SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A RESPEITO DO ICMS. 3. ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. 3.1. Princípio da estrita legalidade tributária. 3.2. Fato gerador. 3.3. Obrigação tributária. 3.4. Crédito tributário e lançamento tributário. 4. NOÇÕES GERAIS SOBRE O ICMS. 5. DISCUSSÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO ICMS NAS OPERAÇÕES DA INTERNET. 5.1. Bitributação: causa e consequências. 5.2. O imposto sobre serviços de qualquer natureza. 5.3. A relação jurídica estabelecida entre o usuário final e o provedor de acesso à rede mundial de computadores. 5.4. A lei 9.472/97, suas lacunas e suas contradições para fins de incidência do ICMS. 5.5. Imunidade tributária, uma questão a ser analisada. 6. CONCLUSÕES. BIBLIOGRAFIA. LISTA DE ABREVIATURAS.
1. INTRODUÇÃO
O Direito, enquanto ciência jurídico-positiva, é um conjunto de normas e princípios que regulam as condutas humanas entre os sujeitos através de valores advindos do mundo fenomênico.
Essas normas e princípios jurídicos garantem um poder de império ao Estado, notadamente na esfera pública, quando o Estado Soberano impõe regras de conduta aos cidadãos.
O Direito Tributário Brasileiro, ramo do Direito Público do Ordenamento Jurídico, como expressão máxima da atividade legiferante do poder estatal, apresenta uma série de implicações na atividade econômica do país, que se reveza na cobrança impositiva de taxas, contribuições e impostos.
Suas normas demonstram uma feição obrigacional, mas não no sentido privado das obrigações e sim enquanto imposição legal de entregar dinheiro ao Fisco. É a soberania fiscal do Estado se mostrando latente.
Ao tratar da possibilidade de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação nas operações da Internet, tentar-se-á evidenciar que essa possibilidade caracteriza uma quebra a inúmeras regras basilares do Ordenamento Jurídico Tributário, bem como foge das situações definidas em lei necessárias e suficientes à concretização do fato gerador do imposto em questão. Será traçada, portanto, uma tentativa em buscar a maneira mais justa de situar o tema proposto, justamente porque as normas cogentes do Direito Tributário revelam uma íntima ligação com o bem estar econômico da Nação.
Não é de se fazer tábula rasa ao fato de que a carga tributária brasileira é extremamente elevada, implicando numa série de restrições à situação econômica do contribuinte.
É por isto que a própria Constituição Federal estabelece limitações à voracidade fiscal do legislador. Esses limites foram determinados para que as normas tributárias impositivas não causassem estrondosas avarias ao contribuinte, uma vez que permitem a ingerência do Estado no patrimônio particular dos cidadãos.
A Internet, inserida neste contexto, enquanto uma das mais revolucionárias maravilhas do mundo moderno da tecnologia, apresenta uma relevante função social para o desenvolvimento do Estado.
Surgida nos Estados Unidos da América do Norte, mais especificamente pelo Departamento de Defesa americano, em 1968, servia como um instrumento destinado a auxiliar a comunidade científica a obter informações e a realizar pesquisas, colher dados que lhe fornecesse condições de estruturar estratégias de defesa em casos de ataques ou bombardeios.
Com o passar dos anos, a sua popularidade aumentou de uma maneira avassaladora e foi se tornando um acessório indispensável na vida econômica da empresas, bem como na vida pessoal de cada cidadão do mundo inteiro.
Hoje em dia, é inegável que esta rede mundial exerce tremenda influência no cotidiano das pessoas, bem como no desenvolvimento das pequenas empresas até as mais sofisticadas multinacionais e, inclusive, do próprio Estado. Tudo por conta da inexplicável facilidade que ela proporciona aos seus usuários para qualquer fim que cada um deles se digne a destiná-la.
Assim, cotejando a intensa voracidade do legislador brasileiro em instituir tributos e a da autoridade fazendária em cobrá-los com a extrema importância que a Internet exerce hoje pelo mundo inteiro, é preciso avaliar se a tributação nas operações da rede não irão de encontro aos interesses econômicos da nação como um todo.
