É importante observar que, atualmente, é de suma dificuldade alguém especificar com certeza no nosso país quais leis estão ou não em vigor. Problema este começa com a profusão de leis que num efeito em cascata alteram-se umas às outras sucessivamente, numa confusão tal que no fim não se sabe o que estar valendo ou não.
Muitas normas que hoje estão em desuso, e muitas que não são aplicadas devido à sua não regulamentação, além, é claro, dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que sendo signatário encontram-se esquecidos no nosso ordenamento jurídico aplicável.
Existem exceções, tratados com a Convenção
de Genebra sobre cheques, mas sua grande maioria são
letra quase morta. Não sendo usado nem mesmo por aqueles
de deles se beneficiariam.
Estando o Tratado em vigor, desde o momento próprio da entrada em vigor no plano internacional e da ordem jurídica interna, terá ele a estatura hierárquica de uma lei nacional, ou mais que isto, conforme o Estado de que se cuide (1). É princípio corrente que os tratados, a exemplo do que sucede com os contratos de direito privado, só produzem efeitos entre as partes contratantes, sendo para estas, rigorosamente obrigatórios - pacta sunt servanda. Sendo os não contratantes res inter alios acta, não podendo criar a estes obrigações, tampouco estes podem invocá-los.
No presente estágio das relações internacionais, torna-se inconcebível que uma norma jurídica se imponha a um Estado soberano. Para que o mesmo ocorra é necessário que seja objeto de seu consentimento, sob qualquer aspecto, sem prejuízo de sua congênita e inafastável internacionalidade, devendo compor, desde sua vigência, a ordem jurídica nacional do Estado. Desta forma poderão cumprir os particulares, se for o caso, ou o governante apenas, entretanto sob a vigilância daqueles, e de seus representantes.
Nosso ordenamento é integralmente ostensivo.
O seu acervo é composto por produção internacional
ou domestica, presumindo publicidade oficial e vestibular. A regulamentação
do tratado depende dessa publicidade para passar a integrar o
acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por todos,
particulares ou governantes, e a garantia de vigência pelo
judiciário.
Sendo as leis, bem como as normas jurídicas em geral, são produtos da vida humana, que não se estratificam nem morrem, e que a cada momento, sendo sempre revividas com espirito renovado e adequados à conjuntura atual do momento. Devendo o direito ser harmônico, e não conter antinomias. O direito pode até ser harmônico, mas as normas jurídicas podem encerrar antinomias que entre os melhores processos hermenêuticos revelarão insuperáveis, ficando configurado então conflitos de normas jurídicas. O direito não encerra conflitos insolúveis, porque deve encontrar em si mesmo a chave da solução, enquanto que a norma jurídica freqüentemente enseja problemas conflituais, devido a sua origem diversa, interna e externa, que emanam de diversos tempos e, não obstante, pretendem, e visam no mesmo âmbito, disciplinar as mesmas relações jurídicas.
Podemos citar dois tipos de conflitos de leis tempo-espaço:
I - conflitos no tempo das normas relativas aos conflitos de leis no espaço. Tratando-se de normas puramente internas, o conflito resolve-se como um puro conflito intertemporal;
II - conflitos no tempo das normas do Direito estrangeiro aplicável nos termos da norma sobre conflitos de leis no espaço. Conflitos no tempo, de normas estrangeiras aplicáveis, a solução será encontrada no próprio direito estrangeiro, mas sempre o juiz nacional deverá observar o Direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, independente da norma ser estrangeira, nem tampouco ao aplicar tal direito, não seguirá norma conflitual intertemporal estrangeira que atritem contra a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes;
Ao se contrapor o Direito Internacional Privado ao
Direito Internacional Público, este ultimo, porém,
não possui, a rigor, o sentido que se lhe empresta, em
geral, como idêntico ao direito das gentes, ainda não
suficientemente desenvolvido, pretende regular e disciplinar a
relação entre Estados, discriminando-lhes competências
legislativas e incorporando-lhes normas do direito interno. Ao
contrario, o Direito Internacional Público, no exato sentido,
é o conjunto das normas que disciplinam a extensão
espacial das normas de Direito Público, ao mesmo tempo
que o Direito Privado Internacional disciplinam a extensão
espacial das normas de Direito Privado.
