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Imposto, uma perspectiva ecológica

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3 UMA ABORDAGEM JURÍDICA

O artigo 225 e seus parágrafos, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece princípios de respeito ao meio ambiente, determinando controle e penalizações sobre condutas e atividades lesivas à natureza e ambiência. Paralelamente, existe legislação federal que normatiza juridicamente as questões relativas à proteção do ecossistema e do ambiente. Há, também, legislações estaduais e municipais acerca do assunto, com eficácia dentro de suas respectivas competências.

O doutrinador Toshio Mukai, reforçando-se nos juristas Michel Prieur, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Sérgio Ferraz, entende o Direito Ambiental como um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e ao combate às poluições, sendo ele um Direito "horizontal" que cobre os diferentes ramos do Direito (privado, público e internacional), e um Direito de "integração", que tende a penetrar em todos os setores do Direto para neles introduzir a idéia ambiental.

Isto posto, chama a atenção do observador mais atento o fato de que, sendo o Direito Ambiental um Direito que transpassa os demais Direitos, praticamente não mantenha um contato mais íntimo com o Direito Tributário. Isto porque, sendo a tributação um fenômeno ligado umbilicalmente na sociedade moderna, com atuação básica sobre fatos econômicos, sua conduta deveria encontrar-se de acordo com princípios básicos estabelecidos pelo Direito Ambiental.

Um análise epidérmica de nossa Carta Maior constata que em seu art. 170, que trata da atividade da ordem econômica, são consagrados, dentre outros, os princípios da propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor e do meio ambiente. De outro lado, o art. 225 reza acerca da proteção do meio ambiente.

No entanto, em que pese a exigência constitucional de respeito pelo meio ambiente, a atividade empresarial, em grande escala, desconsidera os efeitos nocivos de determinadas ações. Não existe, pelo lado das empresas, preocupação com a questão de exploração indiscriminadados recursos naturais não-renováveis brasileiros, nem tampouco com o desequilíbrio do ecossistema. O especialista em Direito Ambiental, Dr. Paulo Affonso Leme Machado, enfatiza que a poluição que prejudica os seres humanos, de um modo persistente e cumulativo, como também a natureza, não pode ser encarada com um inconveniente normal mas anormal na relação de vizinhança. Lamentavelmente, no Brasil, em nome da liberdade e da competitividade de mercado, tem-se perpretado crimes hediondos contra a natureza e o próprio homem.

Os países do chamado mundo desenvolvido, onde o capitalismo também está assentado, controlam rigorosamente seu meio ambiente e suas reservas naturais estratégicas. Aqui, existe uma frouxidão incompreensível do Poder Público no combate à degradação ambiental, apesar de significativa quantidade de leis reguladoras do assunto.

É pertinente observar que a livre iniciativa não pressupõe irresponsabilidade por prejuízos causados à natureza e à comunidade. O instituto da propriedade privada, em que pese ser "erga omnes", deve ater-se ao princípio de sua função social. A subordinação da propriedade privada à sua função social está claramente determinada nos artigos 5 º, inciso XXVII e 170, ambos da nossa Lei Maior.

Considerando o fato de que nossa Constituição Federal é bastante minudente ao tratar de alguns assuntos, é de se ressaltar que uma visão rápida mas responsável sobre o nosso sistema tributário nacional aclara sua discordância com o dispositivo constitucional que limita as ações de ordem econômica. Isto porque, entre os tributos previstos no sistema, nenhum prevê, implícita ou explicitamente, qualquer forma de tributação mais forte sobre atividades destruidoras do meio ambiente ou causadoras da exaustão dos recursos naturais não-renováveis. Os princípios tributários básicos são o da anualidade, da legalidade, da irretroatividade, havendo inclusive previsão de tributação diferenciada sobre produtos considerados essenciais. Neste ponto, constata-se uma falha no sistema de tributação nacional, pois a seletividade de alíquota deveria ser não somente em função de sua essencialidade, mas também, em consonância com os artigos ambientalistas antes referidos (arts. 5 º, XXVII; 170 e 225), em razão da degradação do meio ambiente, da retirada de recursos não-renováveis ou mesmo do tempo de duração do produto.

Afora essa questão constitucional abordada, cabe enfatizar a possibilidade jurídica da utilização do imposto como contenção da exploração indiscriminada da natureza. A utilização do imposto com caráter de extrafiscalidade é expediente largamente aceito na doutrina jurídica, nacional e internacional. O grande administrativista Hely Lopes Meirelles nos ensina:

"A extrafiscalidade é a utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atiidades reputadas convenientes ou inconvenientes à comunidade. É ato de polícia fiscal, isto é, de ação de governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menor imposição tributária.

...

Modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o Direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa nova função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta do particular.

...

Com efeito, através da agravação do imposto podem-se afastar certas atividades ou modificar-se a atitude dos particulares reputadas contrárias ao interesse público, como pelo abrandamento da tributação pode-se incentivar a conduta individual conveniente à comunidade."