É necessário analisar qual a alternativa tributária mais viável para taxar as operações da Internet, sob pena desta tributação causar sérios problemas ao país.
Ao tratar da possibilidade de incidência do ICMS na Internet, mister analisar, cuidadosamente, a natureza jurídica do imposto, bem como, principalmente, suas alíquotas, sua base de cálculo e seus contribuintes, para, então, verificar se essa exação não importará em detrimentos sócio-econômicos para os cidadãos brasileiros.
Ao buscar ajuda nas construções doutrinárias pertinentes ao tema, percebe-se que, além da parca bibliografia, os estudiosos do assunto se dividem quanto a possibilidade de incidência do ICMS nas operações da rede.
Deste modo, através de uma pesquisa investigativa, fundamentada num silogismo baseado no estudo das normas e dos princípios tributários e utilizando-se de uma coleta bibliográfica na busca de informações em livros, revistas e periódicos, constatou-se que os objetivos foram verificar a possibilidade de incidência de ICMS nas operações da rede, em face do que dispõe o artigo 2°, inciso III da Lei Complementar 87/96 (que descreve as hipóteses de incidência desse imposto) e, mais especificamente, examinar se essa tributação não acarretará uma elitização de acesso à rede, observar se o Ordenamento Jurídico permite essa cobrança sem que seja violado o princípio da Estrita Legalidade Tributária e infringida a proibição da bitributação e analisar alternativas tributárias viáveis para a questão da tributação nas operações da rede.
Metodologicamente, divide-se a monografia em capítulos. Além do capítulo introdutório, no capítulo segundo traça-se considerações básicas sobre o ICMS, na intenção de descrever as suas características e dissertar sobre a origem histórica do imposto. No terceiro, relaciona-se todos os institutos jurídicos do Direito Tributário Brasileiro relevantes para uma melhor elucidação do tema proposto. No quarto, esboça-se noções gerais sobre o fato gerador e a hipótese de incidência do ICMS. No quinto, trata-se, mais especificamente, das questões jurídicas pertinentes a possibilidade ou não possibilidade de incidência de ICMS nas operações da rede, estudando algumas alternativas viáveis para o aspecto da tributação nas operações da Internet.
2. Considerações Preliminares a respeito Do ICMS
a hipótese de incidência do ICMS já foi palco para muitas divergências doutrinárias entre políticos, tributaristas e juristas de renome no cenário nacional. Isso porque, por estar o Direito Tributário extremamente ligado à Ciência Financeira, e, consequentemente, à saúde econômica do país e dos contribuintes, enquanto uns viam na possibilidade de alargamento da esfera tributável do ICMS mais uma gloriosa fonte de receita para o Estado, outros crucificavam essa possibilidade em prol dos interesses dos cidadãos, os quais têm de arcar com o ônus da pesadíssima tributação brasileira.
O ICMS passou por uma larga evolução dentro do Direito Tributário Brasileiro. Trocou duas vezes de nomenclatura. Inicialmente foi capitulado como Imposto de Venda e Consignações (IVC), sendo substituído mais tarde pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e, finalmente, culminou no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
Desde a sua criação até sua atual regulamentação pela Lei Complementar n° 87/96, foi submetido a normas de decretos-lei, leis complementares, convênios, resoluções e várias discussões foram travadas a respeito do que realmente seria o fato gerador deste imposto.
Na sua redação original, o CTN, ao tratar dessa questão, chegou a imprimir uma natureza mista à hipótese de incidência do ICMS quando esta versava sobre operação de fornecimento de mercadorias cumulada com obrigação conjunta de sua respectiva instalação (leia-se prestação de serviço).
Com o advento do Decreto-lei n° 406 de 31.12.1968, o legislador houve por bem determinar que o ICMS incidiria apenas sobre operações relativas à circulação de mercadorias, assim entendidas como a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor; a entrada em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento; e o fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias em restaurantes, bares, cafés e estabelecimentos similares (artigo 1° do Decreto-lei 406/68).
