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Os refugiados ambientais e o Direito Internacional face às normas constitucionais e infraconstucionais do Estado brasileiro

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05/01/2011 às 10:14
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Resumo

Muitos diplomas legais foram sendo reformados no curso do século XX. O mesmo acontece agora. Portanto, este trabalho avança em novas discussões sobre o meio ambiente e os refugiados ambientais, as normas constitucionais e infraconstitucionais do Brasil frente ao Direito Internacional.

Pretendeu-se, com esta pesquisa, uma primeira análise crítico-jurídica que fundamenta o direito público subjetivo do cidadão, no caso dos refugiados frente aos aparatos climáticos, naturais e sociais de deslocamento e expulsão ambiental, sendo que a relação jurídica não pode mais ser desconstituída, face aos princípios fundamentais da dignidade humana em níveis globais.

Palavras-chave: refugiados ambientais, direito internacional, constituição, Estado Brasileiro, normatização.

Abstract

Many legal instruments have been reformed and changed during the 20th century. The same happens now. Therefore, this article goes on about new discussions on the environment and the environmental refugees, brasilian constitutional and infra-constitutional laws facing International Law. With this research, it was intended, at first, a critical analysys which is the foundation of the subjective right of citizens, in the case of the environmental refugees facing the climate problems, natural and social of being dislocated and suffering environmental expulsion, taking in perspective that a protection has to be effective, facing the fundamental principles of human dignity in global levels.

Key-words: environmental refugees, international law, constitution, Brasilian Estate, regulation.


1 INTRODUÇÃO

Delineam-se, neste trabalho, tendências que sugerem alterações normativas positivadas e doutrinárias ao estudo dos refugiados ambientais na década que se inicia. Novos horizontes e novas realidades levarão a "aldeia planetária" a considerar o Meio Ambiente e os Refugiados Ambientais como centro de preocupações nos anos vindouros. As alterações demográficas, os segmentos de demanda em ascensão, a alteração dos sistemas de valores e a procura da maior qualidade de vida que modificam índoles sociais, o instituto jurídico de refúgio, são o tema central de competência basilar e principal análise na proposta que se apresenta.

Nesse cenário, o Direito Internacional e o Estado Brasileiro emergem como importantes salvacondutos para a ajuda humanitária de proteção aos refugiados ambientais. É preciso, porém, que os países em desenvolvimento implantem reformas políticas e econômicas, e se adaptem ao fenômeno da globalização.

Aumenta a necessidade de pesquisas básicas e aplicadas e de estudos que façam prognósticos para apoiar o planejamento estratégico do Direito de Refúgio em seu aspecto global, em países que se posicionam no cenário mundial.

A revisão de literatura é interdisciplinar, tanto na doutrina do meio ambiente, quanto nas perspectivas doutrinário-jurídicas do tema estudado, em sua relação com o Direito. Assim, está diluída na ênfase doutrinária, o que se aprima aos deslocados internos do Brasil, assim como, aos deslocados externos de outras partes do planeta.

Trata-se, portanto, de um estudo coerente com a cooperação internacional e o meio ambiente, sendo o assunto discutido como uma questão de direito e exercício da cidadania.


2 O ESTADO E O DIREITO INTERNACIONAL

O Estado é um membro originário e principal sujeito, sendo, para alguns, o criador dos demais sujeitos. O Estado moderno, no desempenho de sua finalidade, qual a de conservar e desenvolver as condições da vida em sociedade, exerce três funções distintas, conquanto harmônicas entre si, correspondentes aos três poderes - Legislativo, Executivo e Judiciário - em que distribui o seu poder soberano, as funções legislativa, administrativa e jurisdicional.

Como legislador, o Estado estrutura a ordem jurídica. Formula as leis destinadas à conservação e desenvolvimento da vida em sociedade. Realizando a ordem jurídica, aplica a lei. Aplica-a no exercício de sua função administrativa, de garantia do bem comum, ou no exercício de sua função jurisdicional, de compor conflitos de interesses perturbadores da paz jurídica.

A jurisdição é uma das funções da soberania do Estado. Função de poder, do Poder Judiciário. Consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e a autoridade da lei. A função jurisdicional é, assim, como que um prolongamento da função legislativa, e a pressupõe. No exercício desta, o Estado formula as leis, que são regras gerais abstratas reguladoras da conduta dos indivíduos, tutelares de seus interesses e que regem a composição dos respectivos conflitos; no daquela, especializa as leis, atuando-as em casos ocorrentes.

