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A (im)possível inclusão do "outro" na sociedade excludente

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Resumo:


  • O artigo analisa a possibilidade de inclusão do "outro" em uma sociedade excludente, dilacerada pela desigualdade e diferença.

  • A partir da realidade brasileira, busca-se estabelecer caminhos alternativos visando à difusão de práticas inclusivas.

  • O texto aborda a importância do reconhecimento do outro, a ética da alteridade e a necessidade de garantia dos direitos fundamentais para a inclusão social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 ÉTICA DA ALTERIDADE: (RE)CONHECER PARA INCLUIR

A inclusão do outro (não-ser) pressupõe o seu reconhecimento. Reconhecer o outro é, na verdade, reconhecer a si mesmo. Assim, a aproximação do outro não se dá pela distinção ou pela diferença, mas pela semelhança, pelo reconhecimento do ser do outro como próprio ser (DUSSEL, 1995).

Neste caso, o outro, para nós, é o estranho, o excluído, identificado com os estratos inferiores de uma sociedade extremamente dividida e desigual, "o povo pobre e oprimido da América Latina em relação às oligarquias dominadoras", nas palavras de Dussel (1986, p. 196).

Uma relação de identificação com o outro requer a atenção ao outro, ou seja, ouvi-lo, observá-lo e pensá-lo desde a sua realidade, compartilhada em nosso país pela maioria da população. Para Dussel, tal percepção só é possível a partir do momento analético da dialética ou da anadialética, caracterizada por partir e se dirigir ao outro, tendo este sempre como meio.

O reconhecimento do outro, e mais do que isso, o reconhecimento no outro, só é possível quando este deixa de ser um estranho ou uma completa exterioridade.

Esse reconhecimento proposto por Dussel e por nós reafirmado indica a necessidade de se buscar a proximidade, capaz de revelar relações de exclusão e opressão. Somente por meio da aproximação podemos tentar romper a negação, a rejeição estabelecida pelo não-reconhecimento do outro, excluído e tratado como estranho.

É necessário, portanto, nos colocarmos na posição do outro enquanto diferente, para que possamos agir para o outro como outro (DUSSEL, 1995).

Com efeito, ao nos reconhecermos no outro, no excluído, ampliamos as nossas chances de determinar a localização da exclusão. Mediante a aproximação, práxis imprescindível, o outro deixará de ser posto à parte, esquecido, marginalizado, invisível, primeiro passo para a construção da alteridade – a chamada intersubjetividade de Merleau-Ponty –, critério essencial para qualquer tentativa de inclusão.

É na relação com o outro, por meio da comunicação, que vislumbramos a consolidação de uma autêntica democracia, afinal, esta pressupõe a eliminação da exclusão.

Não somos tão otimistas como Habermas (2003) em relação ao Direito, à sua capacidade de emancipação [17] e integração social, entretanto, concordamos que todos devem ser incluídos no processo decisório, pois a inclusão do outro, do diferente, surge como uma das premissas do sistema democrático.

Além disso, somente por meio da substituição do "eu" pelo "nós" (o "eu" que está de fora, excluído, nada pode dizer), ou seja, com a efetiva participação dos afetados, é possível chegar a um Direito legítimo, edificado por vias democráticas.

Logo, para que seja viabilizada a participação dos atores sociais nesse processo deliberativo, faz-se mister proporcionar uma arena pública isenta, principalmente, da interferência do poder econômico. Eis aí o grande desafio para os países periféricos e, em especial, para a nossa sociedade: criar condições para que o outro participe livremente do jogo comunicativo, colaborando para a criação de um sistema jurídico edificado legitimamente e para a implementação de uma democracia que não se limita a aspectos meramente formais.

Embora a sociedade brasileira seja marcada por raízes clientelistas e sejamos contrários à mera "concessão" de direitos – típica em sociedades com esta característica –, a efetiva inclusão do outro no processo de criação e modificação do Direito impõe o seu reconhecimento e a (re)afirmação dos direitos humanos dos grupos excluídos. Cremos que qualquer tentativa de consenso através do diálogo será inviabilizada em uma sociedade moldada pela exclusão social e por reiteradas agressões à dignidade humana perpetrada pelos setores dominantes.