Entendeu, ainda, o legislador constituinte, no afã de discriminar as rendas tributárias, necessário tipificar os serviços que serviriam de base para a cobrança de um outro imposto, o ISS. Elencou-os, com base num sistema de lista, onde cada item constitui uma hipótese de incidência distinta do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
E mais, textualizou, no artigo 8°, parágrafo 2° do Decreto-lei 406/68, que o fornecimento de mercadorias cumulado com prestação de serviços não especificados na referida lista, fica sujeito ao ICMS.
Tentou-se, dessa forma, a perfeita distinção entre as hipóteses de incidência dos dois impostos (ICMS e ISS).
Entretanto, como é sabido:
Por mais que se procure ver, no Direito, somente conceitos lógico-jurídicos, ele traz, no seu bojo, conceitos histórico-contingentes, pois o Direito é, também, ciência de experiência. Assim, quando os doutrinadores propugnam uma autonomia, o que estão sustentando, no fundo, é que a aplicação dos princípios da disciplina não satisfaz as exigências da justiça (MARINHO, 1978, p. 101).
Assim, ao levantar a bandeira de que são os fatos cotidianos que, uma vez repetidos inúmeras vezes (experiência), é que batem à porta do mundo jurídico para serem jurisdicizados e, levando em conta que o progresso tecnológico e científico demanda a necessidade de novas regras serem impostas, novamente a discussão acerca da hipótese de incidência do ICMS foi acesa.
Não bastou que o legislador especificasse quais os serviços que ficariam fora do alcance tributável do imposto sobre circulação de mercadorias. Com o decorrer dos anos, novos serviços foram postos à disposição da comunidade, novos produtos foram chegando às prateleiras do mercado e a demanda consumidora aumentou cada vez mais. Foram surgindo novas relações entre o produtor, comerciante, industrial e o consumidor e, muitas delas, não encontravam guarida na hipótese de incidência do então ICM.
Foi com a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de Outubro de 1988, que o ICM teve seu âmbito tributável alargado. Passou a abranger, também, as operações sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Assim preceitua o artigo 155, inciso II da Carta Magna Brasileira:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Da exegese do supra citado dispositivo constitucional, verifica-se que a esfera de incidência do antigo ICM passou a abranger as operações relativas à prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Mas somente esses dois tipos de serviços. Assim todos os demais ficam sujeitos à hipótese de incidência do ISS, razão pela qual a sua sigla deveria ter sido alterada para ICMDS ou ICMSS e não apenas ICMS o que indicaria tão somente que os serviços que estão sob a égide o ICMS são apenas o de tranporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Mas não foi só a hipótese de incidência do ICMS que a CF/88 alterou. No artigo 34, § 8° do ADCT, determinou o legislador que se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não fosse editada lei complementar para regular a instituição desse imposto, tal tributo se regeria por convênios celebrados entre os estados-membros da Federação. E foi o que aconteceu por oito anos. Já em Dezembro de 1988 foi celebrado o Convênio n° 66. Este convênio traçou normas gerais sobre o ICMS e vigorava em todo o país. Preencheu uma lacuna da lei, no período compreendido entre 1988 e 1996, quando da edição da Lei Complementar n° 87, que veio regulamentar, definitivamente, a matéria. Pouco depois da promulgação desta lei, o Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no dia 21 de Março de 1997, considerou inconstitucional tal convênio, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 715-7-DF, fundamentando o julgamento na natureza provisória desse ato normativo.
A Lei Complementar 87/96 repetiu o que já rezava o texto constitucional, vindo atender, apenas, ao disposto no inciso XII do parágrafo 2° do artigo 155 da CF/88, que determina caber à lei complementar estabelecer normas gerais a respeito do ICMS (fixar alíquotas, base de cálculo, fato gerador, determinar o sujeito passivo, etc).