A primazia do Direito das gentes sobre o Direito Nacional do Estado Soberano é, hoje uma questão meramente doutrinaria. No Direito Internacional Positivo não existe norma assecuratória de tal primado. A Constituição Nacional é o vértice do ordenamento do ordenamento jurídico, e dificilmente essas leis fundamentais desprezariam, em algum momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica vigente, a ponto de sobrepor-se, a si mesmo, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim se a Norma Fundamental opor-se à Norma pacta sunt servanda, é corrente a preservação da autoridade da Constituição do Estado, ainda que isso signifique a prática de ato ilícito no plano externo.
Apesar de não se posto em dúvida a
prevalência dos tratados sobre as leis internas anteriores
à sua promulgação. Não sendo preciso
que o tratado recolhesse da ordem constitucional o benefício
hierárquico. A simples introdução no complexo
normativo faria operar, em favor dele, a regra lex posterior
derogat priori, onde a nova lei se sobrepõe à
lei anterior.
Estados como França, Grécia e Peru primam o tratado como Norma acima do ordenamento interno, assegurada com preceito constitucional, deixando expresso a validade sobre as leis internas em caso de conflito, sempre aquele prevalecerá. Outros países como os Estados Unidos estabelecem uma paridade entre o tratado e a norma interna.
Existem conflitos graves de interpretação de tratados com leis internas, como exemplificado a seguir: No Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, art. 11, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, nº 7, é admitida apenas um tipo de prisão civil, a alimentante inadimplente, que é legítima, visto que, sacrifica-se o bem jurídico da liberdade individual para tutelar outro bem jurídico como a vida, a integridade física, a saúde. No caso brasileiro nossa constituição conflite com tais tratados, pois ela admite também a prisão civil do depositário infiel. Há um questionamento se tais prisões possuem validade hoje, concebendo-se que o tratado ingressou no ordenamento jurídico nacional com forca de lei federal, podemos distinguir as prisões anteriores à novembro de 1992, data de entrada em vigências das convenções no Brasil deveriam ser revogadas, defendendo a posição de que os tratados possuem forca constitucional (art. 5º, § 2º, CF), derroga-se parcialmente o inciso LXVIII do mesmo artigo e deste modo todas as prisões dos depositários infiéis são inválidas. (1)
Os
tratados e convenções, segundo a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (v. O RE 80.004, verdadeiro leading
case - RTJ 83, p.809 e §§) e a Constituição
Federal (arts. 5º, § 2º, 102, III "b",
105, III "a"), logo que devidamente aprovados, ratificados,
promulgados e publicados, possuem, no mínimo,
valor de lei federal ordinária (sistema paritário
anglo-saxão). De acordo com esse sistema, vigora o clássico
lex posterior derogat priori, isto é, os
conflitos entre o direito internacional posterior e o direito
interno do país são resolvidos em favor da regra
posterior.
Como foi relatado, o Direito, conforme doutrina PAULO FERREIRA DA CUNHA (2) "procura também estruturar a sociedade, criar regras que conduzem a sua organização a vários níveis, a começar pelo político". Mas, por trás do objeto Direito, está o homem, donde se poderia concluir que "a legitimidade do Direito é uma esfinge que, a todo instante, propõe desafios ao político e ao jurista, chamando-o à realidade da experiência humana" (3); poderíamos concluir mas os fatos nos impedem de fazê-lo.
O que se observa ao longo do horizonte histórico é que a vontade inicial dos indivíduos que deu origem ao Estado, que na visão positivista é o próprio Direito, não consegue manter-se permanentemente em dado nível. A psicologia social demonstra afrouxar-se a vigilância, que deveria ser permanente, sobre os outorgados do poder, permitindo-lhes transgredir as decisões originariamente estabelecidas.
Percebe-se, claramente, a dominação do mundo por minorias (que podem ser países, empresas, instituições outras) organizadas e determinadas a esta finalidade. Mesmo entre os que estão na rede desse domínio, eles mesmos repetem essa tendência à dominação como se valesse a assertiva "não me importa que me dominem, desde que alguém a mim se submeta".
