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Da substituição da multa administrativa ambiental.

Análise do artigo 76 da Lei nº 9.605/98

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22/12/2010 às 17:23
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IV - MOMENTO DO PAGAMENTO

A aplicação do disposto no art. 76 da Lei nº. 9.605/98 demanda a solução da discussão quanto ao momento do pagamento da multa exarada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, especialmente se este deve se dar anteriormente à autuação realizada pelo órgão ambiental.

A despeito da existência de posições em contrário [01], considero que inexiste a necessidade de o pagamento da multa ter sido promovida anteriormente à lavratura do auto de infração pelo ente federal.

Conforme explanado anteriormente, a atuação do Ibama em sede de fiscalização das condutas lesivas ao meio ambiente cujo licenciamento ordinariamente está afeto às demais entidades do SISNAMA tem por essência a supletividade.

Assim, ao promover a autuação de determinada sanção ambiental, o Ibama – ressalvado os casos em que o licenciamento encontra-se dentre suas competências – auxilia o órgão ambiental de outra esfera da Federação na gestão ambiental, sem que, contudo, seja possível afastar-se a relação de prevalência do ente ordinariamente competente para o exercício do poder de polícia.

Destarte, caso haja identidade fática entre a autuação do órgão estadual, distrital ou municipal e aquela da lavra da entidade federal, o pagamento efetuado aos primeiros – independentemente de anterior ou posterior àquela realizada pelo ente federal – é capaz de permitir a substituição de que cuida o artigo 76 da Lei nº. 9.605/98.

Entender de forma diversa significa desconsiderar a prevalência do ente originariamente competente para a apuração das infrações cometidas no seu âmbito prioritário de atuação, desprestigiando sua independência e onerando em duplicidade o administrado/infrator.

Ao afirmarmos que o cerne da questão reside na prevalência do ente ordinariamente competente – desconsiderando a questão temporal para a solução da questão – surge a seguinte consequência: caso o infrator seja autuado e efetue o pagamento da multa lavrada pelo Ibama no exercício de sua competência supletiva anteriormente à lavratura do auto do ente ordinariamente competente – hipótese que não afasta a prevalência deste último –, apresenta-se legítimo o pleito de rever do ente federal – após efetuar o pagamento da multa estadual, distrital ou municipal – o valor pago ao Ibama, no limite do montante cobrado pelo outro ente do SISNAMA.


V - DIFERENÇA DE VALORES

Firmada a prevalência do órgão ordinariamente competente, surge a discussão da aplicação da substituição nas hipóteses em que o valor apurado pelo Ibama seja superior àquele apontado pelo órgão estadual, distrital ou municipal, sendo de se destacar, desde logo, o entendimento no sentido de que os valores cobrados pela autarquia federal que eventualmente excedam os montantes dos demais entes permanecem devidos.

O escopo do artigo 76 da Lei nº. 9.6005/98, diferentemente do quanto comumente afirmado pelos autuados, não está voltado apenas para a proibição do ne bis in idem, mas sim, principalmente, a garantir a prevalência da atuação do órgão ordinariamente responsável, por meio da prioridade conferida a suas sanções, inclusive como instrumento de estímulo aos ainda hoje, em boa parte, incipientes órgãos municipais, estaduais e distritais de meio ambiente.

A prevalência, todavia, em nada afasta a concomitante atuação da autarquia federal de meio ambiente, a quem foi outorgada a condição de agente supletivo de proteção ao meio ambiente (art. 11 da Lei nº. 6.938/81), atribuição cujo exercício abarca a análise dos "critérios" e "padrões" de qualidade ambiental adotados pelos demais entes ambientais.

As multas por infrações ambientais, atualmente descritas, em âmbito federal, pelo Decreto nº. 6.514/08, comportam duas espécies de bases de cálculo: a) aquelas em que o valor é aferido por meio da multiplicação de unidade de medida por um valor fixo (v.g., art. 46 do decreto, que pune aquele que transforma madeira nativa em carvão sem a devida autorização, na razão de R$ 500,00 [quinhentos reais], por metro cúbico de carvão-mdc); e b) os casos em que o decreto abre espaço para a autoridade julgadora fixar, com base nas circunstâncias do caso concreto, o montante que será multiplicado pela unidade de valor exposta na norma (v.g., art. 44 do decreto, tipificador da conduta de cortar árvore em área de preservação permanente, cuja sanção está na ordem de R$ 5.000,00 [cinco mil reais] a R$ 20.000,00 [vinte mil reais] por hectare ou fração, ou R$ 500,00 [quinhentos reais] por árvore, metro cúbico ou fração).