Atualmente, embora o ICMS já esteja regulamentado como previu o legislador constituinte, ainda muitas batalhas são travadas quando a discussão gira em torno do fato gerador do tributo ou de sua hipótese de incidência. E, mesmo que exista uma lei especificando quais as situações passíveis de incidência do ICMS, sempre vai haver uma tentativa, através dos princípios e da analogia, de enquadrar na letra legal aquilo que ali não está descrito. Obviamente por parte de quem se beneficiará com isso. E, provavelmente, não será o contribuinte.
3. ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
O Direito Tributário Brasileiro é um ramo do Direito como outro qualquer e, portanto, rege-se pelos mesmos princípios e conceitos lógico-jurídicos do Ordenamento Jurídico em geral.
Entretanto, existem normas e fundamentos legais que lhe são peculiares, pois os efeitos visados pela Ciência Tributária têm natureza diversa do que aqueles buscados pelo Direito Penal ou pelo Direito Trabalhista. Cada área jurídica apresenta fins diferenciados, mas todos os ramos do Direito, como um todo, descendem de um tronco comum, a Constituição Federal.
É por isto que o CTN, em seu artigo 109, reza:
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
Nota-se, deste modo, que o Direito, enquanto ciência positiva, mas dinâmica, se curva a uma série de princípios gerais. No entanto, em sentido estrito, também estabelece normas próprias para cada ramificação de seu Ordenamento.
O Direito Tributário estuda, como o nome já revela, apenas o tributo tipo de receita derivada do Estado bem como visa limitar o poder de tributar e proteger o cidadão dos abusos decorrentes desse poder.
Vislumbra-se uma definição nítida do Direito Tributário Brasileiro no posicionamento de (MARINHO, 1978, p. 102), quando diz que A. A. Becker acha que o fato de o Direito Tributário ter conceitos e princípios característicos, não significa que ele é autônomo, e sim, porque é positivo. É uma qualidade inerente ao Direito Positivo deformar ou contrariar um dado da ciência pré-jurídica ou não. A nosso ver, é, justamente, o fato de ele ser positivo isto é haurir dados da experiência, que ele tem a possibilidade de não confundir-se com outros. Ele é Direito Tributário, e não, Civil, Administrativo, Penal, etc. Tem como conceito fundamental o tributo, que é dado jurídico-positivo e dá o âmbito da extensão do ramo. Evidentemente, que não se pode confundir o tributo com um contrato, uma indenização, uma multa etc. Em conclusão, opinamos que o Direito Tributário, embora não possa dissociar-se do fenômeno jurídico em geral, pelo fato de ser positivo, de entrar em contato com uma experiência, ele apresenta diferenças específicas em relação a outros ramos, embora estas não sejam ontológicas.
Pelo que se percebe da citação supra mencionada, é de uma clareza solar que o Direito Tributário apresenta características, conceitos e princípios que lhe são próprios. Mister, então, traçar algumas linhas sobre estes aspectos relevantes da Ciência Tributária.
3.1. Princípio da estrita legalidade tributária
A expressão própria da legalidade é a lei, que a caracteriza e a define. E só apresenta esse qualificativo a conduta que se enquadra nas previsões da lei. O legal na lei.
Dentro do mundo jurídico moderno, a lei assumiu o sentido de direito positivo. O direito legal suplantou o direito costumeiro e as constituições se preocuparam com o processo legislativo. O devido processo legal situa a tendência do direito ocidental a amparar-se sobre a base formal da lei com o fim de garantir ou gerar a validade dos atos.
O princípio da Legalidade, no direito brasileiro, se baseia em duas premissas básicas. A primeira assegura que a lei é a primeira e principal fonte do direito e a segunda revela que a lei é o critério qualificador do jurídico.
Transportando essas considerações para o campo do Direito Tributário, pode-se definir também duas premissas que são a base do princípio da Estrita Legalidade Tributária. Uma assevera que não há tributo sem lei que o institua e outra garante não haver sanção tributária sem cominação legal prévia. É o que se depreende da exegese do artigo 150 da CF/88.
