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Penhor agrícola: a natureza jurídica dos bens empenhados e as conseqüências do desvio

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01/12/2000 às 00:00
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10. CONCLUSÃO

1.O penhor possui natureza jurídica de direito real de garantia incidente sobre bens de terceiro e, como tal, encontra-se expressamente catalogado no direito brasileiro. Incide sobre bens móveis e possui como elemento essencial a tradição da coisa, sem o que não se perfaz.

2.O penhor rural, que compreende o penhor agrícola e o penhor pecuário, é modalidade de penhor especial, previsto no Código Civil e em legislação especial, possuindo, igualmente, natureza jurídica de direito real de garantia.

3.O penhor agrícola distingue-se do penhor comum, em função de especiais disposições legais que permitem a sua instituição independentemente da tradição da coisa, podendo abranger, inclusive, coisas futuras ou em formação, as quais permanecem em poder do proprietário.

4.Os bens passíveis de penhor agrícola possuem natureza jurídica de bens móveis, podendo, em determinadas circunstâncias, serem considerados imóveis por destinação ou acessão, porém readquirem espontaneamente seu caráter de mobilidade tão logo encontrem-se desvinculados fisicamente da propriedade imóvel em que se encontram.

5.O proprietário da coisa empenhada, no penhor agrícola, embora mantenha a qualidade de detentor do domínio e exerça a posse direta, passa a ser considerado depositário fiel, respondendo nessa qualidade, em caso de perecimento, deterioração ou desvio da coisa empenhada.

6.O Supremo Tribunal Federal, por entendimento majoritário, firmou precedentes no sentido de admitir a prisão civil do devedor pignoratício, entendendo a maioria de seus Ministros que o Pacto de San José da Costa Rica, recepcionado pelo Decreto Legislativo 226/91, não possui, como norma infraconstitucional de caráter geral, o condão de afastar a previsão do artigo 5º, inciso LXVII da Carta Magna de 1988, nem de revogar as disposições da legislação ordinária especial.

7.O devedor em poder de quem encontram-se os bens apenhados, no penhor agrícola, é igualmente compreendido como depositário fiel e, como tal, também sujeita-se à penalidade prisional caso desvie os bens sob sua guarda e responsabilidade.


NOTAS

1. Como designar os bens objeto de penhor: "empenhados" ou "apenhados"? São corretas ambas as expressões. A Lei 492/37, que instituiu o penhor rural e a cédula pignoratícia utiliza a expressão "empenhados". O Decreto-lei 167/67, que trata dos títulos de crédito rural, refere-se a bens "apenhados".

2. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 3, Direito das Coisas. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 08.

3. SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, Direito das Coisas, Tomo X, 12ª ed., Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1982, p. 5.

4. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Direito das Coisas, vol. 5, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 318.

5. GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 1996., n.º 270. citado por Sílvio Rodrigues em nota, op. cit., p. 319.

6. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. IV, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 217.

7. Código Civil, Art. 768. Consitui-se o penhor pela tradição efetiva, que, em garantia do débito, ao credor, ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de um objeto móvel, suscetível de alienação.

8. O legislador, tanto no Código Civil como na Lei 492/37, fala em transcrição. A lei dos Registros públicos, porém, determina que se proceda o registro do penhor. Escudado em SERPA LOPES, BARROS MONTEIRO elucida que "a transcrição concerne aos atos estabelecedores ou transferidores de direitos imobiliários, enquanto a inscrição se destina aos direitos reais de garantia. (op. cit. p. 384). Assim, teria o Decreto 4.857/39 corrigido a impropriedade técnica do Código Civil e da Lei 492, sendo correto falar-se em inscrição da garantia pignoratícia no registro de imóveis. Uma vez inscrito o penhor, suas decorrências e sua extinção devem ser averbados no livro próprio.

9. No caso, o Registro Imobiliário, uma vez que, diferentemente das outras formas de penhor convencional, onde, por recaírem sobre bens móveis, basta a transcrição do título no Cartório de Títulos e Documentos, o penhor agrícola e o pecuário somente se constituem após o registro do título no Registro de Imóveis da comarca em que estiverem situados os bens ou animais empenhados (art. 2º. da lei 492/37).

10. RODRIGUES, Sílvio. Cf. op cit., p. 334.

11. MONTEIRO, Washington de Barros. Cf. op. cit., p. 361.

12. Cf. ob. cit. pp. 228 a 232.

13. CARVALHO SANTOS leciona: " O penhor, como qualquer outro contrato, exige, para sua validade, a capacidade das partes contratantes, isto é, a capacidade de contratar e, quanto ao devedor, é imprescindível, ainda, que possua a livre disposição de seus bens. Está claro que, se o penhor é dado por um terceiro, em garantia de obrigação do devedor, quem deve possuir a livre disposição de seus bens é o terceiro que dá seu bem em penhor" op. cit., p. 111).

14. SANTOS, J.M. Carvalho, op. cit., p. 170.

15. LRP - Art. 178. Registrar-se-ão no Livro nº 3 - Registro Auxiliar: (...) II - as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular; (...) IV - o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; (...) VI - os contratos de penhor rural; - Art. 219. O registro do penhor rural independe do consentimento do credor hipotecário.