Neste ponto, assiste razão a Wolkmer (2001), pois embora reconheçamos o alto grau de significação da ética discursiva como ponto inicial para discussão de todo e qualquer projeto ético, devemos avançar na formulação de uma ética da alteridade [18], levando-se em consideração o outro, o sujeito espoliado e dominado do mundo periférico.

Reafirmamos, outrossim, a necessidade de um compromisso com o outro visando à reconstrução dos direitos humanos a partir de baixo (para usar a linguagem de Santos: "cosmopolitismo subalterno e insurgente").

É importante salientar que o reconhecimento e a identificação com o outro não garantem por si só a sua inclusão social, mas permite elevar as exigências do diálogo. Para tanto, a aproximação do outro é vital, pois desta forma ele começará a deixar de ser o "estranho".

Embora reconheçamos que toda interpelação sempre deverá proceder de maneira racional e democrática, a nossa realidade exige mais atenção aos aspectos negativos da dominação e às lutas pela libertação dentro dos mais variados níveis (racial, erótico, social, cultural, econômico, relacionamento Norte-Sul, etc.) (DUSSEL, 1995).

Para a transformação do sistema a partir desse discurso includente, torna-se imprescindível uma "práxis libertadora" que leve em consideração as condições sócio-políticas das comunidades do capitalismo periférico, cujo cenário é composto por sujeitos alienados, espoliados e desiguais [19] (WOLKMER, 2001).

Assim, reconhecer o outro (ou os outros) é "[...] reconhecer as suas razões para propor, para interpelar contra a exclusão e defender a sua inclusão na comunidade de comunicação" (DUSSEL, 1995, p. 77).

No entanto, não desejamos reduzir a relação com o outro (o cara-a-cara de Dussel) a um mero ato comunicativo de fala, pois como dissemos anteriormente, não o vislumbramos apenas como membro da comunidade de comunicação, excluído da argumentação, atingido sem ser parte, mas o enxergamos, principalmente, como o excluído da atividade econômica, da vida, angustiado por viver na miséria, na pobreza, na fome, aguardando a morte iminente.

Reconhecer o outro é primordial não apenas para possibilitar a sua inclusão no plano da comunicação lingüística, mas para buscar a sua libertação da exclusão, da miséria, da opressão. Este, dirá Dussel (1995, p. 78), é o fundamento (Grund), a "razão" do outro.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os países periféricos ao capitalismo central têm enfrentado inúmeros obstáculos para promover políticas públicas que permitam, senão erradicar, reduzir a exclusão social estrutural que impossibilita a consolidação de um autêntico Estado Democrático de Direito.

Com a crise do contrato social e a emergência das mais variadas formas de "fascismo social", observamos a deslegitimação do Direito vigente que, diante da distância cada vez maior entre o centro e a periferia – termos utilizados aqui no sentido que Habermas lhes atribui –, carece da participação dos afetados em sua criação e interpretação, sobretudo quando nos referimos a um amplo contingente da população brasileira, os outros, os estranhos, excluídos e marginalizados.

A percepção do outro como cidadão de segunda classe, subcidadão, e em muitos casos, como um indivíduo destituído não apenas de seus direitos civis, de sua cidadania, mas do status de pessoa, transformado em uma espécie de "inimigo" que só pode ser combatido por meio da guerra, reforça a segregação engendrada por desigualdades históricas e ampliada por um modo de produção que, aliado à globalização, se difundiu e enraizou em nossa sociedade.

O outro, transformado em estranho, inimigo, se vê completamente excluído em uma sociedade dilacerada por uma cultura política construída a partir do coronelismo e do clientelismo, onde as elites desfrutam dos valores e das promessas da modernidade tardia e a maioria da população sobrevive em plena pré-modernidade.

Uma breve análise da realidade brasileira nos permite questionar a viabilidade da inclusão do outro nesta sociedade que, a nosso ver, além de estratificada é excludente.