Assim, o princípio da Legalidade garante aos cidadãos que não existirá tributo sem uma lei que o defina. Ou seja, somente através de lei é que se pode criar ou aumentar um tributo. Aliás, se somente a lei pode criar, somente a lei pode aumentar.
Nos países de organização democrática, principalmente no Brasil, impõe-se a necessidade de haver um controle à voracidade do legislador em criar tributos. Deste modo, a legalidade é a diretriz da tributação, pois se, todo poder emana do povo e a votação dos impostos é feita pelos representantes da vontade dos contribuintes, o princípio da Estrita Legalidade Tributária garante aos cidadãos que nada se submeterá ao arbítrio das autoridades administrativas. É justamente por essa razão que a CF/88, em seu artigo 146, inciso II, expressa que cabe à lei estabelecer regras limitadoras ao poder de tributar.
Nas palavras do festejado tributarista nordestino, a perfeita noção do princípio em questão.
Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu partrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária (MACHADO, 1998, p. 30).
Atendendo às regras traçadas pelo princípio da Legalidade, todos os impostos estão previstos e discriminados na Magna Carta Brasileira e instituídos em leis federais, estaduais e municipais, de acordo com as respectivas competências, conforme faculta o artigo 24, inciso I da CF/88.
Desse modo, diante das considerações traçadas a respeito do princípio da Estrita Legalidade Tributária, induvidoso é que esta legalidade é uma importante garantia dos cidadãos e que não pode ser desrespeitada, sob pena de ferimento da própria Constituição Federal e do direito de somente pagar um imposto se existir uma lei que o defina.
3.2. Fato gerador
Tão importante é a sua definição que alguns doutrinadores, partidários da autonomia do Direito Tributário, fizeram do fato gerador um conceito específico da área tributária. Realizaram a glorificação do fato gerador e tentaram explicar tudo através dele.
Todavia, admitir que o Direito Tributário se resume na teoria do fato gerador, é, nas palavras de (MACHADO, 1998, p.93) "o mesmo que afirmar que todo o Direito Penal se resume ao estudo da tipicidade".
Todo ramo do direito tem o seu fato gerador. Na esfera tributária, o CTN cuida desse fato imponível ao regular a matéria nos seus artigos 114 a 118. Descreve as situações em que possa o fato gerador se concretizar, para que surja a obrigação principal ou a acessória. Pode-se, portanto, definir fato gerador como as hipóteses, estabelecidas pela lei tributária, em que é devido o tributo. Ou, mais precisamente, é um fato concreto, acontecido no mundo fenomênico que, por corresponder rigorosamente a uma descrição hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal, faz surgir a obrigação tributária.
O fato gerador terá de ser sempre um fato econômico de relevância jurídica ou um fato jurídico de consistência econômica, cuja eleição, pela lei, se destine a servir de pressuposto para o surgimento da obrigação de pagar um tributo determinado (VALÉRIO, 1995, p. 66).
Do supra mencionado, depreende-se que não é o fato gerador que cria a obrigação tributária e sim a lei. O fato gerador é apenas um pressuposto material que o legislador estabelece para que a relação jurídica obrigacional se instaure. Completamente equivocados, portanto, aqueles que entendiam compreendida no conceito de fato gerador toda a ciência tributária.
Nota-se, portanto, que fato gerador e hipótese de incidência não são sinônimos, muito pelo contrário, são definições bem distintas.
A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, é simples previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto (MACHADO, 1998, p. 95).
Assim, para que o fato gerador exista e dê surgimento a uma obrigação tributária, é necessário que um fato fenomênico se subsuma à hipótese de incidência descrita na lei, pois se não houver esta subsunção não existirá fato imponível e, consequentemente, não haverá o dever de pagar o tributo.
A definição legal de fato gerador independe, para sua interpretação, tanto da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos, e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. Isto quer dizer que, praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei erigiu em fato gerador, está criada a obrigação para com o Fisco, e essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato (VALÉRIO, 1995, p. 72).
