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Considerações sobre a fixação do valor indenizatório mínimo pelo juízo penal (art. 387, IV, do CPP)

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10/12/2010 às 07:10
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3.NATUREZA DOS DANOS SUSCETÍVEIS DE REPARAÇÃO

Há também divergência na doutrina quanto à natureza do dano que pode ser objeto de reparação mediante a fixação do valor indenizatório mínimo.

Leandro Galluzzi dos Santos, conferindo uma interpretação restritiva ao art. 387, IV, do CPP, entende que a condenação contida na sentença penal somente deve alcançar os danos materiais facilmente aferíveis, ficando a reparação dos danos morais relegada à esfera civil. Eis as palavras do autor:

"Questão que surge é referente à possibilidade de esta condenação abarcar a indenização a título de dano moral. A nós parece impossível essa situação, pois o que pretendeu o legislador foi facilitar a reparação da vítima quando o tamanho do prejuízo fosse evidente, como nos crimes de apropriação indébita ou furto, por exemplo. Porém, quantificar o tamanho da dor da vítima, para conseguir determinar o valor da indenização por dano moral, certamente extrapola a intenção penal. [...] O que quis a lei foi somente permitir que o dano material facilmente aferível possa ser, de igual sorte, reparado, sem maiores delongas. Questões mais controversas, como as que envolvem o dano moral, não são alcançadas pela norma penal". [32]

No mesmo sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira:

"A nosso aviso, a nova legislação deve ser entendida nestes estritos termos, impedindo o alargamento da instrução criminal para a discussão acerca dos possíveis desdobramentos da responsabilidade civil. Não se há de pretender discutir, por exemplo, o dever de reparação do dano moral [...]". [33]

Em sentido oposto, Daniel Roberto Hertel registra que o art. 387, IV, do CPP não restringiu a indenização tão-somente aos danos materiais, referindo-se, genericamente, à "reparação dos danos". Por essa razão, e considerando que "uma infração penal pode redundar em dano material e/ou dano moral", conclui o autor que "não se pode vislumbrar qualquer impossibilidade de o juiz criminal fixar indenização tanto pelo dano material como pelo dano moral sofrido pelo sujeito passivo". [34] O mesmo entendimento é adotado por Yordan Moreira Delgado e Werton Magalhães Costa [35], bem como por Noberto Avena. [36]

Parece mais correto o entendimento esposado por essa segunda corrente.

Com efeito, o preceito normativo esculpido no art. 387, IV, do CPP, não estabelece qualquer restrição quanto à natureza dos danos suscetíveis de reparação mediante o valor indenizatório mínimo. Isso não impede, obviamente, que se imponha uma restrição ao âmbito de incidência normativa pela via hermenêutica, desde que existam razões plausíveis para tanto.

Da leitura dos excertos acima transcritos, pode-se perceber que os adeptos da corrente restritiva apontam, em síntese, as seguintes razões para sustentar a interpretação proposta: (i) a discussão em torno do dano moral promoveria um suposto alargamento da instrução criminal; e (ii) a intenção da lei teria sido a de permitir a reparação do dano material facilmente perceptível, não alcançando, pois, a compensação do dano moral, que seria uma questão mais controversa.

Acredita-se, com a devida vênia, que tais fundamentos não devem prevalecer.

Em primeiro lugar, a aferição do dano moral, na maior parte das situações, não ensejará qualquer alargamento da instrução criminal, porquanto tal modalidade de dano, de modo geral, dispensa a produção de prova específica acerca da sua existência, encontrando-se in re ipsa. Isto é, não há necessidade de produção de prova específica para apuração do grau de sofrimento, de dor e de constrangimento suportados pelo ofendido; o que se deve provar é uma situação de fato de onde seja possível extrair, a partir de um juízo baseado na experiência comum, a ofensa à esfera anímica do indivíduo. Neste sentido, preleciona Humberto Theodoro Jr.:

"A situação fática em que o ato danoso ocorreu integra a causa de pedir, cuja comprovação é ônus do autor da demanda. Esse fato, uma vez comprovado, será objeto de análise judicial quanto à sua natural lesividade psicológica, segundo a experiência da vida, ou seja, daquilo que normalmente ocorre em face do homem médio na vida social". [37]

Esse entendimento também vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça sem maiores controvérsias. A título de ilustração, vale transcrever trecho de ementa que contém interessante síntese da posição adotada pelo indigitado tribunal:

"[...] É cediço na Corte que como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in re ipsa. [...]". [38] (Grifo nosso)

Partindo-se dessa premissa, é forçoso concluir que a aferição do dano moral, em regra, não causará qualquer desvirtuamento/retardamento da atividade instrutória a ser realizada na esfera criminal, a qual deverá recair, como ordinariamente ocorre, sobre o fato delituoso narrado na peça acusatória; desse fato ilícito – se comprovado – é que o juiz extrairá, com esteio nas regras da experiência comum, a existência do dano à esfera íntima do indivíduo.

