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Cláusulas gerais no Código Civil de 2002.

Superação do rigorismo formal e criatividade na atividade judiciária

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20/08/2010 às 14:03
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ATUAÇÃO DOS JUÍZES DIANTE DAS CLÁUSULAS GERAIS

Indubitavelmente que a incumbência de aplicar as normas do direito civil às situações corriqueiras cabe aos juízes. Também límpida é a ideia que os julgadores em sua atividade jurisdicional e diante de decisões que envolvem o diploma civilista devem ser guiados pelos princípios acima dispostos: socialidade, eticidade e operabilidade.

É o que bem exposto por THEODORO JUNIOR (2003, p.XVIII):

"Diante dessa moderna postura normativa, gigantesca será, sem dúvida, a tarefa atribuída ao juiz, pois de seu preparo funcional e de sua fidelidade aos valores e princípios consagrados pela Constituição dependerá o sucesso do ambicioso projeto abraçado pela nova codificação, à luz do tríplice alicerce da solidariedade, da ética e da concreção".

Incabível afirmar que o juiz resume-se apenas à boca da lei, pois dele é exigido atuação firme e dinâmica, no sentido de além de adequar os preceitos aos casos postos, também deve sanar lacunas quando a legislação mostra-se escassa.

NADER (2009, p.80) questiona se o Poder Judiciário seria um mero carimbador de normas jurídicas em processo judiciais, respondendo, logo depois:

"Os juízes têm a sua disposição uma enorme massa legislativa e o seu ato de julgar quase sempre implica a redefinição da ordem jurídica. Eles têm de rever o instrumento operacional. Venho sustentando que a Casa de Leis apenas traça o perfil da ordem jurídica e que a ampla definição desta é obra do judiciário e da qual participam profissionais do Direito de todas classes: juízes, promotores, advogados, procuradores, defensores públicos. O Código Civil de 2002, por exemplo, em relação às inovações trazidas, por ora, é suscetível de conhecimento apenas de sua teleologia e normas explícitas. A revelação de sua potencialidade será um processo lento e que terá por sede não o legislativo, mas o centro aonde se encaminharão as novas questões: o Judiciário".

Nos dias de hoje clarividente mostra-se que não se acentua e nem se incentiva a mera aplicação mecânica das leis, como que se restasse ao Poder Judiciário apenas encaixar a norma ao caso posto, isso porque, o formalismo exacerbado mostrou-se inviável, e frequentemente é possível estar-se diante de situações que permitem mais de uma hipótese de resolução.

CAPPELLETTI (1993, p.33) chega a citar o que expressou Lord Radcliffe, tido por aquele como um dos mais influentes juízes ingleses do século XX:

"Quem poderá negar agora que, para o direito, as decisões judiciárias constituem uma contribuição criativa, e não meramente descritiva? Não há outra forma de fazer de modo diverso, na medida em que raro é o caso de decisão que não pressuponha a escolha entre duas alternativas ao mesmo tempo admissíveis".

É também CAPPELLETTI (1993, p.42) que apresenta ser inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional, bem como ela tende a ser crescente quando maior a vagueza da lei:

"É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim de criatividade, pela simples razão de quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias".

É justamente o que se confirma em sede de aplicação e estudo do Código Civil de 2002, pois como já exposto as cláusulas gerais trazem conceitos jurídicos indeterminados e modelos jurídicos abertos e flexíveis que promovem a possibilidade de escolha e criatividade, logo, de discricionariedade dos juízes.

Importa ressaltar também que é por meio da promoção das cláusulas gerais que se acolhe a possibilidade de se ter na jurisprudência uma proeminente fonte do direito.

Não se está negando o princípio da legalidade, muito menos o menosprezando, está-se sim, acatando a possibilidade de mitigá-lo, consagrando um melhor resultado à lide posta.

Quem ganha com isto são todos os jurisdicionados, pois deverão os juízes despender análise não só ao que foi positivado, como também aos usos e costumes consagrados em determinada época e local.

Nesta oportunidade, sana-se qualquer dúvida que possa eventualmente surgir, afirmando-se categoricamente que não se está falando em brechas que permitem ao Poder Judiciário usurpar a competência que é dada ao Poder Legislativo, e sim não obstar que o código consiga acompanhar as ligeiras mudanças sofridas pela sociedade, atualizando-se.

Como exemplo da observância das cláusulas gerais concebe-se a equidade como guia do julgador, esta, por sua vez, permite que se dê preferência à intenção do legislador, ao espírito da lei, em detrimento do que sedimentado no texto legal.

Vivifica-se a preocupação com o social e com o coletivo, abordam-se, então, critérios éticos, é o que leciona CARVALHO FILHO (2003, p.55):

"De outra parte, a lei civil anterior, de preceitos normativos expressos, fez pouquíssimas referências à equidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. Não se pode deixar de considerar que eles – valores éticos - possuem indeclinável participação em nosso ordenamento jurídico e devem ser compatibilizados com as conquistas da técnica jurídica, sobretudo quando voltados para a preocupação com o social, com o coletivo, porque inspirados não pela ordem jurídica, mas por experiências de ordem moral, que não conflitam com o direito, mas antes o iluminam, o elevam e o fazem progredir".

Outros exemplos de cláusulas gerais presentes no ordenamento civil de 2002 são a boa-fé objetiva, a função social do contrato, a função social da propriedade, dentre outros.

Ressalta-se o que existe em torno deles é a preocupação com o coletivo, visando à conciliação entre os interesses do indivíduo com os da sociedade, assim como a promoção da dignidade humana.