Em outras palavras, basta que a lei eleja as circunstâncias materiais e necessárias à concretização do fato gerador e à realização dos efeitos que lhe são próprios para que exista uma relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte.
A doutrina ainda divide o fato gerador em instantâneo e complexo. O primeiro se verifica quando no momento de sua ocorrência todos os elementos que o compõem se extinguem. É o que ocorre com o ICMS, pois no momento em que uma mercadoria sai do estabelecimento produtor, comercial ou industrial, no mesmo instante se realiza o fato gerador do imposto. Já o segundo tipo depende de uma série de verificações para se concretizar. Exemplo é o Imposto de Renda, que para a ocorrência do seu fato gerador é necessário que se faça várias apurações periódicas.
3.3. Obrigação tributária
Obrigação, nos moldes do direito privado em geral, é a relação jurídica que existe entre duas pessoas, em virtude da qual o sujeito ativo credor pode exigir do sujeito passivo devedor o adimplemento de uma prestação, que pode consistir em uma estipulação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
Portanto, para que se possa falar em verdadeira obrigação, é necessário que se estabeleça um nexo entre a relação de dever, expressa na norma jurídica, e a relação de sujeição relacionada com o adimplemento da prestação. Assim, esse nexo supõe, a priori, a existência de um débito.
No dizer de (SILVA PEREIRA, 1996, p. 05) "obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável".
Compõem, deste modo, o instituto jurídico da obrigação, duas situações que vinculam a relação jurídica obrigacional. Uma, é a existência do débito, cujo conteúdo é uma prestação correspondente a um crédito, que é uma expectativa de cumprimento daquela prestação nas condições e prazos estabelecidos. Outra, é a situação de sujeição, decorrente do inadimplemento da prestação mencionada, caracterizando a responsabilidade patrimonial, a qual corresponde um poder de constrangimento.
Salienta-se, ainda, que existem dois tipos de obrigação. A obrigação que decorre da vontade das partes e a obrigação que decorre da lei. O primeiro tipo de obrigação é típico do direito obrigacional civil, enquanto que o segundo caracteriza a obrigação pública tributária.
A obrigação tributária guarda uma série de afinidades com a obrigação civil, principalmente quanto aos pressupostos básicos que lhe dão origem. A sua peculiaridade, no entanto, provém do brocardo latino nullum tributo sine lege, o que significa que a obrigação tributária decorre da lei. A sua característica mais marcante é sua natureza publicística, portanto.
Com efeito, no pólo ativo da obrigação tributária, encontra-se, invariavelmente, uma pessoa jurídica de direito público, conforme preceitua o artigo 119 do CTN, enquanto que no pólo passivo figura sempre uma pessoa física ou jurídica cuja atuação ou situação de fato está descrita na norma jurídica como causa de imposição, nos termos do artigo 121 do CTN.
Assim, toda vez que o sujeito passivo realizar os pressupostos descritos na norma jurídica, terá a obrigação de entregar dinheiro ao Fisco. O objeto, portanto, da obrigação tributária é a prestação pecuniária exigível do sujeito passivo a título de tributo.
A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. Em virtude do princípio da legalidade, essa norma há de ser uma lei em sentido restrito, salvo em se tratando de obrigação acessória, como adiante será explicado. A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma (MACHADO, 1998, p. 88).
Em suma, com a ocorrência do fato gerador (fato imponível), nasce a dívida, ficando pendente o nascimento da situação ativa, que se realizará, posteriormente, com o lançamento.
A obrigação tributária subdivide-se em principal e acessória, nos termos do artigo 113 e seus parágrafos do CTN.
A obrigação principal tem por objeto a prestação de dar dinheiro, que se expressa através do pagamento de um tributo ou de uma penalidade pecuniária. Essa obrigação nasce com o fato gerador do tributo, sendo que esse fato é a realização de uma hipótese de incidência previamente descrita na lei que instituiu o tributo. Deste modo, se não houver lei anterior, não haverá hipótese de incidência, nem fato gerador, nem obrigação tributária e nem penalidade pecuniária. O princípio da Legalidade impera absoluto.