O Estado também é um grupo de indivíduos organizados em um território. Se o direito existe por e para os indivíduos, logo todo Estado é ligado a este direito que é ligado aos indivíduos. O problema é que a soma das partes não é igual ao resultado em sociologia. As ações individuais não são as mesmas das ações da classe junta. A multidão se comporta de maneira diferenciada do que o somatório das ações dos indivíduos. É criticada, pois, pela teoria das multidões, ou seja, relações entre indivíduos isolados, uma vez que tais relações precisam ter validade para multidões.

Para Dallari (1998, p. 39) o Estado é dinâmico e centralizador:

[...] o estudo do Estado sob todos os aspectos, incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele. O que é importante observar, porém, é que o Estado, podendo ser abordado de diferentes perspectivas, apresenta-se como um objeto diverso, segundo o ponto de vista do observador. É possível, entretanto, fazer-se um agrupamento das múltiplas orientações, reduzindo-as a três diretrizes fundamentais: a) uma orientação que se poderia identificar com uma Filosofia do Estado, enfatizando a busca de uma justificativa para o Estado em função dos valores éticos da pessoa humana, acabando por se distanciar excessivamente da realidade concreta e por colocar em plano nitidamente inferior as preocupações de ordem pragmática; b) uma segunda orientação coloca-se em sentido oposto, procurando ser eminentemente realista, dando absoluta preponderância aos fatos concretos, [...].

Quando o Direito Público se estabeleceu como ramo da Ciência do Direito, ao Estado não era atribuída nenhuma responsabilidade. Entendia-se que o Estado era absolutista - aquele que não poderia errar. The King can do no wrong (o rei não pode errar). Não havia como culpar o Estado por nenhuma atitude. O Estado era soberano e a soberania estava em se impor a todos sem compensação. Conforme definição de Laferrière apud Bandeira de Mello (2001): "O próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação". Paralelamente à soberania estatal surge o Estado de Direito e o Estado democrático de direito que vão evocar, em outros tempos, novos parâmetros da sociedade jurídico-social. Prevalece, neste período, no Mundo Ocidental, o Estado democrático de direito, que busca valores e adequações, em termos de direitos e deveres.

Ainda para Dallari (1998, p. 93) O Estado Democrático é um ideal possível de ser atingido, desde que seus valores e sua organização sejam concebidos adequadamente. Para atingi-lo, é imprescindível que seja atendido o seguinte pressuposto:

Eliminação da rigidez formal. A idéia de Estado Democrático é essencialmente contrária à exigência de uma forma preestabelecida. Tanto uma estrutura capitalista quanto uma socialista podem ser democráticas ou totalitárias, o mesmo acontecendo quando o poder é concentrado ou formalmente dividido, quando o governo é parlamentar ou presidencial, monárquico ou republicano. O Estado Democrático, para que realmente o seja, depende de várias condições substanciais, que podem ser favorecidas ou prejudicadas pelos aspectos formais, mas que não se confundem com estes. Para que um Estado seja democrático precisa atender à concepção dos valores fundamentais de certo povo numa época determinada. Como essas concepções são extremamente variáveis de povo para povo, de época para época, é evidente que o Estado deve ser flexível, para se adaptar às exigências de cada circunstância.

Para Fabrício da Mota Alves (2008) o Direito é um só. É uma norma superior. Sendo o Direito uma norma superior, o Estado democrático de direito mitiga e se envolve com o Direito de forma scricto sensu, traduzindo-lhe suas funções democráticas em valores fundamentais da dignidade e tutela do individuo na sociedade. Do Direito deduz-se a unidade do direito da identidade de um elemento metajurídico, de que emanam as normas fundamentais da convivência humana, ou que a tais normas dão a validade última e radical. Surgem organizações que vislumbram coadunar os direitos internacionais. Dentre elas, pode-se destacar a Organização Internacional que é uma associação voluntária de sujeitos do Direito, criada para desenvolver da melhor maneira possível as relações entre os Estados. Estes compreenderam que existem certos problemas que só podem ser resolvidos com a colaboração dos demais membros da Sociedade Internacional.