Assim, observa-se que a mesma hipótese fática pode acarretar aferição de montantes díspares pelos entes ambientais, seja pela divergência quanto à quantificação da materialidade do delito – como pode ocorrer quando os entes do SISNAMA divirjam quanto ao tamanho da área de devastada, por exemplo –, seja pela discordância na análise das circunstâncias do caso concreto, o que pode levar a definição de unidades de medida desiguais.

Nos casos em que referida divergência resultar na apuração de montante maior pelo ente federal, considerar que o pagamento da multa, ao ente estadual, distrital ou municipal, em valor inferior é suficiente para afastar toda a sanção aplicada pelo Ibama implica em ignorar que a amplitude de sua atuação fiscalizatória/supletiva abrange a possibilidade de rever os critérios e padrões utilizados pelos entes do SISNAMA (art. 11 da Lei nº. 6.938/81).

Assim, da mesma forma que o Ibama pode aplicar sanções cautelares mesmo em situações em que o Administrado possua licença do órgão competente – caso a autarquia federal as repute inválidas – também se mostra legítimo à instituição discordar dos parâmetros utilizados pelo ente ordinariamente competente, para fins de estabelecer montante de multa diverso.

Caso o pagamento da multa ao ente estadual, distrital ou municipal de meio ambiente – independentemente do valor a menor – fosse suficiente para substituir a totalidade da multa aplicada pelo Ibama, estar-se-ia, por via reflexa, negando a discricionariedade técnica no exercício do poder de polícia supletivo da autarquia federal.

Como se faz possível conceber o efetivo acompanhamento e fiscalização dos parâmetros de qualidade ambiental por parte do ente federal se este estiver adstrito à apuração realizada pelos entes fiscalizados, não lhe sendo dado discordar dos montantes aferidos?

Assim, enquanto responsável pela atuação supletiva, o Ibama pode aferir valores diversos para as multas advindas do mesmo fato analisado pelos entes estadual, distrital ou municipal do SISNAMA, discordando, por meio de sua discricionariedade técnica, dos critérios por este adotados, apresentando-se como legítima a substituição da multa tão-somente no limite da identidade de seus valores, permanecendo devida à autarquia federal a eventual diferença.

A assertiva acima não implica em violação ao princípio da proibição do bis in idem, eis que este se volta a impedir que o indivíduo seja duplamente punido pelo mesmo fato, circunstância que inexiste no caso em discussão, posto que o valor da autuação do ente estadual, distrital ou municipal será descontado da autuação do Ibama, sendo a eventual diferença resultante de circunstâncias e fatos não considerados pelo outro órgão, seja pela divergência de quantificação da infração, seja pela análise diferenciada quanto às particularidades do caso em concreto.

Portanto, a divergência dos valores decorre de apreciações diversas da questão, inexistindo pagamento em duplicidade pelo mesmo fato, nem, por conseguinte, violação à proibição do bis in idem.

Importante ressaltar-se, ademais, que a divergência no montante pode decorrer ainda das diferentes prescrições normativas incidentes sobre as atividades da Administração federal, estadual, distrital ou municipal. Noutras palavras, é possível que a divergência de valores decorra da aplicação pura e simples, por meio de subsunção, das normas específicas de cada ente, sem que haja qualquer discussão quanto a aspectos fáticos.

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Tal ocorre, por exemplo, quando o Decreto federal nº. 6.514/08 prevê, em seu artigo 46, para a hipótese de transformar madeira nativa em carvão sem a devida autorização, sanção de multa calculado na razão de R$ 500,00 (quinhentos reais), por metro cúbico de carvão-mdc, sendo possível que a legislação estadual, distrital ou municipal estabeleça o valor de R$ 100,00 (cem reais) pela mesma base de cálculo, em idêntico tipo legal, circunstância capaz de causar divergência no montante mesmo que as entidades concordem com a quantidade do produto.