Já a obrigação acessória decorre da legislação tributária e a inobservância do sujeito passivo em relação a esta obrigação a converte em obrigação principal, porque resulta na aplicação de penalidade pecuniária. Fica, portanto, na dependência da lei.
Assim, diante das linhas traçadas a respeito da obrigação tributária, cita-se o magistério de (FANUCCHI, 1974, p. 214) ao afirmar que a obrigação tributária tem os mesmos elementos da obrigação em geral, só que possibilita de logo saber-se de que feição são especificamente os seus componentes. Assim, sabe-se que o sujeito ativo é a entidade tributante, isto é, uma entidade pública à qual se outorga competência para lançar tributo; que o sujeito passivo é pessoa, física ou jurídica, colocada sob a autoridade impositiva da entidade tributante; que o objeto da obrigação é o pagamento (principal) ou a prestação de fazer ou não fazer alguma coisa prescrita em lei (acessórias); e que a causa da obrigação é o fato gerador, isto é, a situação prescrita em lei como necessária e suficiente para que se justifique a prestação.
A obrigação tributária é, portanto, ex lege, para impor ao contribuinte o ônus de pagar uma série de tributos, que serão sempre exigidos em virtude de lei e cobrados pela autoridade fazendária, com o fim de arrecadar receita para o Estado.
3.4. Crédito tributário e lançamento tributário
Uma vez nascida a obrigação tributária, quando da realização do fato gerador, ela tem de ser determinada, no seu quantum, no prazo legal e na identificação do sujeito passivo. Do momento em que este toma ciência do débito, diz-se que há um crédito tributário em favor da Fazenda Pública e que só pode ser exigido após o lançamento.
O crédito é a prestação, é o direito creditório quantificado e decorrente da apuração da obrigação principal. Tem a mesma natureza desta, pois ele é a própria obrigação depois de apurada e expressa em conceito absolutamente determinado, ou seja em quantia. Como o próprio CTN define, em seu artigo 139, "o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta".
Para todos os efeitos jurídico-legais, considera-se o crédito tributário formalmente constituído na data do ato administrativo do sua notificação ao sujeito passivo. Nesta data ele é constituído formal e validamente, como ato administrativo definitivo.
Em face da obrigação tributária, o Estado ainda não pode exigir o pagamento do tributo. Também em face das chamadas obrigações acessórias não pode o Estado exigir o comportamento a que está obrigado o particular. Pode, isto, sim, tanto diante de uma obrigação tributária principal como diante de uma obrigação acessória descumprida, que por isto fez nascer uma obrigação principal (CTN, art. 113, § 3°), fazer um lançamento, constituir um crédito a seu favor. Só então poderá exigir o objeto da prestação obrigacional, isto é, o pagamento (MACHADO, 1998, p. 120).
Corroborando com o ensinamento do citado mestre, salienta-se o magistério de outro renomado tributarista.
Na verdade, o direito à cobrança de tributos e penalidades nasce, para o sujeito ativo, pela ocorrência da situação descrita em lei como fato gerador da obrigação tributária e não pelo ato que estrutura o crédito que lhe é correspondente. O ato que faz aparecer o crédito é um ato simplesmente declaratório da existência daquele direito (FANUCCHI, 1974, p. 263).
Depreende-se, das palavras dos eminentes juristas, que a obrigação tributária nasce através da subsunção do fato imponível à hipótese de incidência descrita na lei e que o crédito tributário decorre, exatamente, dessa obrigação, mas depende sempre de um procedimento admininstrativo formal para que seja declarada a existência da obrigação, a sua quantia e a identificação do obrigado. Em suma, a obrigação é sempre indeterminada e o crédito é a sua própria determinação.
Assim, nascida a obrigação e constituído formalmente o crédito pelo lançamento regular, concluído com a notificação ao sujeito passivo, a partir da data desta ciência, está procedimental e definitivamente constituído o crédito.