Daí as diversas correntes, variáveis segundo a entidade ou objeto indicado, como fonte primária e unitiva das regras jurídicas. Dividem-se em duas escolas: nacionalista e internacionalista. Essa adota a primazia do direito internacional sobre a ordem interna, de forma que as normas nacionais devem ajustar-se à ordem internacional. Aquela defende o primado do direito nacional de cada Estado soberano, relegando a norma internacional às matérias de caracteres secundárias e facultativas. Um verdadeiro culto à norma constitucional valoriza todas as outras. Primado do Direito Internacional (KELSEN, 2000) - "Decerto que somente o Direito internacional é capaz de limitar o poder estatal, de modo que o Estado não possa impor sua vontade aos órgãos da ordem jurídica internacional".


3 O DIREITO INTERNACIONAL

Para More [s.d.], o Direito Internacional – apud Fauchile, Von Liszt e Anzilotti - é um conjunto de normas jurídicas reguladoras das relações entre Estados soberanos. Ao longo da História se asseverou que o direito internacional era formado pelos princípios em vigor entre as nações independentes, mas ainda desconsiderando a existência de outros sujeitos de direito internacional que não os Estados.

As discussões em torno das relações entre o direito internacional e o direito interno são solucionadas por duas teorias clássicas: de um lado a dualista, de outro a monista. Para a primeira, existem duas ordens jurídicas distintas, a internacional e a estatal, cada uma com fundamento de validade próprio e reguladoras de relações distintas. O tratado produzirá efeitos domésticos após a sua aceitação e ao se transformar em norma jurídica nacional. A ratificação é o compromisso de produzir legislação interna atendendo às disposições do acordo internacional. A monista entende que uma única ordem jurídica, subdividindo-se em duas categorias: primazia do direito internacional sobre o nacional: e o primado do direito estatal sobre o internacional (PEREIRA, 2010)

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Nos dizeres de Pereira (2010), quatro novas tendências levaram o Direito Internacional a uma transformação evolutiva. A absoluta superação e o rompimento com interestatismo internacional, sendo que no campo normativo, o movimento de codificação do Direito Internacional, foi celebrado por um vasto número de tratados internacionais. Ocorreu no entendimento de Pereira (2010) o fenômeno da regionalização, em oposição ao caráter universalizador que o Direito Internacional apresentava na evolução do Direito na história da humanidade. A terceira tendência evolutiva, com supremacia e importância, desafios para a agenda internacional e para relações internacionais, foi a humanização originária que Declaração Universal dos Direitos Humanos e posteriores documentos internacionais de proteção à pessoa humana. Tais conquistas na leitura de Pereira (2010) cimentaram uma vitória para a humanidade e uma superioridade unívoca do Estado em regime de subordinação jurídica aos seus cidadãos. Finalmente, a cristalização do Direito Internacional, conforme Pereira (2010), foi a jurisdicionalização. Este instituto é o catalisador da evolução do Direito Internacional.

Cabe elucidar os ditames de Valério Mazzuoli (2006, p. 35-36), que se dão da seguinte forma:

Na medida em que se desenvolvem as regras de proteção internacional dos direitos humanos, avulta de importância a criação de tribunais internacionais de variada natureza para declinarem sobre as mais diversas questões envolvendo aspectos ligados à violações de direitos humanos. Procura-se, cada vez mais, superar os regimes das cláusulas facultativas, rumo à institucionalização e imposição da jurisdição internacional obrigatória.

Portanto, a pessoa humana nas sociedades internacionais teve o exercício de seus direitos limitados. Somente com o acesso livre às cortes de Direitos Humanos é que a dignidade humana evoluiu, embora as pessoas ainda devam recorrer à proteção por meio diplomático. Não há acesso livre a todos os tribunais. Assim, o homem não se equipara em atributos e obrigações a todos os entes internacionais.

Nos dias atuais é marcante a consciência da existência de uma comunidade mundial, onde são partilhados diversos problemas comuns, bem como suas possíveis soluções. A noção de aldeia global torna inaceitável que os Estados tomem atitudes levianas na seara ambiental internacional.

Neste particular, Tierno apud Libório (2005, p.27) registrou que:

Os Estados, procurando manter a paz e a segurança em escala global, adquirem consciência da unidade do mundo. A sensação do parcial e do fragmentado cede lugar à experiência do conjunto. O considerar do mundo como todo importa em aceitar a interligação entre as partes de tal modo que o que se passa no âmbito interno de cada país, de cada região ou de cada continente acarreta efeitos para as demais regiões do planeta.