Por outro lado, cumpre observar que, tal como ocorre com o dano material, existem situações delituosas em que o dano moral é evidente, de fácil percepção, prescindindo de qualquer investigação mais profunda que possa atrapalhar o andamento do processo criminal. É o que ocorre, por exemplo, na maior parte dos crimes contra os costumes e contra a honra. Nesses casos, não se vislumbra, a princípio, justificativa plausível para se recusar a fixação de um montante indenizatório mínimo, retardando a compensação – ao menos parcial – dos danos morais provenientes do crime.

Embora o arbitramento do valor devido a título de compensação dos danos morais não seja tarefa fácil, é importante registrar que o juízo penal deve apenas arbitrar um valor mínimo, o que pode ser feito, com certa segurança, mediante a prudente ponderação das circunstâncias do caso concreto – gravidade do ilícito, intensidade do sofrimento, condição sócio-econômica do ofendido e do ofensor, grau de culpa, etc. – e a utilização dos parâmetros monetários estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Sendo insuficiente o valor arbitrado, poderá o ofendido, de qualquer modo, propor liquidação perante o juízo cível para a apuração do dano efetivo (art. 63, parágrafo único, do CPP).


4.JUIZ É OBRIGADO A FIXAR UM VALOR INDENIZATÓRIO MÍNIMO?

Discute-se, outrossim, se o magistrado deve necessariamente fixar o valor mínimo a título indenizatório, ante o teor do art. 387, IV, do CPP.

Parece mais adequado o entendimento segundo o qual o magistrado não está obrigado a fixar a verba indenizatória, podendo deixar de fazê-lo, por exemplo, em virtude da inexistência de qualquer dano suscetível de reparação [39], da complexidade da questão de natureza civil – como sustentado anteriormente – ou da ausência de elementos probatórios em torno da existência e extensão do dano, que impossibilite a fixação de um valor indenizatório, ainda que mínimo.

Além disso, como bem registra Norberto Avena, restará prejudicada a aplicação do multicitado art. 387, IV, do CPP se "por ocasião da sentença condenatória, já houver decisão definitiva proferida no juízo cível, estabelecendo no âmbito de ação ordinária de indenização o quantum devido pelo autor do crime à vítima [...]". [40]

Do mesmo modo, se a ação civil ex delicto proposta perante o juízo cível competente vier a ser julgada improcedente, em decisão definitiva transitada em julgado, não poderá posteriormente, em caso de o réu vir a ser condenado na esfera penal, ser fixado o valor indenizatório mínimo. Isto porque, consoante a correta lição de Araken de Assis, "a opção do lesado pela demanda civil o vinculará, definitivamente, ao seu desfecho" [41], devendo ser respeitada a coisa julgada formada na esfera cível em torno da declaração de inexistência do dever de indenizar.

Embora não esteja obrigado a estabelecer o valor mínimo, o magistrado tem o dever de se manifestar sobre a questão, indicando, se o for o caso de não fixar qualquer valor, os motivos pelos quais assim decide. A omissão judicial na apreciação do pedido implícito em comento autoriza a oposição dos embargos declaratórios, para que o magistrado se manifeste expressamente sobre a questão. [42]


5.IMPUGNAÇÃO PARCIAL DO JULGADO E SUAS REPERCUSSÕES

Conforme já adiantado acima, a condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo a título de indenização dos danos causados pelo crime constitui capítulo autônomo da sentença penal condenatória. [43] Essa constatação é de suma importância, pois gerará relevantes conseqüências de ordem prática, notadamente na hipótese de impugnação parcial do julgado penal.

Com efeito, se o condenado ou a vítima reputarem, respectivamente, excessivo ou insuficiente o valor fixado pelo juízo penal, poderão atacar, mediante recurso de apelação, apenas esse capítulo decisório. Nesse caso, não havendo impugnação do capítulo de natureza penal, operar-se-á o seu trânsito em julgado, tornando-se possível a deflagração da execução definitiva – e não provisória – da pena. Não há, portanto, a necessidade de se aguardar o julgamento do recurso interposto contra o capítulo de natureza civil, sendo possível a imediata efetivação da sanção penal imposta no capítulo não atacado – e, pois, transitado em julgado – da sentença penal condenatória. [44]

A idéia de trânsito em julgado parcial da sentença penal assume especial relevância nesse caso, porquanto evita que a interposição de recurso para discutir exclusivamente questão de natureza extrapenal enseje, eventualmente, a prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade superveniente ou intercorrente. [45]

Por outro lado, se houver impugnação exclusivamente do capítulo penal, não será possível a execução imediata do capítulo civil, no qual restou fixado o valor mínimo a título indenizatório. [46] Isso porque, em virtude da forte relação de dependência/prejudicialidade entre os capítulos decisórios, a impugnação do capítulo dominante (o capítulo penal) enseja necessariamente a devolução do capítulo dependente (o capítulo civil) ao tribunal, como forma de se manter a coerência e harmonia do julgado. Do contrário, v. g., haveria o risco de, no recurso de apelação, o réu ser absolvido por se entender provada a inexistência do fato imputado, permanecendo intacto, no entanto, o capítulo decisório que o condenou, em primeiro grau, a pagar um valor mínimo a título de indenização dos danos decorrentes daquele mesmo fato reputado inexistente.