Sábias as palavras transcritas a seguir, no sentido de resumir o processo de formação do crédito tributário. Diz (VALÉRIO, 1995, p. 100) que o pagamento do tributo, em cada caso particular, é precedido de três etapas: a primeira delas é a de soberania, isto é, desde que exista uma lei estabelecendo o tributo, a obrigação existe potencialmente, mas não concretizada, nem individualizada, de modo que toda e qualquer pessoa que venha a se encontrar na situação prevista na lei estará, em tese, obrigada ao pagamento do tributo. A segunda etapa é a de direito objetivo, pois ocorrendo na prática o fato gerador, ou seja, a situação prevista na lei como dando origem à obrigação, surge, automaticamente, naquele caso particular e em relação à pessoa de que se cogitar e nas circunstâncias dessa ocorrência, a obrigação em concreto, mas ainda não individualizada. Por último a etapa de direito subjetivo, em virtude da qual, oficialmente apurada pela autoridade administrativa a ocorrência de situação prevista em lei, verificadas as circunstâncias em que essa ocorrência se deu, calculado o montante do tributo e identificada a pessoa a quem compete pagá-lo, a obrigação, que na primeira etapa era abstrata e que na segunda se tornara concreta, pelo lançamento, se torna individualizada na pessoa do respectivo sujeito passivo, vale dizer, surge a obrigação tributária sob a forma de crédito de idêntico jaez.
O lançamento, portanto, é ato declaratório da existência de um crédito em favor do Fisco. Há quem sustente a tese de que o lançamento teria natureza constitutiva. O correto, entretanto, é que o lançamento é declaratório da obrigação tributária e constitutivo do crédito correspondente.
A natureza jurídica do lançamento tributário já foi objeto de grandes divergências doutrinárias. Hoje, porém, é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o lançamento não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório. Entretanto, no Código Tributário Nacional o crédito tributário é algo diverso da obrigação tributária. Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a mesma relação jurídica, o crédito é um momento distinto. É um terceiro estágio na dinâmica da relação obrigacional tributária. E o lançamento é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito tributário. Antes do lançamento existe a obrigação. A partir do lançamento surge o crédito (MACHADO, 1998, p. 123).
O CTN traz, em seu artigo 142, a definição de lançamento. E o artigo 144 diz que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei vigente. Isto significa, portanto, que o lançamento é apenas ato declaratório, dando forma ao crédito decorrente da obrigação. E, ainda, que do lançamento resultam dois efeitos importantes. O primeiro, naturalmente, é a constituição do crédito tributário, possibilitando a exigibilidade da obrigação correspondente e o segundo é o de retroagir até a data da ocorrência do fato gerador respectivo, regendo-se pela lei vigente na época da concretização do fato imponível submetido à hipótese de incidência descrita na lei.
Importante ressaltar, ainda, que existem três modalidades de lançamento. O lançamento de ofício, o lançamento por homologação e o lançamento por declaração. O primeiro é o lançamento de iniciativa e execução do Fisco. Ocorre nas hipótese elencadas nos incisos do artigo 149 do CTN. O segundo trata de lançamento pertinente àqueles tributos cujo pagamento é feito antecipadamente pelo sujeito passivo e que requer homologação pelo Fisco num prazo de cinco anos. E o último é aquele lançamento efetuado com base na declaração do devedor ou de terceiro, quando um ou outro, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato.
Diante das considerações acima traçadas, o lançamento, seja ele realizado unilateralmente pela autoridade fazendária lançamento de ofício ou seja ele feito com base em informações prestadas pelo contribuinte lançamento por declaração ou, ainda, seja ele efetuado antecipadamente pelo contribuinte e referendado posteriormente pelo Fisco lançamento por homologação para ser efetivamente realizado, depende sempre da prática de um ato (ou de uma série de atos) da autoridade administrativa na finalidade de converter a obrigação principal em crédito tributário.