Essa mudança de paradigma, no cotejo de Libório (2005), cuja participação da sociedade civil tem sido de fundamental importância, possibilitou a compreensão e mesmo o alcance de soluções para os impasses ambientais. E com essa nova consciência, que o meio ambiente é, atualmente, um dos principais tópicos na pauta internacional. O mesmo não acontece com as comunidades refugiadas e as organizações transacionais que procuram a defesa dos direitos humanos e redes internacionais de filantropia.


4 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM

Surge diante dos contextos históricos, diante da desvalorização do homem, a obrigação legal internacional de proteger a humanidade. A natureza dos direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo (SILVA, 1995), em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do direito positivo (SILVA, 1995). A Declaração dos Direitos Humanos é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Noutros momentos históricos, os direitos individuais existiam para proteger o indivíduo contra o Estado. Com a evolução do Direito Internacional, a proteção ao indivíduo se estendeu, dando cobertura a outros indivíduos ou grupos de indivíduos, pois não é apenas o Estado que pode agredir, existindo um enorme número de situações, inclusive naturais e ambientais, em que o particular, valendo-se dos poderes que tal condição lhe confere, pode também ameaçar as liberdades públicas.

A dignidade humana e os direitos fundamentais constituem a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de se referir a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas; no qualitativo, fundamentais. Acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive. São fundamentais para o homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados a limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem (FERREIRA FILHO, 2000).

Em seu preâmbulo, a Carta das Nações Unidas, visando a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, (...) e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, (...) e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos (...) praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum (...), estabelece a postura que A Organização das Nações Unidas – ONU – adotará em relação aos eventuais conflitos que venham a acontecer no mundo.

Os Direitos Humanos são os direitos de todos e devem ser protegidos em todos os Estados e Nações. Direitos Humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, índios, idosos, portadores de deficiência, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e sua integridade física protegida e assegurada.


5 OS REFUGIADOS AMBIENTAIS

A questão ambiental, nos dias de hoje, é um assunto de existência e modificação para todos os seres humanos. Desde sua prevalência nos cenários político-sociais e econômicos, o homem modifica e desgasta o meio ambiente, mas só a partir da Revolução Industrial que a devastação ambiental tornou-se intensa. Nas últimas décadas, notou-se que o meio ambiente era um recurso escasso e finito. Por essa razão, diante de uma situação caótica, a qual o planeta atualmente se encontra, os seres humanos e os Estados passaram a buscar alternativas para um meio ambiente ecologicamente equilibrado (MILARÉ, 2009).

Para Edis Milaré (2009, p. 126)

[...] pode-se afirmar que no Brasil o Direito Ambiental é um "Direito adulto", que conta com princípios próprios, com assentamento constitucional e com um regramento infraconstitucional complexo e moderno. Além disso, tem a seu dispor toda uma estrutura administrativa especializada e instrumentos eficazes de implementação. o Direito Ambiental é um Direito Maduro, apesar de até o final da década de 70 não existir um perfil constitucional expresso ou normas legais que reconhecessem o meio ambiente como bem per se.

Segundo alguns teóricos (MILARÉ, 2009, ANTUNES, 2008, FIORILLO, 2006), toda a sociedade é responsável pela degradação do meio ambiente. O mais rico polui com a sua atividade industrial e comercial e o mais pobre por falta de condições econômicas de viver condignamente e por pouco acesso às informações ecológicas.

O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) define refugiados ambientais da seguinte forma:

[...] refugiados ambientais são pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo. Com o declínio do ambiente quer se dizer, o surgimento de uma transformação no campo físico, químico e/ou biológico do ecossistema, que, por conseguinte, fará com que esse meio ambiente temporária ou permanentemente não possa ser utilizado. (Environmental Refugees, PNUMA, 1985, tradução)

Estudiosos (PEREIRA, 2010, MORAES, 2004) referem-se a três categorias de "migrantes ambientais": aqueles que fogem da desertificação, aqueles deslocados pelo aumento do nível do mar e as vítimas de "conflitos ambientais". Porém é difícil fazer o nexo causal entre degradação ambiental e migração.