Desta forma, enquanto os impostos chamados fiscais destinam-se somente para obter receitas para o gasto público, os impostos extrafiscais possuem fins diversos, para abranger os de política econômica ou social, de política administrativa, de política demográfica, de política sanitária, de política cultural e até mesmo de política ambiental e de proteção dos recursos naturais não renováveis.

A modernidade não é sinônimo de destruição. Ninguém tem o direito de exaurir indiscriminadamente os recursos naturais não-renováveis e nem de impor situação de vida desumana às pessoas, mesmo sob o manto mistificador da livre iniciativa e da propriedade privada. Os recursos naturais são patrimônio da humanidade. Esta busca de maior humanização e respeito à natureza pode perfeitamente contar com o apoio importante da tributação em prespectiva de extrafiscalidade.

Para os admiradores incontestes dos irmãos do norte e para reforço da tese esposada de utilização de um imposto extrafiscal para contenção da degradação ambiental e do exaurimento dos recursos naturais, transcreve-se posição do lembrado tributarista Aliomar Baleeiro:

"Os impostos confiscatórios e proibitivos, que se atritam com os direitos e garantias constitucionais da propriedade ou do exercício de profissões e atividades lícitas, são tolerados, muitas vezes, pela jurisprudência norte-americana como manifestações do poder de polícia, desde que, em caso concreto, se apure sua eficácia na defesa da segurança, saúde e bem-estar do povo."



4. A PROPOSTA

a) Considerações preliminares.

Durante o desenvolvimento da pesquisa e do presente trabalho, constatou-se que autores enveredaram também por um caminho parecido ao que ora se defende. René Dumont nos dá notícia de que na Europa, na década de 1930, foi tentado criar um Ministério "do bloqueio", que teria a função de administrar os recursos raros não-renováveis; informa, ainda, que os recursos raros foram propostos ser taxados pesadamente (inspiração dos ecologistas ingleses). Herman Daly aborda a questão da tributação sobre recursos não-renováveis, optando, porém, pela utilização do que ele chamou de "quotas de depleção", onde seria limitada a exaustão dos recursos naturais, com a conseqüente limitação da poluição agregada; esse autor aceita a tributação somente sobre o recurso original e não sobre a mercadoria e desde que dentro de um contexto maior onde também caberia o controle das matérias-primas por meio das quotas de depleção.

b) Primeiras ponderações.

Antes da apresentação da tese, convém pontuar considerações que são, em síntese, inspiradoras da proposta. Há que se considerar, portanto, o elenco de argumentos a seguir expostos:

1 º) Os tempos são urgentes. A degradação do meio ambiente e seus reflexos na humanidade se fazem sentir no cotidiano das pessoas. A reflexão acerca da "ecologia física" certamente leva-nos a perquirir outras ecologias não menos importantes e relacionadas com ela: a ecologia mental, onde o homem deve também limpar conceitos ultrapassados de competição e vantagem individual, ascendendo a um novo paradigma em que a compreensão de que todos, sem exceção, fazem parte de um Cosmos, de uma Totalidade que não admite exclusões; a ecologia nas relações humanas, que deve ser pensada como a busca de uma despoluição nos relacionamentos inter-pessoais, onde se tenha a consciência de que o "eu" é também o "outro", respeitando-o, portanto, como se fôssemos "um só".

2.º) O Planeta Terra é finito. A responsabilidade por sua integridade é de todos, não de uns poucos. A humanidade é tripulante e não passageira desta nave chamada Terra.

3.º) Infelizmente, ainda persistem, em todos os cantos da Terra, ideologias desagregadoras do homem consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Esta mentalidade é muito forte no campo da atividade econômica, onde a procura do lucro exacerbado determina uma ruptura da almejada solidariedade entre pessoas, povos e nações. No tocante à necessária inibição da atividade comercial que degrada e exaure a natureza, em razão da inconsciência ainda existente de parte das empresas, faz-se imperioso a continuação de um "constrangimento" econômico, de vez que os valores monetários são a grande religião destes empreendedores. Em suma, o cofre destas atividades nocivas deve ser fortemente devassado pelo poder de império estatal.

4 º) Quando se aborda a questão da conservação dos recursos naturais não-renováveis brasileiros, não significa haver uma ideologia do "nós" contra os "outros", mas sim a busca de uma saudável sobrevivência que permita, inclusive, que outros povos usufruam também de nossas riquezas, desde que não haja relacionamento de exploração de um sobre o outro, e sim solidariedade entre irmãos que vivem em locais diferentes do Planeta.

5.º) A economia, nos moldes atuais, em que a exploração dos recursos naturais não-renováveis, inclusive energéticos, se processa como se não tivessem fim, leva a que os Governos tenham de investir pesadamente nos consertos de desastres ecológicos ou em programas de combate ao desemprego, miséria, saúde, etc., problemas estes muitas vezes causados pelo uso indevido dos recursos. Apesar das legislações de proteção ao meio ambiente, percebe-se que as atividades econômicas desobedecem "in totum" os mandamentos regulatórios e proibitivos relacionados à conservação da natureza.

