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Bug do milênio: quem é o culpado?

23/12/1998 às 00:00
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Eniac foi o primeiro computador criado pelo homem, na década de 40. De tamanho exagerado, costumava atrair insetos pelo calor produzido em suas válvulas. Os percevejos acabavam causando problemas e à esse tipo de defeito foi dado um nome: bug, que em inglês significa inseto.

Atualmente a palavra em evidência é o bug do milênio, um defeito que poderá atingir 90% dos 300 milhões de computadores existentes no mundo. O bug decorre da opção dos fabricantes em restringir os campos de data em apenas dois dígitos. Para economizar memória, os programadores optaram pela representação da data com os dois últimos algarismos (1998 como 98, 1999 como 99 e 2000 como 00). Essa opção vigora também em 2% dos 40 bilhões de microprocessadores embutidos em diversos artefatos eletrônicos como elevadores, semáforos, telefones e equipamentos médicos. O Problema é que o ano 2000 será reconhecido como "00", o que desencadeará uma série de operações ilógicas e equivocadas em todos os sistemas informatizados.

Dada a importância do problema, países como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Inglaterra lideram a corrida contra o tempo, procurando adaptar seus sistemas. Entretanto, as previsões não são otimistas. Rússia, China, parte da Europa e países em desenvolvimento deverão experimentar problemas graves. Até mesmo as nações na vanguarda não deverão alcançar a adaptação plena. Apenas para lembrar, hoje quase tudo depende ou está interligado em sistemas informatizados.

O Gartner Group prevê que 30 a 50% das empresas no mundo deverão apresentar problemas em sistemas críticos, vitais para a atividade base. No Brasil, 33% das empresas terão a falha crítica e deverão pagar por isso em torno de U$ 20.000 a U$ 3,5 milhões cada uma. Edward Yardeni prevê 70% de possibilidade de uma recessão mundial. Os custos mundiais estão avaliados entre U$ 1 a U$ 2 trilhões, o que equivaleria a 10% da economia de memória feita com a opção do dígito de data duplo. Para o Brasil, estima-se que o governo federal deva gastar U$ 1,4 bilhão.

Nosso país, 15 meses atrás dos Estados Unidos e com apenas 3 em cada 10 empresas se adequando, poderá sofrer com essa demonstração da imperfeição humana. Estudiosos alertam para 80% das instituições médicas e respectivos equipamentos defeituosos que poderão causar mortes em UTI’s e também para as viagens aéreas (diversas empresas não aceitam reservas para o período crítico).

O fenômeno bug já causa estragos, antes mesmo da virada do ano 1999. No início de 1998, a Federação Internacional dos Controladores de Vôo testou o sistema de controle do trafego aéreo e conclui que as telas de radar ficarão brancas, caso não seja feita a devida adaptação.

Como os danos serão inevitáveis, a questão jurídica se emerge como a área fundamental à sobrevivência de qualquer um. Atualmente já é possível resolver jurídicamente diversas implicações inerentes ao bug. Nos Estados Unidos já existem 20 processos cobrando indenizações, diversos projetos de lei em tramitação e mais de 200 acordos firmados entre U$ 1 a U$ 10 milhões. Estima-se que para cada dólar não gasto em adaptação, haja o desembolso de cinco, com as indenizações judiciais alcançando U$ 1 trilhão no mundo. O Brasil fica com U$ 20 bilhões.

Ninguém está livre da responsabilidade jurídica. O efeito bug atinge a todos, sem distinção, até mesmo aquele que não possui computador. As Leis brasileiras são suficientes para a atribuição da responsabilidade, destacando-se a proteção exemplar disposta no Código do Consumidor. Contratos devem ser analisados, o "recall" estudado e o seguro merece lugar como eventual apoio.

Alguns exemplos das diversas ações envolvendo o bug do milênio: Cíveis de consumidores contra o fornecedor de produtos ou serviços de informática visando a reparação do vício ou defeito (dano); Cíveis de consumidores contra o fornecedor de produtos ou serviços em geral visando a reparação do vício ou defeito (dano); Cíveis de terceiros contra o causador (responsável) de eventuais prejuízos visando a respectiva indenização; Cíveis regressivas contra terceiros responsáveis pelo dano/vício objetivando a respectiva indenização; Cíveis de acionistas contra os Administradores de companhias negligentes objetivando a respectiva indenização; Penais contra a pessoa física por ato culposo ou doloso inerente a responsabilidade penal do Bug do Milênio.

No campo preventivo, o cerne da questão está na responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços inerentes à informática e do respectivo usuário. Todo aquele que sofrer prejuízo, inclusive as despesas de adaptação, em virtude da falha (bug) poderá processar o responsável e cobrar os danos ocorridos.

O bug do milênio é, sem dúvida, um fenômeno grave, com consequências abrangentes e que merece a devida atenção em todos os setores, em especial o jurídico. O Brasil, na condição de sexto maior usuário de computadores no mundo, não pode ficar inerte. A omissão traz a responsabilidade e os riscos, inclusive do processo falimentar.

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Sobre o autor
Renato Opice Blum

advogado e economista em São Paulo (SP), professor da FGV, PUC, IBMEC/IBTA, UFRJ, FIAP e ITA/CTA, árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (FIESP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BLUM, Renato Opice. Bug do milênio: quem é o culpado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1817. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

O autor também escreveu o primeiro livro brasileiro sobre o bug do ano 2000 na área legal-financeira ("O bug do ano 2000 – aspectos jurídicos e econômicos") e patrocinou a primeira ação sobre o bug no Brasil.

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