Ao longo da história da humanidade, os refugiados ambientais surgiram por intermédio das situações problemáticas que envolveram e envolvem o meio ambiente e a falta de desenvolvimento sustentável, além dos problemas sócio-políticos e econômicos.

Com a era dos grandes navegadores surgiu o espírito de aventura e o gosto pela conquista de novas terras, e começou-se a considerar o simples descobrimento como título suficiente para aquisição de qualquer território.

Mais tarde, a contar de meados do século XVI, além da prioridade do descobrimento, passou a ser julgada necessária a tomada de posse, indicada por algum sinal externo: uma cruz, uma bandeira, um marco. Esse sistema de simples ocupação nominal foi, ulteriormente, substituído pelo da ocupação efetiva, a qual se considerou necessário unir a manifestação da vontade de possuir o território.

A teoria da efetividade da posse foi consagrada pelo Ato Geral da Conferência de Berlim, de 1885. Dele constavam as seguintes regras: a) toda futura ocupação, nas costas do continente, por parte de qualquer das potências contratantes, deverá ser notificada às demais; b) a potência ocupante deverá manter, no território ocupado, uma autoridade capaz de assegurar o respeito aos direitos adquiridos e, eventualmente, a liberdade do comércio e do trânsito. Poucos anos depois, em 1888, o Instituto de Direito Internacional recomendava a generalização desses mesmos princípios.

Os refugiados europeus que se radicaram na América do Sul e delegaram à História uma página de singular importância pela consistente inclusão cultural a este episódio, o qual foi constante na linha do tempo histórico. Vieram em busca de um espaço que lhes garantisse uma sobrevivência condizente com os anseios propostos por aspirações diversas, em seus campos de desejos e ideologias culturais. Muitos deles aqui chegaram de forma irregular, não somente por princípios legais, como também atordoados pela aventura praticada, ou pelas incertezas propiciadas por atitudes não harmônicas com o objetivo de realizações pessoais.

O Brasil trazia no seu bojo a mais sonhada das atrações: terra em abundância, riquezas minerais de tamanha grandeza, a natureza exuberante e plena em recursos minerais nunca explorados, florestas, rios e mares. A natureza exuberante, juntamente com a cultura indígena, mantinha as informações mitológicas implícitas nas visões dos novos habitantes. O mito do Eldorado encantava e convidada a todos os refugiados um retorno à vida em abundância, a conquista de novos patamares existenciais, dentre outros aparatos que o Novo Mundo fornecia.

O Brasil e a América do Sul figuravam como o suporte de realizações. Aí o contexto seria burilado pela mão do emigrante, na construção de uma nova vida, amparada por ambientes virgens e inusitados.

Pode-se vislumbrar que na história dos refugiados há um processo remoto na mobilização dos povos. Assim, tais indivíduos não deveriam ser analisados como emigrantes, tão somente, consumidores, em busca de premissas pessoais. Isto se justifica pela inclusão de valores culturais, promotores e desencadeadores de grande potencial benéfico de novas culturas. O refugiado, quando bem moralizado, não é um elemento indesejável, mas um contribuinte do progresso, como sujeito de direitos na esfera planetária, normatizada pela conquista em termos de promoção humana..

Nos dias de hoje, há um despertar desse compromisso, em que se faz uma campanha contingente a esta defesa da promoção e dignidade humana, isto por que se tomou consciência da singular importância deste empenho. Então, preservar todos os paradigmas de alerta contra a destruição dos elementos que amparam o homem em todos os segmentos ambientais, tornou-se uma obrigação moral e, mais do que isto, em comprometimento com a vida em geral. A mistura de créditos culturais do ofertor ao ofertado e vice-versa, garantiu uma primeira conquista em qualquer estância ambiental.

O Estatuto do Estrangeiro é claro nas suas evidências, quando preleciona em sua Lei n º 6.815, de 19 de agosto de 1980: "define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração, e dá outras providências".

E mais em seu artigo 111:

São condições para a concessão da naturalização:

I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ser registrado como permanente no Brasil;

III - residência contínua no território brasileiro, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;

IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;

V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;

VI - bom procedimento;

VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a um ano; [...].

