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Defesa da concorrência, supranacionalidade e Mercosul

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Abordar o processo integracionista adentrado pelo Mercosul, nos remete a duas questões centrais : a defesa da concorrência e a supranacionalidade.

E nesse contexto, requer-se análise da contraposição entre a realidade e perspectivas.

Realidade... Atualmente o Mercosul se encontra na Segunda fase de um processo de integração econômica retratada numa união aduaneira imperfeita.

Perspectivas ? Tornar-se um mercado comum, o segundo mercado comum do mundo. E dentro desse enfoque, a defesa da concorrência e a supranacionalidade elencam-se como preceitos integracionistas fundamentais para a consagração dessa nova etapa.

Nos estados organizados, cinco são os preceitos caracterizadores da integração econômica, que configuram a estrutura do mercado comum. Tais preceitos, denominados de cinco liberdades se traduzem pela livre circulação de bens, pessoas e capital; livre prestação de serviço e livre estabelecimento e liberdade de concorrência.

Embora não defendamos que o Mercosul venha a se tornar uma cópia fiel da União Européia, sustentamos ser importante a busca da experiência; absorvendo-se e aprimorando-se o que se enquadra .

Na União Européia – como era de se esperar de uma integração verdadeira – o direito da concorrência ultrapassou as fronteiras nacionais instalando-se no âmbito comunitário. Estabeleceu-se um quadro jurídico único, aplicável a toda a comunidade, que se destina a proteger o consumidor no que concerne às vantagens que se beneficia no mercado único, impedindo que empresas e governos adotem comportamentos lesivos à concorrência.

A necessidade de proteção ao consumidor de práticas lesivas à concorrência, coloca a política concorrencial no ápice da solidificação do Mercosul, pois as nações mais prósperas centraram seus mercados na liberdade de concorrência.

No que concerne à defesa da concorrência no Mercosul, evidencia-se ser necessário rever com urgência todas as legislações existentes nos Estados Partes, uniformizando-as e editando-as onde inexistir.

É evidentemente inadmissível que num mercado comum que leis regulem de modo diverso o que é ou não ato lesivo à concorrência ou abuso de poder econômico. Sem sombra de dúvida, a adoção de regras únicas conduz a uma maior segurança jurídica e uniformidade de decisões, não só no campo do direito da concorrência, mas em todo ordenamento jurídico como pressuposto de sucesso da integração almejada.

Adentrando a temática da harmonização de legislações de defesa da concorrência, não se vislumbram grandes problemáticas. No que concerne ao "dumping" praticado por terceiros países, não há qualquer dificuldade, tendo em vista que os países integrantes do Mercosul serem também signatários do G.ATT, incorporando-se dessa forma o Código "Antidumping" em suas legislações.

No campo interno do direito antitruste, não se identificam dificuldades de cerne conceitual para a harmonização das legislações, tendo em vista que as normas existentes se centram nos mesmos objetivos.

No que tange às práticas desleais de concorrência praticada entre países integrantes do Mercosul, o Tratado de Assunção - diferentemente do Tratado de Roma (arts. 85 e 86) - nada previu em sua essência, o que motivou a formulação do Protocolo de Defesa da Concorrência, assinado em 17.12.96. Tal Protocolo se encontra em fase de ratificação, sem qualquer previsão para entrada em vigor.

Sem adentrarmos em grandes críticas ao Protocolo, embora não o consideremos uma perfeição legislativa, ressaltamos que na União Européia as normas jurídicas comunitárias são respeitadas e cumpridas, principalmente no que concerne ao Direito da Concorrência. No Mercosul, esperamos que se adote tal posicionamento, porém na atual estrutura intergovernamental, diferentemente da supranacionalidade adotada na U.E., provavelmente os casos de descumprimento do Protocolo não serão tratados com a mesma celeridade e proteção coesa vigentes no mercado comum europeu.

É notório que a colaboração internacional em matéria antitruste é de difícil implementação, pois a política de um país tenciona defender o que geralmente a política de outro país procura atacar.

Nesse sentido, imprescindível será o abandono da atual estrutura intergovernamental, adotando-se a criação de um tribunal supranacional, assegurando uniformidade de interpretação e aplicação. É necessário abandonar o conceito ultrapassado de soberania, estabelecendo-se a primazia do direito comunitário sobre o direito nacional.

O grau de soberania afetado num projeto integracionista depende da escolha da etapa pretendida. Se realmente o que o Mercosul almeja é tornar-se um mercado comum, isso fatalmente implicará em delegação de parte da soberania, instaurando-se a supranacionalidade.

Em suma, dentro dessa realidade e perspectivas que ora analisamos, se realmente o objetivo do Mercosul é o mercado comum, não poderá negligenciar nesses dois pontos : adocão da supranacionalidade e relevância da liberdade da concorrência.

O Mercosul tem desafios extremamente complexos pela frente, porém o novo status internacional assumido mundialmente nos leva à ousadia de afirmar de que o caminho é correto.O ponto crucial não se restringe apenas a um espaço consumista de livre circulação, mas sim alcançar uma melhor qualidade de vida para os cidadãos, uma maior integração e desenvolvimento no âmbito econômico e social.

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Ainda é muito cedo para se tecer avaliações definitivas quanto ao sucesso do Mercosul. Só o futuro revelará se o Mercosul será uma verdadeira comunidade ou não passará de uma união aduaneira... Porém, não há mais espaço para conflitos de interesses e guerras políticas visando hegemonia de qualquer espécie. Diferenças à parte, é hora de nos unirmos em busca da vitória.

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Sobre a autora
Eliane Maria Octaviano Martins

Doutora pela USP, Mestre pela UNESP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de Pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Defesa da concorrência, supranacionalidade e Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1620. Acesso em: 28 mar. 2024.

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