Conforme leciona a doutrina administrativista, a atividade do ente público é orientada fundamentalmente pelo princípio da legalidade, de forma que sua conduta só tem lugar nas hipóteses legais, e dentro de tais limites.

Haja vista que a atividade administrativa encontra-se vinculada à norma, inclusive admitindo-se a discricionariedade tão-somente nas hipóteses previstas e dentro da margem estabelecida pela própria legislação, afastar o montante fixado pelo ente federal pelo simples motivo de a legislação estadual, distrital ou municipal prever parâmetro diverso implica negar o alicerce mesmo da atividade administrativa federal.

Quando o decreto federal estipula o cálculo do valor com base em determinada "alíquota", não é dado ao agente público do Ibama atuar em dissonância com a norma, razão pela qual afastar sua incidência quando houver divergência com a legislação de outro ente significaria impedir a atuação mesma da autarquia federal.

Assim, nas hipóteses em que a diferença normativa entre os entes implicar em cálculo diverso – ainda que os órgãos concordem quanto aos aspectos fáticos do ilícito –, a substituição da multa deverá respeitar a eventual diferença a maior apurada pelo ente federal, única forma de prestigiar a eficácia da legislação federal, cuja observância pelo Ibama é compulsória.

Por fim, conforme afirmado acima, a alteração promovida pelo advento do Decreto nº. 6.686/08 trouxe a possibilidade de a substituição ser realizada quando houver a celebração de instrumento de reparação/composição do dano ambiental causado, desde que haja participação do ente federal.

Todavia, dispõe o artigo 143 do Decreto nº. 6.514/08 que o "valor dos custos dos serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente não poderá ser inferior ao valor da multa convertida", sendo garantido ao infrator o desconto de 40% (quarenta por cento) do valor da multa consolidada, havendo previsão de que, caso o valor dos serviços de melhoria ambiental seja inferior ao valor da multa, o restante deve ser aplicado em outras atividades proveitosas ao ecossistema.

Assim, caso o Ibama concorde com o termo de compromisso firmado, a eventual diferença de valores entre o montante cobrado pela autarquia federal e aquele demandado pelo ente estadual, distrital ou municipal deverá ser considerada para fins de garantir que, em sendo maior a multa aferida pelo Ibama, a diferença – aplicado o desconto de 40% (quarenta por cento) – seja aplicada nos serviços descritos 140 do Decreto nº. 6.514/08.

Por conseguinte, caso haja diferenças a maior em relação aos valores cobrados pelo Ibama e aqueles apurados pelos órgãos estadual, distrital ou municipal de meio ambiente, a substituição cinge-se ao limite do crédito, permanecendo a autarquia federal com a prerrogativa de cobrar a diferença de valores.


VI - CONCLUSÃO

A atuação comum dos entes públicos ambientais mereceu regramento expresso por parte da Lei nº 9.605/98, cujo artigo 76 aponta para a existência de relação de prevalência na conduta repressiva do ente ordinariamente competente para a fiscalização, amparado no critério da competência licenciatória.

A compreensão adequada do dispositivo, todavia, impõe a necessidade de apreciação da questão referente ao momento do pagamento, da constatação mesma desse pagamento – haja vista a possibilidade de conversão da multa em serviços de melhoria ambiental – e a eventual divergência de valores, discutidos no presente trabalho.

Dessa forma, deve ser estimulada a atuação harmônica dos entes públicos na seara ambiental, visando evitar que a sobreposição de medidas administrativas divergentes finde por prejudicar o escopo maior de proteção ambiental.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.

BRASIL. Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.

BRASIL. Lei de Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9985.htm>. Acesso em: 10 out. 2010.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009.

TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente. 2ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009.


Notas

1 TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente. 2ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pg. 116.

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Sobre o autor
Bernardo Monteiro Ferraz

Bacharel em Direito. Procurador Federal. Subprocurador Chefe Nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Bernardo Monteiro. Da substituição da multa administrativa ambiental.: Análise do artigo 76 da Lei nº 9.605/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2730, 22 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18094. Acesso em: 5 nov. 2024.

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