O Preâmbulo da Convenção de Genebra de 1951 já considerava:

As Altas partes Contratantes:

Considerando que a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral, afirmaram o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem desfrutar dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que a Organização das Nações Unidas tem manifestado várias vezes a sua profunda solicitude para com os refugiados e que se preocupou com assegurar-lhes o exercício mais lato possível dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que é desejável rever e codificar os acordos internacionais anteriores relativos ao estatuto dos refugiados, assim como alargar a aplicação daqueles instrumentos e a proteção que estes constituem para os refugiados, por meio de novo acordo;

Considerando que da concessão do direito de asilo podem resultar encargos excepcionalmente pesados para alguns países e que a solução satisfatória dos problemas de que a Organização das Nações Unidas reconheceu o alcance e caráter internacionais não pode, nesta hipótese, obter-se sem uma solidariedade internacional;

Exprimindo o desejo de que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e humanitário do problema dos refugiados, façam tudo o que esteja em seu poder para evitar que este problema se torne uma causa de tensão entre Estados;

Registrando que o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados tem a missão de velar pela aplicação das convenções internacionais que asseguram a proteção dos refugiados, e reconhecendo que a coordenação efetiva das medidas tomadas para resolver este problema dependerá da cooperação dos Estados com o Alto-Comissário.

No capítulo II, a Convenção de Genebra de 1951 (Suíça), delega o seguinte em condição jurídica, em seu artigo 12, inciso i: "O estatuto pessoal de cada refugiado será regido pela lei do país do seu domicílio, ou, na falta de domicílio, pela lei do país de residência".

Outrossim, há muito o que se fazer em concretude nos aspectos vivenciais dos refugiados ambientais. Eles são vulneráveis, pelas mesmas razões que os emigrantes na conquista de novos lares, de novos espaços e competências. É uma vida iniciante, em um outro lugar e em outro momento. Além disso, eles estão, normalmente, traumatizados pela guerra e pela violência, pelas catástrofes ambientais e desordens climáticas. Nestas condições, as normas sociais são quebradas. Nas comunidades de refugiados, há um aumento de violações e de violência contra mulheres e crianças; quase que não há acesso aos serviços de saúde. Por último, em vista das perturbações pessoais, sendo que todos, na maior parte das vezes, não podem contar com proteção material e jurídica.

Exemplos são os mais variados:

O provável desaparecimento de pequenas ilhas do Pacífico, como Tuvalu, e as Ilhas Maldivas, no Oceano Índico, por causa do aumento do nível do mar e a desertificação de regiões semi-áridas podem deixar milhares de pessoas sem pátria. A ocorrência de ciclones e furacões também forçará o aparecimento de refugiados ambientais, como já aconteceu após o furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans (Estados Unidos), em 2005, e o tsunami que devastou partes da Indonésia, Somália e Sri Lanka.

Quando se trata do asilo, nem sempre ele é bem vindo. Uma vez concedido o asilo a pessoa passa a ser denominada refugiado. Em geral, os refugiados recebem proteção de organismos internacionais, como o Alto Comissariado da ONU para refugiados. A maioria dos Estados acolhe o refugiado, mas não lhe dá qualquer garantia. Os refugiados não gozam dos mesmos direitos e deveres dados a qualquer estrangeiro no Estado. São assemelhados aos nacionais no tocante ao pagamento de taxas e impostos. A sua naturalização deveria ser facilitada se assim o desejarem, uma vez que, geralmente, são expatriados por seu Estado de origem, tornando-se apátridas. Mas, essa melhor recepção dos refugiados pelos países que os recebem, depende da vontade política do Estado em questão.

O compromisso em evidência traz sua plataforma processual, em primeiro lugar, a própria defesa do homem, propiciando o retorno do benefício ao mesmo autor de tal providência.

Tudo isto se torna viável desde que haja uma conscientização da população, do valor de tal medida. É bom que se entenda que a conscientização do valor a desempenhar, não fique marginalizada no conhecimento dos valores inerentes ao meio ambiente. Antes de tudo, a ação se torna imprescindível, amputar os problemas e apresentar soluções suficientemente coerentes com medidas de defesa e de criatividade a serem tomada que propõem o Direito Internacional e a própria ONU.

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Sobre a autora
Michelle Abras

Pós-graduada em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Professora da Faculdade Minas Gerais (FAMIG). Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABRAS, Michelle. Os refugiados ambientais e o Direito Internacional face às normas constitucionais e infraconstucionais do Estado brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2744, 5 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18191. Acesso em: 26 abr. 2024.

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