Ocorre que inevitavelmente diante da adoção das cláusulas gerais há o receio pela falta de segurança jurídica, isso porque estar-se-ia abrindo ao juiz a oportunidade de criar a norma para um específico caso concreto, fazendo as vezes do Poder Legislativo, e podendo fazer com suas crenças pessoais prevaleçam.

Todavia, como ligeiramente exposto, os juízes não são eleitos pelos cidadãos, logo, a eles não cabe a tarefa de criar códigos, ou leis esparsas, sua função é ditar, interpretar e aplicar a norma ao caso posto, não olvidando ser também sua função a de suprir lacunas inevitáveis na legislação.

Quanto a atuação dos julgadores diante das cláusulas gerais, mesmo diante delas, a fundamentação é imprescindível, sob pena da decisão ser declarada nula.

E ainda, quanto ao receio pela falta da segurança jurídica, e uma eventual prevalência dos valores pessoais de quem julga, imprescindível destacar que há sim limites a atuação deste, sendo que os limites mais significativos são os prescritos no texto constitucional.

Acima tomou-se o cuidado de destacar que por meio das cláusulas gerais mostra-se possível a aproximação dos preceitos do direito privado com as diretrizes constitucionais, é por esta razão, que a cautela do julgador será um dos pontos que mais merecerá análise quando diante do trabalho de elaboração da jurisprudência, sendo que neste labor caberá o zelo pela cidadania, dignidade da pessoa humana, pelos valores sociais, pela família regida pelos laços de afeto e respeito, dentre os vários valores altruístas e coletivos defendidos pela Constituição da República.

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Sendo assim, cabe admitir a inserção das cláusulas gerais não como uma maneira de se permitir a abertura para arbitrariedades advindas do Poder Judiciário, mas sim como uma maneira de adequar os preceitos legais ao dinamismo que envolve o direito, bem como à evolução do pensamento jurídico, que no cenário atual preza pela satisfação do coletivo em detrimento do individual.


CONCLUSÃO

Buscou-se com este estudo tratar de alguns dos enfoques que se inserem no tema da adoção da técnica das cláusulas gerais pelo legislador civilista.

Colocou-se que a opção por estas cláusulas adveio da necessidade de se encerrar com uma das graves críticas que envolviam o diploma anterior: o excessivo rigorismo formal.

O Código Civil de 1916, profundamente influenciado pela codificação francesa, tinha como intuito a procura por positivar as mais variadas situações que a vivência e convivência pudessem trazer, engessando-as nos preceitos normativos, e concedendo ao julgador a tarefa mecânica de analisar o caso e adequá-lo necessariamente a um dos artigos já existente.

No entanto, almejar prever todas as situações cotidianas é uma pretensão ousada demais, motivo este que ensejou uma enxurrada de críticas ao diploma civilista de 1916.

O Código subsequente teria que nascer mais flexível e maleável, capaz de acompanhar as modificações do pensamento, do atuar e capaz de compreender as novas concepções sociais.

Passa-se a adotar as cláusulas gerais. Estas, por sua vez, permitem ao intérprete maior possibilidade de adaptar a norma à situação colocada, sem olvidar que auxiliam na aproximação e comunicação do Código Civil com a Constituição da República.

Almejou-se, então, destacar o atuar dos julgadores, evidenciando que a estes é disponibilizado certo grau de criatividade quando diante das cláusulas gerais, todavia, este atuar criativo deve ser guiado, necessariamente, pelos preceitos constitucionais, inclusive quando diante de relações jurídicas que envolvem exclusivamente particulares.

Adentrou-se na questão que envolve o temor pela segurança jurídica, em razão do receio pelos juízes pretenderem fazer sobressair valores pessoais ante à lide posta. Nesta ocasião, entretanto, realçou-se o papel da jurisprudência como fonte do direito, bem como se demonstrou que o juiz não estaria usurpando funções do Poder Legislativo, mas sim aplicando o preceito legal com consonância à Constituição e também suprindo lacunas eventuais.

Colocou-se que há diferença entre discricionariedade e arbitrariedade, sendo que estas devem ser coibidas.

Desta forma, vislumbram-se as cláusulas gerais como uma técnica capaz de permitir a utilização da equidade nos julgamentos, a observância do bem estar coletivo e uma maneira que permite ao intérprete buscar em seu labor o respeito e a satisfação da dignidade humana.


BIBLIOGRAFIA

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CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por Equidade no Novo Código Civil. São Paulo: Editora Atlas S.A.., 2003.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1993.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. À luz do novo Código Civil Brasileiro. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003.

MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

MONTEIRO, Washington de Barros/ PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil. V. 1. 42ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

MORAES, Hermes Santos Blumenthal de. O papel das cláusulas gerais no direito civil brasileiro contemporâneo na perspectiva civil-constitucional. Orientador:Prof.Dr.Elimar Szaniawski. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. V.1.6ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de: Maria Cristina De Cicco. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.

REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil. IN: Revista jusnavegandi, 1998. Acesso em 06 de janeiro de 2010.

TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. IN: A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Coordenador: TEPEDINO, Gustavo. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil: dos defeitos do negócio jurídico ao final do livro III. Vol.3, tomo 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.


Nota

  1. Expressões utilizadas por Paulo Nader na obra Curso de Direito Civil V.1, p.26 e 27.
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Sobre a autora
Maureen Cristina Sansana

Mestranda do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR. Advogada e Professora da PUC/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANSANA, Maureen Cristina. Cláusulas gerais no Código Civil de 2002.: Superação do rigorismo formal e criatividade na atividade judiciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2606, 20 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17226. Acesso em: 4 dez. 2024.

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