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Ministério Público: a inconstitucionalidade da aplicação do quinto de antiguidade às remoções por merecimento

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26/07/2010 às 07:37
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5- Conclusão

A previsão do promotor integrar a primeira quinta parte da lista de antiguidade para efeito de promoção por merecimento não contraria o objetivo constitucional de conferir mobilidade à carreira do Ministério Público, vez que ao se processar a promoção do agente, imediatamente o quinto da antiguidade é recomposto e a carreira não se ressente do imobilismo.

Na remoção, o panorama é outro. O promotor ao ser removido permanece integrando o primitivo quinto de antiguidade e todas as remoções posteriores por merecimento só poderão ser disputadas por um grupo imodificável formado a partir de um critério temporal (antiguidade), obviamente estranho ao postulado do merecimento.

Esquematicamente: o quinto na promoção é recomposto, pois um membro sobe (desloca-se para outra entrância: transferência no plano vertical): atendimento ao objetivo de mobilidade. O quinto na remoção não é recomposto, pois o membro que vence o concurso permanece na entrância (transferência no plano horizontal): o objetivo de mobilidade na carreira é violado.

Esse mecanismo do quinto de antiguidade viola dois importantes princípios constitucionais. Primeiro, o princípio constitucional da razoabilidade ou proporcionalidade, vez que gera uma limitação inadequada, desnecessária e irrazoável para o instituto da remoção por merecimento, desvirtuando o principal objetivo desse provimento derivado: a mobilidade funcional e a dinamicidade na carreira. Segundo, o princípio constitucional da isonomia, ao impedir a todos os membros (que reúnem os mesmos requisitos) de concorrer em remoções por merecimento.

Tratar desigualmente os iguais fere o princípio da isonomia, do devido processo legal na sua dimensão substancial, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

E definitivamente, o Estado, através de seus órgãos e agentes não detém uma competência para normatizar ilimitadamente (seja no plano legislativo ou administrativo), de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins ditados pelo constituinte originário ou derivado.

O inconstitucional quinto de antiguidade nas remoções por merecimento aliado ao quinto nas promoções por merecimento acaba reduzindo, na prática, toda a movimentação na carreira do Ministério Público ao critério de antiguidade, desprezando o mérito. O que, por si, também gera outra inconstitucionalidade, na medida em que viola o art. 93, II, da Constituição Federal, onde está previsto os dois critérios claros de progressão funcional: antiguidade e merecimento.


