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Comentários ao instituto da coisa julgada

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02/08/2010 às 14:58
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1.4 Eficácia preclusiva da coisa julgada

Embora apenas o dispositivo da sentença se torne imutável em decorrência da coisa julgada, nem todas as matérias nele não incluídas poderão ser alegadas em outro processo. A este fenômeno chama-se eficácia preclusiva da coisa julgada, que pode ser extraída dos arts. 471, caput e 474 do CPC.

Uma vez julgada a controvérsia, todas as alegações deduzidas e dedutíveis, ainda que não apresentadas e/ou apreciadas pelo magistrado, presumem-se oferecidas e repelidas por este, não mais podendo ser objeto de discussão em uma ação subseqüente. Irrelevante no caso a potencial capacidade da questão não considerada de levar o órgão judicial a conclusão diversa da proferida, pois "admitir a reabertura da discussão judicial, só porque alegue o interessado ter razões ainda não apreciadas, seria reduzir a bem pouco a garantia da coisa julgada, frustrando em larga medida a finalidade prática do instituto." [34]

Assim, optou o ordenamento jurídico pátrio por evitar o comprometimento da segurança da vida social ainda que para isso eventualmente tenhamos que consentir com a cristalização de injustiças.

Vale dizer que não são atingidas pela eficácia preclusiva apenas as questões efetivamente conhecidas pela parte, mas também as que eram à época ignoradas por esta. Adota-se, pois, um critério objetivo, precluindo todas as questões que a parte poderia, potencialmente, argüir.

Contudo, somente são acobertados pela eficácia preclusiva da coisa julgada os fatos ocorridos até o instante em que se abre a última oportunidade à parte para alegá-los; o fato ou direito inexistente até então não pode ser por ela atingido.

Ressalte-se ainda que somente estão sujeitas a essa preclusão as questões relativas à mesma causa de pedir e quando a sua rediscussão ameaçar a autoridade de coisa julgada adquirida por sentença anterior.

Nesse sentido manifestam-se os professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

A preclusão, capaz de operar em razão do art. 474 do Código de Processo Civil, diz respeito apenas às questões concernentes à mesma causa de pedir. Somente as questões internas à causa determinada, relativas à ação proposta, - e, portanto, referentes às mesmas partes, ao mesmo pedido e à mesma causa de pedir – é que serão apanhadas por esse efeito preclusivo, de forma a torná-las não dedutíveis em demanda diversa. Qualquer outra questão, não pertencente àquela específica ação, ainda que relacionada indiretamente a ela – porque correspondente a outra causa de pedir passível de gerar o mesmo pedido, ou porque concernente à pretensão de outra parte sobre o mesmo objeto etc. – não pode ficar sujeita a essa eficácia preclusiva. [35]

Isso porque a eficácia preclusiva da coisa julgada apresenta um caráter instrumental; não é um fim em si mesma, e sim meio de manter incólume a imutabilidade de decisão anterior. [36] Neste sentido, veja-se o ensinamento de Barbosa Moreira:

Do exposto acima decorre que a eficácia preclusiva de coisa julgada material [...] só opera em processos nos quais se ache em jogo a auctoritas rei iudicatae adquirida por sentença anterior. [...] Isso significa que a preclusão das questões logicamente subordinantes apenas prevalece em feitos onde a lide seja a mesma já decidida, ou tenha solução dependente da que se deu à lide já decidida. Fora dessas raias, ficam abertas à livre discussão e apreciação as mencionadas questões, independentemente da circunstância de havê-las de fato examinado, ou não, o primeiro juiz, ao assentar as premissas de sua conclusão. [37]


1.5 Efeitos positivo e negativo da coisa julgada

Chama-se função ou efeito positivo da coisa julgada a vinculação dos órgãos jurisdicionais, em qualquer processo futuro, ao conteúdo da sentença acobertado pela coisa julgada, quando este revelar-se questão logicamente subordinante de uma lide diversa. Cabe ao magistrado, em sua fundamentação, tomar por pressuposto absoluto e inquestionável a solução dada em processo anterior.