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Essa idéia é defendida com esmero por Cândido Rangel Dinamarco em trabalho destinado especificamente ao estudo da teoria dos capítulos de sentença. Ao tratar da temática dos capítulos dependentes, o autor defende que, a despeito da ausência de norma expressa, quando o recurso versar apenas sobre o chamado "capítulo dominante", deve haver uma "devolução além dos capítulos impugnados", franqueando-se ao tribunal o conhecimento do "capítulo dependente". É o que se infere do seguinte excerto:

"Mesmo sem norma expressa, todavia, essa devolução a maior deve ocorrer, porque seria incoerente reunir em um processo duas ou mais pretensões e dizer que isso é feito em nome da economia e da harmonia entre os julgados, para depois renunciar a essa harmonia e permitir que a causa prejudicada (dependente) ficasse afinal julgada de modo discrepante do julgamento da prejudicial (dominante). [...] Em casos assim, onde é muito intensa a relação de prejudicialidade entre os diversos capítulos, é imperioso estender ao capítulo portador do julgamento de uma pretensão prejudicada, quando irrecorrido, a devolução operada por força do recurso que impugna o capítulo que julgou a matéria prejudicial". [47]

Enfim, se for manejado recurso de apelação apenas em face do capítulo de natureza civil, será possível a expedição de guia para a execução definitiva do capítulo penal, em decorrência do seu trânsito em julgado. Diversamente, se o recurso for interposto exclusivamente para atacar o capítulo penal (dominante), não será possível a execução imediata do capítulo civil (dependente), o qual, por ser atingido pelo efeito devolutivo recursal a maior, tem o seu trânsito o julgado obstaculizado.


CONCLUSÕES

Eis as conclusões que podem ser extraídas do presente trabalho:

1.Com o advento da Lei n. 11.719/08, que consagrou a possibilidade de o juízo penal fixar um valor mínimo a título de reparação dos danos provenientes do crime (art. 387, IV, do CPP), a liquidação deixou de ser pressuposto necessário para a deflagração da atividade civil executiva fundada na sentença penal condenatória.

2.A fixação do valor indenizatório mínimo pelo juízo penal não é novidade no nosso sistema jurídico, ex vi do art. 20 da Lei n. 9.605/98.

3.Não há necessidade de formulação de requerimento expresso para a fixação de um valor mínimo a título de indenização dos danos decorrentes do crime. Trata-se de pedido implícito, que integra o thema decidendum por força de lei, independentemente de pedido das partes.

4.A fixação do valor indenizatório mínimo pode ter por finalidade a reparação de danos materiais e/ou morais, não se justificando a sua restrição apenas aos danos patrimoniais.

5.O art. 387, IV, do CPP deve ser compreendido à luz das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não sendo possível a fixação de valor indenizatório para reparação de dano não submetido a um anterior debate no tocante à sua existência e extensão.

6.No plano fático, o dano civil pode coincidir parcialmente com o resultado penalmente relevante. Nesse caso, apuração de sua existência, na parte coincidente, necessariamente ocorrerá, porquanto indispensável à definição da responsabilidade penal. Já a extensão do dano, na maior parte das vezes, não interessará ao julgamento da pretensão punitiva estatal. Nessa hipótese, se a sua definição puder tumultuar o andamento da ação penal, o juiz deve remeter as partes à esfera civil.

7.É possível a fixação de valor mínimo a título de indenização de dano civil que, por ser estranho ao resultado penalmente relevante, não integraria originariamente o objeto litigioso do processo criminal. Para tanto, é necessário que (i) o dano tenha sido alegado em juízo, na inicial acusatória, a fim de oportunizar ao réu o exercício do contraditório e da ampla defesa, e que (ii) a apuração da sua existência, bem como de sua extensão, não promova um retardamento desarrazoado do julgamento da pretensão penal acusatória.

8.O magistrado tem o dever de se manifestar sobre a fixação do valor indenizatório mínimo, nem que seja para indicar os motivos pelos quais deixa de fixar qualquer montante. A omissão judicial pode ser atacada mediante embargos declaratórios.

9.A condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo a título de indenização dos danos causados pelo crime constitui capítulo autônomo da sentença penal condenatória.

10.Se for interposto recurso de apelação apenas em face do capítulo de natureza civil, será possível a expedição de guia para a execução definitiva do capítulo penal, em decorrência do seu trânsito em julgado.

11. Diversamente, se o recurso for interposto exclusivamente para atacar o capítulo penal (dominante), não será possível a execução imediata do capítulo civil (dependente), o qual, por ser atingido pelo efeito devolutivo recursal a maior, tem o seu trânsito em julgado obstaculizado

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Sobre o autor
Danilo Ferreira Andrade

Advogado em Salvador/BA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Danilo Ferreira. Considerações sobre a fixação do valor indenizatório mínimo pelo juízo penal (art. 387, IV, do CPP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2718, 10 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17982. Acesso em: 23 dez. 2024.

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