiros. De tal proibição, são excepcionados os casos de assistência administrativa entre as entidades governamentais internas; os de requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; os de requisição de comissão parlamentar de inquérito; os de requisição do Ministério Público da União, em determinadas situações; e os previstos em convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão tributária em matéria de impostos sobre a renda.

6.3. Visando assegurar correta aplicação dos tratados internacionais e da legislação tributária interna, e, sobretudo, prevenir ou eliminar a evasão tributária internacional, a cláusula da troca de informações é prevista em todas as convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão tributária em matéria de impostos sobre a renda, firmadas pelo Brasil.

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6.4. De acordo com a cláusula da troca de informações, o dever de cada Estado prestar informações comporta limites em razão dos tributos, da competência e da matéria. Isto é: informações não podem ser prestadas quanto a impostos não abrangidos pela convenção; os Estados contratantes não são obrigados a fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua própria legislação; os Estados contratantes não podem fornecer informações que revelem segredo comercial, industrial, profissional, processo comercial ou industrial, ou que contrariem a ordem pública.

6.5. Não é inconstitucional a cláusula da troca de informações prevista em acordos internacionais de que o Brasil é parte, considerando não ser absoluto o sigilo fiscal, expressão do direito à privacidade, consagrado pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso X. Com efeito, conforme se depreende de decisões do Supremo Tribunal Federal, pode haver a transferência do sigilo fiscal diante do interesse público, do interesse da justiça e do interesse social, observado o procedimento para tal estabelecido em lei, e desde que não sejam ultrapassados os limites ou restrições estabelecidos na referida cláusula da troca de informações.

6.6. Em caso de conflito, a cláusula da troca de informações fiscais prevalece sobre disposição de lei interna, considerando que, no Brasil, os tratados internacionais de natureza tributária sobrepõem-se às leis internas infraconstitucionais, por expressa determinação do artigo 98 do Código Tributário Nacional, e, também, em face da regra de interpretação lex specialis derogat legi generali.

6.7. Portanto, os pedidos de informações fiscais feitos com base na citada cláusula convencional, desde que não extrapolem os limites ou restrições por ela estabelecidos, devem ser atendidos pelo Governo brasileiro, dadas as possíveis conseqüências da violação de tratado internacional, que configura ato ilícito internacional.


BIBLIOGRAFIA

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. rev São Paulo: Malheiros, 1998.

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Sobre o autor
Antônio de Moura Borges

procurador da Fazenda Nacional, professor na Universidade de Brasília, professor e diretor do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, mestre em Direito Comparado pela Southern Methodist University (EUA), doutor em Direito pela Universidade de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Antônio Moura. O fornecimento de informações a administrações tributárias estrangeiras: com base na cláusula da troca de informações, prevista em tratados internacionais sobre matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1611. Acesso em: 5 mai. 2024.

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