4 ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NO PROCESSO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
A finalidade do Estado democrático de Direito é atingir os objetivos traçados pela Constituição, os quais se resumem na proteção dos direitos individuais e no oferecimento de condições materiais mínimas de existência da pessoa, assegurando-lhe uma vida digna.
Nesse sentido, os recursos públicos devem ser gastos, prioritariamente, em projetos voltados para a consecução de tais objetivos. Assim, o ideal seria que os demais projetos fossem custeados apenas com os recursos remanescentes.
Deduz-se que a teoria da reserva do possível é válida, desde que se garanta à pessoa o "mínimo existencial", isto é, aqueles bens da vida que lhe conferem humanidade.
É digno de nota que o "mínimo existencial" é dotado de historicidade, além de ser pré-constitucional, porque é inerente à pessoa humana. Constitui um direito público subjetivo do cidadão, possuindo validade erga omnes. Ademais,aproxima-se do conceito e dos efeitos do estado de necessidade.
Não é absoluta a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. Em caráter excepcional, é possível a intervenção do Poder Judiciário, a fim de conter o manifesto arbítrio dos demais Poderes, consubstanciado na violação de incumbência constitucional (ADPF 45/STF).
Os direitos sociais exigem uma prestação positiva do Estado para sua concretização, que está condicionada, de acordo com entendimento do STF, a dois elementos: a razoabilidade da pretensão deduzida em face do Poder Público; e a existência de disponibilidade financeira do Estado.
Para Cláudio Pereira de Souza Neto:
(...) uma das principais objeções que se formula à noção de que cabe ao Judiciário a concretização de direitos sociais prestacionais diz respeito justamente à legitimação de democrática: a concretização de direitos sociais implica tomada de opções políticas, já que essas opções se dão em cenários de escassez de recursos, e se concretizar direitos sociais implica decidir, estabelecer prioridades, implementar políticas públicas, essa tarefa caberia consequentemente ao legislativo e ao executivo, que foram eleitos para tanto e refletem, em suas deliberações, a vontade da maioria. [08]
Além do mais, como propugna Souza Neto:
(...) os direitos fundamentais são condições da democracia e devem, por isso, ser mantidos dentro de uma esfera de intangibilidade, a ser protegida pelo Judiciário contra arroubos das maiorias eventuais. Ainda que limitando o princípio majoritário, em favor de direitos fundamentais, o Judiciário estará, assim, exercendo a função de guardião da democracia e se atendo ao campo da neutralidade política, em que se situa o consenso procedimental. [09]
Desse modo, cabe ao Judiciário, ao realizar controle da constitucionalidade dos atos normativos, a qualquer momento e grau de jurisdição, viabilizar a criação das condições mínimas essenciais à efetivação de direitos fundamentais.
Assim, cabe ao Judiciário, ainda que não exclusivamente, a tarefa de promover a efetivação dos direitos fundamentais, preservando a unidade constitucional e se guiando pelo princípio da proporcionalidade.
Não há violação ao princípio constitucional da Separação dos Poderes (art. 2° da CF/88) o controle pelo Judiciário de atos legislativos e executivos contrários às disposições da Lei Maior, porque cabe a ele a guarda da Constituição e a defesa das instituições democráticas, como sua atribuição principal.
O Poder Judiciário tem o poder-dever de analisar toda e qualquer lesão ou ameaça a direitos dos cidadãos, nos termos do artigo 5°, XXXV da Constituição Federal. Compete ao juiz apreciar o mérito do ato administrativo, com o fito de apurar possível injustiça ou irrazoabilidade domeio empregado à solução do caso concreto, não lhe sendo vedado o controle negativo do mérito administrativo.
É pacífico, contudo, que nem sempre será possível ao particular ter direito subjetivo a determinada prestação estatal, devido, muitas vezes, a forma com que foi positivado o direito fundamental e mesmo pela escassez de recursos.
No entanto, o Judiciário não pode eximir-se do dever de conferir a maior eficácia jurídica possível aos Direitos Fundamentais, a fim de promover sua efetivação progressiva. Também tem de garantir o "mínimo existencial" ao cidadão, punir toda violação a esses direitos, bem como avaliar as escolhas dos demais Poderes que restrinjam a sua aplicação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Bonavides:
[...] garantias sociais são, no melhor sentido, garantias individuais, garantias do indivíduo em sua projeção moral de ente representativo do gênero humano, compêndio da personalidade, onde se congregam os componentes éticos superiores mediante os quais a razão qualifica o homem nos distritos da liberdade, traçando-lhe arbítrio que é o espaço de sua vivência existencial. [10]
Nesse sentido, não há distinção rígida entre as gerações de direitos, vez que uma geração ou dimensão é o desdobramento da outra, pois vai expandindo seu raio de incidência. O direito à saúde, por exemplo, considerado um direito social, não deixa de ser um desdobramento do direito à vida (direito de primeira geração).
Do mesmo jeito que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (terceira geração), protege a vida das futuras gerações. O que muda é simplesmente o enfoque e o raio de incidência que tende a se ampliar, retratando o fenômeno da multiplicação dos direitos fundamentais.
A dignidade humana é o núcleo informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Para a sua observância, não há como considerar as normas de conteúdo social como desprovidas de juridicidade. A própria Constituição Federal vigente, reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais, tendo em vista a sua importância para a consecução do bem comum e, em última análise, para a inserção das pessoas na sociedade.
Sem dúvida, quando efetivados, funcionam como elemento de coesão social, formando cidadãos com condições de participarem ativamente da vida política da nação. Promovem, ainda, a justiça distributiva e a liberdade e igualdade materiais.
O art. 5°, § 1° da CF/88, o qual prescreve a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais, deve servir de incentivo para que, se por limitações fáticas, não seja possível conferir a esses direitos tal prerrogativa, então, que ao menos tenham uma aplicação progressiva.
É digno de nota que o neoconstitucionalismo, sem dúvida, decorre da positivação dos direitos fundamentais nas constituições, inicialmente, apenas como meras declarações de fundo retórico.
Com a evolução do próprio constitucionalismo, fortemente influenciado pela realidade histórica, a dignidade humana passou a ser o núcleo axiológico das constituições contemporâneas, surgindo, assim, a preocupação de se conferir efetividade aos direitos fundamentais já reconhecidos formalmente.
Em suma, o neoconstitucionalismo representa a passagem do teórico para o concreto. É a partir dele que será possível a implantação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, capaz de garantir uma vida digna aos seus cidadãos.
Por fim, o Judiciário não pode eximir-se do dever de conferir a maior eficácia jurídica possível aos Direitos Fundamentais, a fim de promover sua efetivação progressiva. Também tem de garantir o "mínimo existencial" ao cidadão, punir toda violação a esses direitos, bem como avaliar as escolhas dos demais Poderes que restrinjam a sua aplicação.
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Notas
- BONAVIDES, 2002, p. 526.
- MORAIS, José Luis Bolzan de. A Eficácia dos Direitos Fundamentais propriamente dita: significado do princípio da aplicabilidade imediata para cada categoria dos Direitos Fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.) A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 99.
- BONAVIDES, 2002, p. 595.
- PIOVESAN, 2004, p. 301.
- KRELL, 2000, p. 32.
- AGRA, 2005, p. 31.
- BARCELLOS, 2009, p.2
- SOUZA, 2003, p. 323.
- SOUZA, 2003, p. 322.
- BONAVIDES, 2002, p. 595.