Destarte, cremos que o (re)conhecimento do outro mediante a aproximação é uma premissa para qualquer tentativa de inclusão. Mulheres, imigrantes, negros, homossexuais, enfim, os setores socialmente alijados, os outros, representantes das minorias nos países centrais e da maioria nos países periféricos, devem ser reconhecidos a partir de suas semelhanças e inseridos não apenas no mundo da fala, mas no mundo da vida.

Embora acreditemos que no Brasil o Estado de Bem-Estar Social não foi totalmente implementado, discordamos da mera concessão de direitos a esses grupos, tendo em vista a cultura assistencialista que sempre fez parte de nossa história política.

Entretanto, também não podemos deixar de sustentar a ilusão de um discurso includente que desconsidera as injustiças sociais e econômicas que permeiam a realidade brasileira. Assim, a garantia dos direitos fundamentais torna-se vital para a manutenção da democracia e, mais do que isso, para a vida em sociedade.

A inclusão do outro requer a possibilidade do exercício pleno da cidadania, compreendida neste contexto como a efetivação de direitos fundamentais. Reconhecer a dignidade do outro, negada pelo sistema, é apenas o primeiro passo para a consolidação da cidadania e um dos requisitos para a inclusão.

Erradicar a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, é essencial para que o outro, ao ser incluído no processo democrático, exerça plenamente o seu direito político de participação visando fundamentar o sistema de direitos e conferir-lhe legitimidade (uma vez que aceito por todos os envolvidos).