Pois bem. Restritamente, verificamos que essa dominação, a princípio, foi econômica (e hoje a melhor parte da riqueza natural do planeta está nas mãos de poucos), seguindo-se a conquista política (em maior ou menor escala sob o ponto de vista interno de cada nação; e em larga escala sob o ponto de vista internacional atropelando-se, inclusive, a Soberania, que passa a ser mera retórica quando os meios necessitam de serem justificados), e passando-se, agora, à usurpação do Direito. Por enquanto, este fenômeno ainda é interno, e varia de gravidade de país para país.
O que percebemos é que o Direito, no Brasil, aos poucos deixa de ser legitimação de poder. Este, o poder, vem, cada vez mais, legitimando-se por instrumentos outros que não se confundem com a norma jurídica. Portanto, é um poder ilegítimo, mesmo que aparentemente revestido de legitimidade. O que diremos de um indivíduo que é alçado à categoria de representante lídimo da vontade geral, quando essa "vontade" é conduzida de modo sub-reptício para a consecução daquele fim? E observe-se o meio mais vil empregado: a manutenção de cidadãos na mais extrema pobreza, tanto no seu sentido material, quanto no seu sentido espiritual, que é a ignorância. Além do mais, afogando-lhes com mentiras e falsas promessas que se repetem desde memoriais tempos. Vejam que o analfabeto brasileiro foi elevado à categoria de cidadão político, com direito a voto, quando a classe política percebeu que poderia ser substituída pelos eleitores, até então maioria, com politizada consciência...
Podemos perceber que usurpa-se o Direito e portanto este não legitimiza o poder porque aqueles que; outorgados, fazem o Direito, não traduzem o anseio do cidadão. Por outro lado, vemos o Direito ser aplicado apenas e tão somente aos pobres e desamparados, quando sanção repressiva (à maneira das encontradas nas sociedades que praticam um tipo de "solidariedade mecânica") e nunca ou quase nunca amparando-o na forma do art. 5 da nossa Constituição.
Contrariamente, a sanção dificilmente é aplicada à classe economicamente favorecida e nunca à classe absolutamente rica, por mais que sobrem provas materiais de crimes cometidos (mesmo contra a pessoa).
Então, é este o direito que legitima
o poder? A nosso ver, não, muito embora o mestre REALE
(4) revele a historicidade do problema da legitimidade sob vários
aspectos. Num deles, alega o caso da Constituição
de 1934, "nascida sob os melhores auspícios da
fidelidade democrática, e que não resiste senão
três anos às conjunturas políticas da época,
abrindo campo ao sistema do Estado Novo, de irrecusável
ilegitimidade. No extremo oposto, temos a Constituição
Imperial de 1824, outorgada por ato de força de D. Pedro
I, e que, no entanto, se converteu em fonte de poderes e direitos
legitimamente exercidos, dando lugar a quadros teóricos
isentos de qualquer submissão ao predomínio da força
(...) através de um processo coletivo de reconhecimento
(ammerkenung), sendo o Estatuto Político espúrio
adotado e assimilado pela comunidade nacional. Dir-se-á,
nesse caso, que se deu uma legitimação ´a posteriori´".
Eis os fatos. Abram-se os debates.
2. CUNHA, Paulo Ferreira da, Introdução à Teoria do Direito, Ed. Resjurídica, Porto-Portugal, p. 35.
3. REALE, Miguel, op. cit., p. 69.
4. Ibidem, p. 68.
REZEK, José Francisco, 1944 - Direito Internacional Público: curso elementar. 2ª Edição - São Paulo, Ed. Saraiva, 1991.
ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962. Manual de Direito Internacional Público, 11ª Edição, 10ª tiragem / rev. Pelo Embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, São Paulo, Ed. Saraiva, 1993.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Internacional Privado, Vol. I e II. São Paulo, Ed. Revistas dos Tribunais, 1977.
FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Cotidiano, outubro de 1994.
CORREIO BRASILIENSE, Caderno Direito & Justiça, maio de 1995.