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A legítima defesa putativa como causa de justificação exculpante à luz do direito penal brasileiro

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08/11/2010 às 09:11
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3. Legítima defesa putativa como causa de justificação exculpante à luz do Direito Penal brasileiro

Legítima defesa putativa é a também denominada legítima defesa ficta. A situação de perigo existe tão somente no imaginário daquele que supõe repelir legitimamente um injusto. Constitui descriminante putativa ou seja, o agente "supõe a ocorrência de uma excludente de criminalidade que, se existisse, tornaria sua ação legítima". [52] Por conseguinte, a ação do que se supõe agredido é revestida de antijuridicidade, em divergência daquele que age em legítima defesa real. Afirma Jescheck que "o fato praticado sob a suposição errônea de uma causa de justificação continua, pois, sendo um fato doloso". [53]

Conforme discorrido nas laudas supra, a legítima defesa é instituto que exclui a antijuridicidade da ação daquele que repele a agressão injusta. Diferentemente, a legítima defesa putativa, por constituir erro sobre a situação fática, pode ser causa justificante através da eliminação da culpabilidade do agente ou causa de diminuição de pena, conforme expõe Bitencourt:

A legítima defesa putativa supõe que o agente atue na sincera e íntima convicção da necessidade (grifo do autor) de repelir essa agressão imaginária (legítima defesa subjetiva). [...] No entanto, se esse erro, nas circunstâncias, era inevitável, exculpará o autor; se era evitável diminuirá a pena, na medida de sua evitabilidade. [54]

A culpabilidade é elemento pressuposto da aplicação da pena, não excluindo a antijuridicidade do fato, incidindo apenas sobre o momento no qual o Estado inflige a punição ao agente. A análise da culpabilidade é um juízo de reprovação subjetivo, acerca do autor do fato típico e antijurídico, e sua presença se perfaz quando o autor do fato, podendo agir em conformidade com o Direito, resolve, voluntariamente, agir em desconformidade com o sistema normativo. [55] A análise do instituto da culpa, em tela, é jurídica, não moral ou religiosa. Excluída a culpa, por conseguinte, verifica-se excluída a aplicação da pena, uma vez que esta é proporcional à responsabilidade subjetiva do autor do fato.

Rememorando os vernáculos supramencionados de Bitencourt, ao destrinchar o caso concreto da legítima defesa putativa, quando o erro for inevitável, não podendo exigir-se do indivíduo conduta diversa, restará excluída a culpa do autor e, quando evitável, o injusto ficto atua como causa de diminuição da pena. O julgador, ao apreciar os fatos, deve ter a cautela de analisar as provas, vincular sua análise ao animus defendendi e às circunstâncias que levaram o autor do ilícito ao erro, buscando assim a verdade real, escopo investigatório do processo penal brasileiro, que leva à aplicação da justiça.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Onde o homem vive organizado em grupos, se faz presente Direito e Religião. Daí, infere-se que o Direito é, certamente, mais relevante que a ciência. O propósito do Direito é o justo, a razoabilidade e a resolução dos conflitos de direitos que colidem entre si. Embasado neste objetivo, o Estado, tutor dos bens jurídicos da sociedade e provedor do bem-estar social, confere ao particular a faculdade de agir, em situações específicas, de forma a resguardar bem jurídico que sofre ou possa vir a sofrer agressão ilegítima. A ação do indivíduo, nesta situação, é típica, mas não antijurídica. Ou, ainda, pode ser típica e antijurídica, mas uma conduta tal que não se reveste de culpabilidade, como no caso da legítima defesa putativa.

Por ser o estudo um tanto polêmico, o pesquisador pode ser levado falsamente a vislumbrar, no caso da legítima defesa putativa, uma excludente de antijuridicidade. Tal não condiz com as teorias de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade adotadas pela legislação penal brasileira A ação de defesa putativamente legitimada, em conformidade com a nomenclatura, pressupõe uma agressão fictícia, que só subsiste no imaginário do suposto agredido. Em sendo este pensamento fundado, sendo invencível o embuste, não se pode conferir culpa ao agente. Amoldando a situação às teorias adotadas pelo Código Penal brasileiro e ao escopo do Direito, não seria razoável apenar ou apenar rigorosamente aquele que age se julgando em perigo. Negaria, se assim agisse o Estado, todo o equilíbrio da tutela dos bens jurídicos e também os mais primitivos instintos humanos, dos quais prevalece o instinto à sobrevivência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6.ed.ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

  1. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 313.
  2. Ibidem.
  3. WELZEL, Hans apud ibidem. p. 314.
  4. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6.ed.ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 379.
  5. WELZEL, Hans apud loc.cit.
  6. PRADO, Luiz Regis. Loc. cit.
  7. Ibidem.
  8. BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 171 et seq.
  9. Idibem. p. 183.
  10. Loc. cit.
  11. PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 380.
  12. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 327.
  13. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
  14. Ibidem.
  15. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 de set. de 2010.
  16. BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
  17. Ibidem. p. 185.
  18. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p.331.
  19. PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 384.
  20. BITENCOURT, Cezar Roberto. Loc.cit.
  21. ORDEIG, Enrique Gimbernat apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 186.
  22. BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 196.
  23. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 347.
  24. BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 195.
  25. Ibidem. p. 196.
  26. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p.348.
  27. Ibidem. p.349.
  28. BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 197.
  29. TOLEDO, Francisco de Assis apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 198.
  30. ASÚA, Luis Jiménez de apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 191.
  31. BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
  32. PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 389.
  33. BETTIOL, Giusepe apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 340.
  34. BRASIL. Op. cit. Acesso em 27 de setembro 2010.
  35. BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
  36. PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 391.
  37. BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 192.
  38. PRADO, Luiz Regis. Loc. cit.
  39. ROXIN, Claus apud ibidem.
  40. BRANDÃO, Cláudio. Loc. cit.
  41. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 341.
  42. Ibidem. p. 342.
  43. HUNGRIA, Nelson apud ibidem.
  44. Nomenclatura utilizada atualmente para referir-se a indivíduo menor de 18 anos.
  45. PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 392.
  46. Ibidem.
  47. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 343.
  48. Ibidem.
  49. MESTIERI, João apud BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 193.
  50. BITENCOURT, Cezar Roberto. Loc. cit.
  51. Ibidem. p. 344.
  52. Ibidem. p. 400.
  53. JESCHECK, H. H. apud ibidem. Loc. cit.
  54. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 345.
  55. BRANDÃO, Cláudio. Op. cit. p. 200.
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Sobre a autora
Bruna Fernandes Coêlho

Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco, pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho (RJ); pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto de Magistrados de Pernambuco; graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Bruna Fernandes. A legítima defesa putativa como causa de justificação exculpante à luz do direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2686, 8 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17781. Acesso em: 29 mar. 2024.

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