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6 º) A criação de uma tributação confiscatória e proibitiva relativa a determinados recursos não-renováveis e a atividades degradadoras do meio ambiente, além da necessária, está coerente pelos usos e práticas do imposto extrafiscal. Existem inúmeros exemplos, no país, de atividades comerciais que gozam de vantagens tributárias, tais como isenção, imunidade, redução de base de cálculo, paralelamente a subvenções oficiais para crescimento empresarial. Outro exemplo: o Governo, por meio dos seus órgãos responsáveis pela saúde do povo, combate o tabagismo e o alcoolismo; pelo outro lado da tributação, impõe uma forte carga fiscal sobre o cigarro e as bebidas alcoólicas.

7.º) Um imposto extrafiscal altamente repressivo poderia trazer como conseqüência a inviabilização de determinadas atividades econômicas. Contra isso, certamente serão levantadas objeções baseadas no argumento de que o encerramento de determinada atividade trará conseqüências sociais graves. É forçoso reconhecer, todovia, que o caos social já está instalado em nosso país, paradoxalmente com o pleno funcionamento de muitas empresas nocivas ao meio ambiente e cuja ameaça a suas existências, com certeza, reavivaria o discurso demagógico de "sérios prejuízos sociais".

c) O Imposto ecológico.

Os pontos básicos da presente proposta são os seguintes:

1.º) Dar coerência ao sistema tributário nacional, inserindo outros princípios tributários, além dos existentes hoje, como o ecológico e o de qualidade dos produtos. Ou, de outra forma, previsão constitucional da seletividade de impostos em função da degradação do meio ambiente, da retirada dos recursos não-renováveis ou mesmo do tempo de duração dos produtos, além da essencialidade atualmente prevista.

2.º) Criação de um imposto ecológico, com característica eminentemente extrafiscal, cuja função seria obstaculizar determinadas atividades danosas ao meio ambiente ou que exaurem de forma descontrolada recursos naturais não-renováveis.

3.º) O imposto ecológico teria algumas características de atuação extrafiscal, quais sejam:

I - a eleição dos recursos, produtos ou atividades atingidos por ele seria realizada pelo Poder Público articulado com os movimentos ecológicos e outros organismos interessados na preservação ambiental e na proteção das reservas naturais brasileiras.

II - haveria preferência para recair em fatos geradores onde envolvem os recursos naturais não-renováveis, em detrimento dos produtos, pois é mais fácil controlar umas poucas minas do que diversas fábricas. Esta preferência, no entanto, não excluiria o controle sobre os demais processos industriais e comerciais.

III - uma das estratégias de sua utilização seria o encarecimento dos recursos não-renováveis, que deveriam ter seu valor nos patamares do mais próximo substituto renovável.

IV - seria adotada uma seletividade em função da retirada dos recursos naturais não-renováveis, da degradação do meio ambiente e mesmo do tempo de duração do produto.

V - não haveria, para esse imposto, qualquer tipo de isenção ou estímulo fiscal, nem mesmo a imunidade quando o recurso ou produto sair para o exterior.

VI - a política de sua aplicação poderia ser articulada com os impostos de consumo (ICMS e IPI, por exemplo), os quais seriam seletivos não somente em função da essencialidade dos produtos, mas também em razão de sua durabilidade.

VII - poderia ter sua aplicação afinada com futura limitação de quotas de depleção (exaustão), cuja implementação também é premente.

VIII - as receitas tributárias advindas do imposto teriam o destino específico de aplicação na conservação ambiental e na pesquisa voltada para atividades e processos de produtos que não prejudiquem a natureza.

d) Elenco de algumas vantagens do imposto ecológico.

I - conteria a exploração indiscriminada dos recursos naturais não-renováveis, trazendo também como benefício a diminuição da poluição agregada decorrente da extração.

II - serviria de estímulo para que os diversos setores econômicos investissem pesadamente em recursos renováveis alternativos, em equipamentos e tecnologias não-poluidores e em energias brandas (sol, ar, água, etc.).

III - diminuiriam os desastres ecológicos, em decorrência do uso parcimonioso dos recursos naturais.

IV - reduziriam os gastos sociais desembolsados pelo Poder Público, especialmente aqueles que se referem à recuperação ambiental e à saúde da população.

V - forjaria uma ética social de extremo respeito pela natureza, como plantas, árvores, animais, flores, minerais, etc.

VI - desenvolveria o campo de pesquisa voltado para a criação de novas tecnologias brandas que não sejam nocivas à natureza.

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Sobre o autor
Rômulo de Jesus Dieguez de Freitas

fiscal de tributos estaduais, bacharel em Ciências Contábeis e em Ciências Jurídicas e Sociais, professor e orientador de Direito na Universidade de Caxias do Sul - Campus Bento Gonçalves

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Rômulo Jesus Dieguez. Imposto, uma perspectiva ecológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1724. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado no II Simpósio de Administração Tributária, em Porto Alegre

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