Reconhecer o outro é hodiernamente um grande desafio e uma necessidade em prol da mitigação da exclusão social (requisito para uma maior integração social) e da consolidação do Estado Democrático de Direito, pois este pressupõe não somente o império da lei, mas, principalmente, a participação política dos cidadãos, inviável em uma sociedade excludente.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. As reflexões constantes neste artigo foram atualizadas desde a sua publicação na Revista Intertemas e são fruto de pesquisas realizadas para a elaboração da Dissertação de Mestrado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV/ES), intitulada Mídia, Legislação Penal Emergencial e Direitos Fundamentais.
  2. Mais do que garantir a participação política dos cidadãos, desejamos afirmar a vida do sujeito humano como critério e princípio ético (DUSSEL, 2007).
  3. O fascismo social é a nova forma do estado de natureza e prolifera à sombra do contrato social sob duas formas: pós-contratualismo e pré-contratualismo. O pós-contratualismo é o processo pelo qual grupos e interesses sociais até agora incluídos no contrato social são dele excluídos sem qualquer perspectiva de regresso: trabalhadores e classes populares são expulsos do contrato social através da eliminação dos seus direitos sociais e econômicos, tornando-se assim populações descartáveis. O pré-contratualismo consiste no bloqueamento do acesso à cidadania a grupos sociais que anteriormente se consideravam candidatos à cidadania e tinham a expectativa fundada de a ela aceder: por exemplo, a juventude urbana habitante dos guetos das megacidades do Norte global e do Sul global (SANTOS, 2008, p. 17).
  4. A respeito do tema, interessante é o entendimento de Bittar (2005), ao expor que "[...] o Brasil vive, a um só tempo, pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade".
  5. No mesmo sentido, Young (2008, p. 02, tradução nossa) afirma que "[…] substancialmente, o conceito de exclusão social tem sido criticado por sua natureza dualística e pela perda da dimensão de classe".
  6. Finalmente, há um posicionamento que indica a rejeição ativa das classes inferiores pela sociedade: por meio do desmantelamento da indústria, da estigmatização dos desempregados, da criação de estereótipos que criminalizam os estratos sociais inferiores, da disseminação das drogas com imagens que são permeadas de elementos raciais e preconceitos. O trabalho de Foucaultianos como Nikolas Rose (1999) adequam-se a este perfil, bem como Lockdown America, do neo-marxista Christian Parenti (2000), assim como a crítica prolífica de Zygmunt Bauman (ver especialmente 1998; 2000) (Tradução nossa).
  7. Ainda que não se utilize o conceito de exclusão que ora adotamos, inegável é o fato de que "[...] a noção de exclusão nasceu, de fato, associada à marginalidade e à pobreza" (SILVA SANCHEZ, 2007, p. 03, tradução nossa).
  8. Na visão de Habermas (2003), o centro se compõe das instituições do Estado de Direito encarregadas de elaborar, na forma de leis, o poder comunicativo proveniente da esfera pública e aplicar o poder administrativo que resulta originariamente do poder comunicativo, enquanto a periferia é representada pela esfera pública na qual o poder comunicativo é gerado.
  9. O fascismo social a que nos referimos no capítulo anterior surge como conseqüência da quebra da lógica do contrato social.
  10. Ao utilizarmos o termo o "outro", reafirmamos que seguimos Dussel (2007, p. 16), situando-nos no nível antropológico. "O outro será a/o outra/o mulher homem: um ser humano, um sujeito ético, o rosto, como epifania da corporalidade vivente humana".
  11. Para Bittar (2005, p. 220), mencionar tais contrastes "[...] é o mesmo que falar que, enquanto a horticultura de subsistência marca a existência de famílias e comunidades em certas partes do País, a cultura dos serviços e da gestão telemática empresarial ocupam a agenda de jovens yuppies paulistanos; enquanto se cultuam ricos católicos setecentistas em Minas Gerais, com procissões e rituais públicos, típicos da influência católico-portuguesa no Brasil-colônia, fala-se em multiplicação dos cultos religiosos em grandes cidades brasileiras; [...] enquanto o ensino universitário alcança níveis pós-graduados com excelência internacional e selo nacional de qualidade (nível 7 – Capes), cidades e populações inteiras não estão sequer servidas de escolaridade mínima (ensino fundamental)".
  12. Podemos compreender a demonização como "o processo pelo qual a sociedade desconstrói a imagem humana de seus inimigos que, a partir deste momento, não merecem ser incluídos sob o domínio do Direito [...]. Qualquer esforço para eliminar ou causar danos aos demonizados é socialmente legitimado e juridicamente imune" (VIEIRA, 2008, p. 209).
  13. Segundo Silva Sanchez (2007, p. 06, tradução nossa), a desumanização do indivíduo possibilita e justifica a sua exclusão: "o inimigo é objeto de uma pretensão de exclusão: a privação do status personae é unicamente a ligação intermediária do processo, pois tolera a negação da condição de sujeito de direitos (e, em particular, do direito à vida), a partir do que é fácil excluir".
  14. Sobre o tema, conferir: JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  15. "O inimigo é definido como não-pessoa; é, por definição, o ‘outro’ a quem se exclui" (Tradução nossa).
  16. Consideradas aqui em sua acepção mais ampla, de forma a abranger todos os elementos marginalizados do mercado de trabalho (WACQUANT, 2001).
  17. Quanto à capacidade emancipatória do Direito, nos filiamos uma vez mais ao pensamento de Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 104), crendo que "[...] o Direito não pode ser nem emancipatório, nem não-emancipatório, pois emancipatórios e não-emancipatórios são os movimentos, as organizações e os grupos cosmopolitas subalternos que recorrem à lei para levar adiante as suas lutas".
  18. Na mesma linha da ética da alteridade Dusseliana, ou seja, o respeito ao outro enquanto um ser igual a nós na sua diferença.
  19. Wolkmer (2001) sustenta a insuficiência do projeto ético dialógico de Habermas e aponta que este parte de uma "comunidade de comunicação real", hegemônica e central, onde o "outro", que deveria ser a condição fundante, na verdade, é ignorado, silenciado e excluído, porque não é livre nem "competente" para participar da consensualidade discursiva e do jogo lingüístico argumentativo.
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Sobre os autores
Raphael Boldt

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Graduado em Direito e Comunicação Social. Professor de Direito Processual Penal da FDV. Professor Convidado da Escola Superior da Advocacia (ESA/ES). Professor de Direito Penal no Centro de Evolução Profissional (CEP). Advogado.

Aloísio Krohling

Pós-Doutor em Filosofia Política. Doutor em Filosofia (Instituto Santo Anselmo, Roma, Itália). Mestre em Sociologia Política (Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Professor de Filosofia do Direito no Mestrado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLDT, Raphael ; KROHLING, Aloísio. A (im)possível inclusão do "outro" na sociedade excludente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2687, 9 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17787. Acesso em: 23 dez. 2024.

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