3. Legítima defesa putativa como causa de justificação exculpante à luz do Direito Penal brasileiro
Legítima defesa putativa é a também denominada legítima defesa ficta. A situação de perigo existe tão somente no imaginário daquele que supõe repelir legitimamente um injusto. Constitui descriminante putativa ou seja, o agente "supõe a ocorrência de uma excludente de criminalidade que, se existisse, tornaria sua ação legítima". [52] Por conseguinte, a ação do que se supõe agredido é revestida de antijuridicidade, em divergência daquele que age em legítima defesa real. Afirma Jescheck que "o fato praticado sob a suposição errônea de uma causa de justificação continua, pois, sendo um fato doloso". [53]
Conforme discorrido nas laudas supra, a legítima defesa é instituto que exclui a antijuridicidade da ação daquele que repele a agressão injusta. Diferentemente, a legítima defesa putativa, por constituir erro sobre a situação fática, pode ser causa justificante através da eliminação da culpabilidade do agente ou causa de diminuição de pena, conforme expõe Bitencourt:
A legítima defesa putativa supõe que o agente atue na sincera e íntima convicção da necessidade (grifo do autor) de repelir essa agressão imaginária (legítima defesa subjetiva). [...] No entanto, se esse erro, nas circunstâncias, era inevitável, exculpará o autor; se era evitável diminuirá a pena, na medida de sua evitabilidade. [54]
A culpabilidade é elemento pressuposto da aplicação da pena, não excluindo a antijuridicidade do fato, incidindo apenas sobre o momento no qual o Estado inflige a punição ao agente. A análise da culpabilidade é um juízo de reprovação subjetivo, acerca do autor do fato típico e antijurídico, e sua presença se perfaz quando o autor do fato, podendo agir em conformidade com o Direito, resolve, voluntariamente, agir em desconformidade com o sistema normativo. [55] A análise do instituto da culpa, em tela, é jurídica, não moral ou religiosa. Excluída a culpa, por conseguinte, verifica-se excluída a aplicação da pena, uma vez que esta é proporcional à responsabilidade subjetiva do autor do fato.
Rememorando os vernáculos supramencionados de Bitencourt, ao destrinchar o caso concreto da legítima defesa putativa, quando o erro for inevitável, não podendo exigir-se do indivíduo conduta diversa, restará excluída a culpa do autor e, quando evitável, o injusto ficto atua como causa de diminuição da pena. O julgador, ao apreciar os fatos, deve ter a cautela de analisar as provas, vincular sua análise ao animus defendendi e às circunstâncias que levaram o autor do ilícito ao erro, buscando assim a verdade real, escopo investigatório do processo penal brasileiro, que leva à aplicação da justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Onde o homem vive organizado em grupos, se faz presente Direito e Religião. Daí, infere-se que o Direito é, certamente, mais relevante que a ciência. O propósito do Direito é o justo, a razoabilidade e a resolução dos conflitos de direitos que colidem entre si. Embasado neste objetivo, o Estado, tutor dos bens jurídicos da sociedade e provedor do bem-estar social, confere ao particular a faculdade de agir, em situações específicas, de forma a resguardar bem jurídico que sofre ou possa vir a sofrer agressão ilegítima. A ação do indivíduo, nesta situação, é típica, mas não antijurídica. Ou, ainda, pode ser típica e antijurídica, mas uma conduta tal que não se reveste de culpabilidade, como no caso da legítima defesa putativa.
Por ser o estudo um tanto polêmico, o pesquisador pode ser levado falsamente a vislumbrar, no caso da legítima defesa putativa, uma excludente de antijuridicidade. Tal não condiz com as teorias de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade adotadas pela legislação penal brasileira A ação de defesa putativamente legitimada, em conformidade com a nomenclatura, pressupõe uma agressão fictícia, que só subsiste no imaginário do suposto agredido. Em sendo este pensamento fundado, sendo invencível o embuste, não se pode conferir culpa ao agente. Amoldando a situação às teorias adotadas pelo Código Penal brasileiro e ao escopo do Direito, não seria razoável apenar ou apenar rigorosamente aquele que age se julgando em perigo. Negaria, se assim agisse o Estado, todo o equilíbrio da tutela dos bens jurídicos e também os mais primitivos instintos humanos, dos quais prevalece o instinto à sobrevivência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6.ed.ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
Notas
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 313.
- Ibidem.
- WELZEL, Hans apud ibidem. p. 314.
- PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6.ed.ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 379.
- WELZEL, Hans apud loc.cit.
- PRADO, Luiz Regis. Loc. cit.
- Ibidem.
- BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 171 et seq.
- Idibem. p. 183.
- Loc. cit.
- PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 380.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 327.
- BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
- Ibidem.
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
- BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
- Ibidem. p. 185.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p.331.
- PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 384.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Loc.cit.
- ORDEIG, Enrique Gimbernat apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 186.
- BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 196.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 347.
- BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 195.
- Ibidem. p. 196.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p.348.
- Ibidem. p.349.
- BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 197.
- TOLEDO, Francisco de Assis apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 198.
- ASÚA, Luis Jiménez de apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 191.
- BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
- PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 389.
- BETTIOL, Giusepe apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 340.
- BRASIL. Op. cit. Acesso em 27 de setembro 2010.
- BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
- PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 391.
- BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 192.
- PRADO, Luiz Regis. Loc. cit.
- ROXIN, Claus apud ibidem.
- BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 341.
- Ibidem. p. 342.
- HUNGRIA, Nelson apud ibidem.
- Nomenclatura utilizada atualmente para referir-se a indivíduo menor de 18 anos.
- PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 392.
- Ibidem.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 343.
- Ibidem.
- MESTIERI, João apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 193.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Loc. cit.
- Ibidem. p. 344.
- Ibidem. p. 400.
- JESCHECK, H. H. apud ibidem. Loc. cit.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 345.
- BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 200.