Já o efeito negativo da coisa julgada é aquele que se verifica quando alguém pretende, em processo distinto, rediscutir o conteúdo de sentença atingido pela autoridade de coisa julgada. Como visto, tal efeito ou função impede que a questão já decidida seja objeto de nova decisão judicial.

Note-se que tais efeitos somente se verificam em relação ao dispositivo da sentença, já que apenas este faz coisa julgada. Assim, questões incidentes, desde que não dêem origem a ações declaratórias incidentais, podem ser livremente apreciadas e decididas pelo magistrado em processo ulterior, inclusive em sentido contrário ao que lhe foi dado em outro litígio.

Desta forma, poderá haver duas sentenças logicamente contraditórias sem que haja ofensa à coisa julgada, já que esta não abrange os fundamentos da decisão. Por óbvio, uma das sentenças será tida por injusta, mas nem por isso poderá a coisa julgada a ela referente ser desconstituída, pois do ponto de vista processual não haverá qualquer inconveniente a ser solucionado, já que ambos os comandos serão perfeitamente exeqüíveis.


Notas

  1. COUTURE, Eduardo. Fundamentos do Direito Processual Civil. Campinas: RED Livros, 1999. p. 329.
  2. ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 313.
  3. Ibid. p. 314.
  4. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução J. Guimarães Menegale. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 1. p. 374.
  5. NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 443.
  6. SIQUEIRA, Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de. A Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 70.
  7. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. In: Idem. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsói, 1971. p. 136-137.
  8. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 15-16.
  9. Ibid. p. 16. Adotando esta posição: MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2. ed. atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Millennium, 1998. v. III. p. 323; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 43 et seq.
  10. Nesse sentido: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, v. 1. p. 498.
  11. Idem. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995. p. 210.
  12. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 633.
  13. ASSIS, Araken. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (org.). Coisa julgada inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 349. Neste sentido: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 865.
  14. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 3. p. 302.
  15. Ibid. p. 305.
  16. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Coisa julgada e declaração. In: Idem. Temas de direito processual: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 82-83.
  17. Ibid. p. 85.
  18. Idem. Ainda e sempre a coisa julgada. In: Idem. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsói, 1971. p. 136.
  19. Idem. Coisa julgada e declaração. In: Idem. Temas de direito processual: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 89. Adotando esta posição: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 865.
  20. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. In: Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsói, 1971. p. 139.
  21. Ibid. p. 143.
  22. No mesmo sentido, V. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 332 a 475. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 4. p 307: "A declaração judicial revestida da autoridade de coisa julgada tem por objeto a relação jurídica tal como se apresenta no momento do julgamento. Pode ocorrer, entretanto, que, com a superveniência de fatos novos ou de lei nova, aquela relação jurídica venha a se modificar ou mesmo a se extinguir e isso, é claro, não atinge a coisa julgada que permanecerá intocável através do tempo, dentro de seus limites objetivos."; Cf. tb. LIEBMAN, Enrico Tullio apud Ibid. p. 316-317: "de certo modo, todas as sentenças contêm implicitamente a cláusula rebus sic stantibus, enquanto a coisa julgada não impede absolutamente que se tenham em conta os fatos que intervierem sucessivamente à emanação da sentença."
  23. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. p. 145-146.
  24. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 628.
  25. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro. In: Idem. Temas de direito processual: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 100.
  26. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 628.
  27. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 627-628.
  28. DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 19, set./out. 2002. p. 7.
  29. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 181-182.; V. tb. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 43. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1. p. 162.
  30. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 3. p. 323.
  31. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 638-639; V. tb. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Op. cit. p. 510.
  32. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 313.
  33. Ibid. p. 314.
  34. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. p. 98-99.
  35. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 647.
  36. Neste sentido, v. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Op. cit. p 321.
  37. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. p. 102.
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Sobre a autora
Tatiana Konrath Wolff

Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil. Pós-graduada em Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOLFF, Tatiana Konrath. Comentários ao instituto da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17084. Acesso em: 23 dez. 2024.

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