16. CC, Art. 796. O penhor agrícola será transcrito no Registro de Imóveis.

Parágrafo único. Enquanto não cancelada, continua a transcrição a valer contra terceiros.

17. Cf. NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação civil em vigor. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, em nota 1 ao art. 6o da Lei 492.

18. Dec.-lei 167/67 - Art. 69. Os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados arrestados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.

19. Cf. MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit. p. 378.

20. JUNIOR, Humberto Theodoro. Execução - Contrato de Abertura de Crédito como Título Executivo. (Art. publ. na RJ n.º 236, jun/97, p. 132 e CD Juris Síntese n.º 16, mar/abr/99).

21. Que também é espécie de Cédula de Crédito Rural, mas que não recebeu do legislador tal denominação, talvez para diferenciá-la das demais, uma vez que trata-se de cédula desprovida de garantia real.

22. Cf. MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit. p. 362.

23. RODRIGUES, Sílvio, op. cit., p. 349.

24. BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil, obs. 2 ao art. 781, in RODRIGUES, Sílvio, op cit., p. 349.

25. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições, IV, p. 229.

26. id. ibid., p. 236.

27. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas, 3ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1973, p. 18.

28. SAN TIAGO DANTAS doutrina que o ato formal lavrado no Registro de Imóveis, não se presta a substituir a tradição, pois a despeito de conferir publicidade à garantia e assegurar o exercício do direito de seqüela, não impede a ocultação ou desvio da coisa empenhada. (Direito das Coisas, p. 392). No penhor rural, aquele que dá a coisa em garantia permanece na posse direta da mesma, porém, na qualidade de depositário fiel.

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29. MONTEIRO, Washington de Barros, op. cit. p. 375.

30. DANTAS, San Tiago. Direito das Coisas. Vol. III, 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1982, p. 403.

31. Código Civil, artigos 1.265 a 1.281.

32. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições, p. 242.

33. id. ibid., p. 304.

34. MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., p. 378.

35. BATISTA, Izaias. Art. publicado na RJ n.º 232, fev/97, p. 43 e no CD ROM Juris Síntese n.º 16, de mar/abr/99.

36. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro (Os). Revista de Estudos Tributários, n.º 6, Porto Alegre: Síntese, 1999, p.18.

37. id, ibid, p. 19.

38. Em sentido diverso, admitindo a prisão civil também nos casos de depósito em contrato de alienação fiduciária, v. RT-744/114 e RT-748/152..

39. ROSA, João Abílio de Carvalho. Em busca da liberdade: a Prisão Civil no Brasil. In: Boletim Informativo Bonijuris, nº 312, de 30.08.97. Curitiba: Bonijuris, 1997, p. 3743.

40. No mesmo sentido: 1 - (STF - Habeas Corpus n. 74.381-1 - Paraná - Ac. 1a. T. - unân. - Rel: Min. Moreira Alves - j. em 26.08.97 - Fonte: DJU I, 26.09.97, pág. 47476); 2 - (STF - Habeas Corpus n. 75.047-8 - Minas Gerais - Ac. 1a. T. - unân. - Rel: Min. Sydney Sanches - j. em 15.04.97 - Fonte: DJU I, 29.08.97, pág. 40218); 3 - (STF - Habeas Corpus n. 70718-1 - Minas Gerais - Ac. 2a. T.- maioria - Rel: Min. Francisco Rezek - Fonte: DJU I, 20.06.97, pág. 28469); 4 - (STF - Habeas Corpus n. 74739-6 - Paraná - Ac. 2a. T.- maioria - Rel: Min. Carlos Velloso - j. em 27.05.97 - Fonte: DJU I, 27.06.97, pág. 30229); 5- (STF - Habeas Corpus n. 74473-7 - Paraná - Ac. 2a. T.- unân.- Rel: Min. Francisco Rezek - j. em 03.12.96 - Fonte: DJU I, 27.06.97, pág. 30228); 6 - (STF - Habeas Corpus n. 71.097-2 - Paraná - Ac. 1a. T. - unân. - Rel: Min. Sydnei Sanches - j. em 13.02.96 - Fonte: DJU I, 29.03.96, págs. 9344/9345); 7 - (STF - Habeas Corpus n. 71.286-0 - Minas Gerais - Ac. 2a. T. - unân. - Rel: Min. Francisco Rezek - j. em 30.08.94 - Fonte: DJU I, 04.08.95, pág. 22442); 8 - (STF - Rec. em Habeas Corpus n. 66.614/1-SC - Ac. unân. da 2a. Turma - em 13.09.88 - Rel: Min. Carlos Madeira).


BIBLIOGRAFIA

AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro (Os). Revista de Estudos Tributários, n.º 6, Porto Alegre: Síntese, 1999.

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WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 3ª ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1973.

CD ROM BONIJURIS, BDJ-199, Verbetes 30597, 31640, 33221 e 33584.

CD ROM JURIS SÍNTESE, n.º 17, versão mai-jun/99, Verbetes 306388 e 5011297.

RTs 743/203, 744/114, 748/152 e 752/203.

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Sobre o autor
Helder Martinez Dal Col

Advogado e Professor no Paraná, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. Penhor agrícola: a natureza jurídica dos bens empenhados e as conseqüências do desvio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1677. Acesso em: 19 abr. 2024.

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