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Notas

  1. A adoção desse quinto sucessivo nas promoções e remoções por merecimento cria a estapafúrdia e inconstitucional figura da antiguidade mista.
  2. Exemplo: "A Constituição parece clara ao impor também ao pedido de remoção por merecimento a observância de integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade" (grifei), diz o Min. Ricardo Lewandowski, na decisão em que apreciou pedido de liminar no MS n. 28.443, em 24.11.2009. Web: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento. Acesso: 25.05.2010.
  3. Não se pode esquecer a séria advertência do clássico hermeneuta Carlos Maximiliano (1996, pp. 09-10): "Toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e o alcance das suas prescrições".
  4. "No ordenamento jurídico brasileiro existem duas classes de provimentos: o autônomo ou originário e o derivado. A promoção, elevação para cargo de nível mais alto dentro da própria carreira, é espécie da classe de provimento derivado, sendo, assim, provimento derivado vertical" (TJMA, MS 180072008, Rel. Cleones Carvalho Cunha, julg. 14.10.2008, in: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3639696/mandado-de-seguranca-ms-180072008-ma-tjma).
  5. "…arredonda-se a fração – superior ou inferior a meio – para cima, obtendo-se, então, o número inteiro seguinte" (STF, MS 22.323, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 28.09.1995, DJ 19.04.1996, in: Soares, 2010, p. 164).
  6. PCA n. 0.00.000.000122/2006-08, in: http://www.cnmp.gov.br.
  7. TRF4, 1ª.T., Apel. Cível 1551-PR, Rel. Joel Ilan Paciornik, Julgamento: 28/03/2007, publ. D.E. 10/04/2007, in: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1244184/apelacao-civel-ac-1551-pr-20057001001551-6-trf4.
  8. MS 21.143, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.09.1995, DJ 25.09.1998, in: Soares, 2010, p. 167.
  9. A Constituição não representa apenas um pedaço de papel, como pensava F. Lassalle (1998, p. 32). Ela apresenta uma peculiar força normativa. Cada palavra e cada expressão contida na Lei Fundamental têm um potencial normativo apreciável, capaz de orientar os principais responsáveis pela ordem constitucional.
  10. RTJ 160/140-141, Rel. Min. Celso de Mello; RTJ 176/578-579, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 1.063/DF, Rel. Min. Celso de Mello.
  11. Onde a Constituição escrita não corresponder à real, escreve Ferdinand Lassalle (1998, p. 47), irrompe inevitavelmente um conflito, no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país.
  12. STF, Mandado de Segurança n. 28692, Relator Min. Joaquim Barbosa, Impte: José Olindo Gil Barbosa, Impdo: Conselho Nacional de Justiça, in: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioAtualProcesso.asp?numDj=54&dataPublicacaoDj=25/03/2010&incidente=3853919&codCapitulo=6&numMateria=37&codMateria=2. Acesso em 25.05.2010.
  13. "O postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações" (STF, Inq. 1.376-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.02.2007, DJ 16.03.2007). Sobre o espírito republicano, vide Castro Nunes, 1957, p. 77.
  14. Não obstante isso, o fato do acesso a qualquer cargo ou emprego público, em regra, está condicionado a prévio concurso público de provas e títulos (CF, art. 37, II) é uma clara homenagem ao mérito bem como à justiça e à igualdade de oportunidades. Como diz Walzer (2003, p. 179), "os cargos devem ser conquistados em concorrência pública. A meta é uma meritocracia perfeita, a concretização (finalmente!) do lema revolucionário francês – a carreira aberta aos talentos". Por conta disso, o provimento originário (nomeação) representa um certificado de mérito, por que não deveria sê-lo também o provimento derivado (promoção, remoção etc.)?
  15. Um bem é predominante, segundo Walzer (2003, p. 11), se os indivíduos que o possuem, por tê-lo, podem comandar uma vasta série de outros bens. Assim, por exemplo, se em decorrência do poder político, o detentor de um cargo eletivo adquirir vantagens em outras esferas (como atendimento médico superior e prioritário, acesso a escolas melhores para os filhos, oportunidades empresariais etc.), o bem social passa a ser predominante e haverá uma clara desigualdade em relação aos governados (demais cidadãos).
  16. Na verdade, o mérito, na Constituição Federal, é posto em mais destaque que a antiguidade, principalmente pelo fato do acesso a qualquer cargo ou emprego público, em regra, está condicionado a prévio concurso público de provas e títulos - nos termos do art. 37, II.
  17. Por seu turno, os princípios constitucionais têm a qualidade de ser os princípios fundamentais do ordenamento jurídico. Qualidade que, como é óbvio, atribui a esses princípios uma extraordinária importância no procedimento de sua conformação doutrinária e jurisprudencial numa atividade crucial para a vida do ordenamento (Aragón, 1990, p. 75).
  18. Como diz Maritain (1968, p. 120), é um erro tomar uma dificuldade por uma impossibilidade.
  19. Reconhece-se assim que o tempo é um fator importante, tanto nas promoções por merecimento (cf. CF, art. 93, II, "b", onde há referência tanto à antiguidade do magistrado/promotor quanto ao tempo de exercício na respectiva entrância) quanto nas remoções (exercício de dois anos na respectiva entrância), mas não é (nem pode ser) determinante!
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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. Ministério Público: a inconstitucionalidade da aplicação do quinto de antiguidade às remoções por merecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2581, 26 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17051. Acesso em: 22 nov. 2024.

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