4. Conclusão:
Não há incompatibilidade entre a indisponibilidade do interesse e bens públicos e a realização da conciliação pela Administração Pública, pelo contrário. A Administração, por estar sujeita ao princípio da legalidade, deverá sempre dispor-se ao acordo em casos em que a pretensão do autor estiver conforme os precedentes jurisprudenciais ou que não envolverem discussões mais complexas, independentemente de previsão legal. E não apenas o princípio da legalidade estará sendo observado nesses casos, mas também o princípio da economicidade, dado que, ao realizar a transação, o autor abrirá mão de parte dos valores que provavelmente ganharia caso a ação fosse decidida pelo magistrado. Sem contar que seriam poupados tempo dos procuradores, custos administrativos decorrentes do acompanhamento processual e honorários advocatícios.
Além da economia, a conciliação, por dar uma solução rápida à demanda, acaba por satisfazer também o princípio constitucional da duração razoável do processo. E, difundindo-se a prática, acabará por desafogar o Poder Judiciário, que terá mais tempo para se dedicar às causas em que a conciliação não foi obtida, que, consequentemente, também terão uma solução mais célere.
Anote-se, também, que a conciliação é instrumento de participação direta dos jurisdicionados na atuação de um dos poderes do Estado, o que é sempre salutar para o incremento da cultura democrática, além de atender ao princípio insculpido no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal. E justamente por pressupor a participação ativa da vontade das partes é que a resolução da lide por meio de acordo é a forma que mais se aproxima do escopo de pacificação social buscado pela jurisdição.
Com tantas vantagens e sendo um instrumento privilegiado na consecução de princípios e valores constitucionais, e não havendo óbice a que a Administração Pública a realize – ao invés, ela tem, observadas certas premissas, o dever de fazê-lo, como se viu –, já tarda o momento da superação da "cultura do conflito" pela cultura da conciliação. Esperamos, com este trabalho, ter contribuído ao menos um pouco para que isso ocorra.
BIBLIOGRAFIA:
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
CARVALHO Fº, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª Ed. São Paulo: Dialética, 2008.
FARIA, Roberto Gil Leal. Por que são efetivados poucos acordos nos Juizados Especiais Federais? Disponível em http://www.jfrj.jus.br/rev_sjrj/num24/Dossi%EA/artigo5.pdf. Acesso em 10/01/2010.
GAZDA, Emmerson. Administração Pública em juízo: poder-dever de transigir. Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/19849/public/19849-19850-1-PB.pdf. Acesso em 10/01/2010.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. V. 2. Processo de Conhecimento. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
VOLPI, Elon Kaleb Ribas. Conciliação na Justiça Federal. A indisponibilidade do interesse público e a questão da isonomia. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080306123825312. Consulta em 09/01/2010.
SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
Notas
- Entre outros, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris. P. 83.
- MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. V. 2. Processo de Conhecimento. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 243.
- Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
- Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
- I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
- Art. 277. O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro.
- Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
- Art. 448. Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz mandará tomá-lo por termo.
- Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
- Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.
- Art. 16. Cabe ao conciliador, sob a supervisão do juiz, conduzir a audiência de conciliação.
- VOLPI, Elon Kaleb Ribas. Conciliação na Justiça Federal. A indisponibilidade do interesse público e a questão da isonomia. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080306123825312. Consulta em 09/01/2010.
- Nas palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha, "não se tem admitido que a Fazenda Pública reconheça a procedência do pedido. Sendo indisponível o direito tutelado pela Fazenda Pública, não parece ser possível haver o reconhecimento da procedência do pedido". Na sequência, ele afirma que, ao invés, a Fazenda deve celebrar transações, desde que haja lei que a autorize a tal. In CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª Ed. São Paulo: Dialética, 2008. P. 90.
- Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
- Segundo José dos Santos Carvalho Filho, "defrontando-se com esses erros (...) pode ela mesma [a Administração] revê-los para restaurar a situação de regularidade. Não se trata apenas de uma faculdade, mas também de um dever, pois que não se pode admitir que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada. Na verdade, só restaurando a situação de regularidade é que a Administração observa o princípio da legalidade, do qual a autotutela é um dos mais importantes corolários". In CARVALHO Fº, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. P. 25.
- Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
- E aqui falamos do princípio da legalidade em sua concepção moderna, dada pelos recentes estudos em Direito Administrativo, pautados pela nova atmosfera trazida pelos ventos do pós-positivismo e do Estado Constitucional de Direito. Sob essa inspiração, o princípio da legalidade deve ser visto não de forma estrita – segundo a qual a Administração só pode agir em conformidade com as disposições literais da lei –, mas sim com contornos mais abrangentes, atribuindo como parâmetro de atuação da Administração também os princípios constitucionais e as exegeses ampliativas dos direitos fundamentais consagradas pela doutrina e jurisprudência. Destaque-se, a respeito, o ensinamento de Emmerson Gazda: "Quanto ao princípio da legalidade é interessante notar a existência no Direito Administrativo atual de uma superação da legalidade estrita, devendo-se interpretar o Direito em sua totalidade sistemática e aberta, de forma que ‘a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o respeito à legalidade, sim, todavia encartada no plexo de características e ponderações que a qualificam como sistematicamente justificável’". In GAZDA, Emmerson. Administração Pública em juízo: poder-dever de transigir. Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/19849/public/19849-19850-1-PB.pdf. Acesso em 10/01/2010.
- Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
- GAZDA, Emmerson. Ob. cit.
- Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 46.
- No dizer de José Afonso da Silva, "de fato o [princípio da finalidade] é [um aspecto da legalidade], na medida em que o ato administrativo só é válido quando atende ao seu fim legal, ou seja, o fim submetido à lei. Logo, o fim já está sujeito ao princípio da legalidade, tanto que é sempre vinculado". In SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 335.
- Por exemplo, o expresso na seguinte passagem, extraída da seguinte ementa: "(...) V - Tornou-se disponível o interesse público do ente federal réu nas lides que tenham por objeto a concessão de benefício previdenciário cujo valor da causa esteja dentro do limite da alçada dos Juizados Especiais Federais, de tal forma que a ausência do representante do INSS à audiência de conciliação implicará nos efeitos da revelia" (TRF 3ª R. Agravo de Instrumento nº. 282868. Rel. Juíza Federal Marisa Santos. DJU: 14/06/2007).
(...)
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
I - impugnação do sujeito passivo;
(...)
(...)
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
(...)
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
Art. 1º O Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 1º Quando a causa envolver valores superiores ao limite fixado neste artigo, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, ou ainda do Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, de Tribunal ou Conselho, ou do Procurador-Geral da República, no caso de interesse dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, ou do Ministério Público da União, excluídas as empresas públicas federais não dependentes, que necessitarão apenas de prévia e expressa autorização de seu dirigente máximo. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo às causas relativas ao patrimônio imobiliário da União.