IV. Notas conclusivas: em busca de relações contratuais equilibradas.
A legislação protetiva do consumo é norteada por três princípios: vulnerabilidade, boa-fé objetiva e equilíbrio. Por meio deste regime principiológico, fundamenta a proteção do consumidor em face de cláusulas abusivas. A opção do legislador foi de estabelecer o combate às cláusulas abusivas a posteriori por meio do controle judicial de seu conteúdo. Para tanto adotou três instrumentos: a) prioridade do controle judicial sem excluir o controle administrativo; b) proteção contra a abusividade contratual e c) nulidade das cláusulas abusivas.
A abusividade verifica-se no momento de celebração do negócio, por isso não guarda relação com a revisão do contrato por fato superveniente, tão pouco depende de verificação de boa ou má-fé subjetiva. Deve ser entendida vinculada ao princípio da boa-fé objetiva. Poderia haver, então, a ofensa ao princípio da boa-fé objetiva quando estabelecidas cláusulas que limitassem os direitos do consumidor ou criassem vantagens unilaterais para o fornecedor.
Neste sentido, argumenta Fernandes Neto [21] que a cláusula de fidelização seria abusiva, pois ofenderia a comutatividade do contrato de prestação de serviço (imporia cláusula penal e, ao mesmo tempo, não haveria prestação do serviço); ofenderia, ainda, o princípio da proporcionalidade (quando se confronta, por exemplo, com a limitação de cláusula penal do art. 52, §1º); ofenderia o princípio da boa-fé já que poderiam impor vantagem exagerada em favor do fornecedor (art. 51, IV) e seria excessivamente onerosa ao consumidor (art. 51, III) e ao princípio da função social da concessionária de serviço público. O autor identifica, ainda, a prática abusiva da venda casada (art. 39, I) quando condicionam a comercialização de chip à assinatura de contrato de fidelização.
Ora, como se percebe claramente a constatação da abusividade dependerá do caso concreto, vez que atrelada às práticas comerciais que podem ser entendidas como abusivas e do comportamento leal e transparente das partes.
Trata-se, pois de se tutelar, no caso, o equilíbrio da relação. Neste sentido seria temerário afirmar, por hipótese, a abusividade desta ou daquela cláusula de fidelização, mas entendê-la no contexto do contrato. Se, por certo, deve o consumidor ser tutelado, sua tutela não pode ser irresponsável. Não se trata de exonerá-lo por conta de fórmulas vazias, mas concretizar proteção a sua vulnerabilidade e na exata medida dela.
Ser consumidor não pode ser "desculpa" para inadimplemento ou para o consumo irresponsável. É antes tutela da confiança do consumidor, do fornecedor e das relações de consumo. O que se tutela não é o direito egoísta de um contratante sobre o outro, mas a lógica solidarista de uma relação de cooperação.
Parece razoável supor, portanto, que é desproporcional a exigência de fidelidade quando o serviço é prestado de forma inadequada ou mal prestado, assim como a cláusula de fidelização como mecanismo para "burlar" o direito à portabilidade e aquela cláusula que preveja a exigência de cláusula penal compensatória exorbitante em face da "vantagem" auferida pelo consumidor.
Por outro lado, o desrespeito a condição contratual, tal como aquela estabelecida como prazo de instalação de linha telefônica, causadora do dano ao consumidor deve ser indenizada, não só por conta da tutela de confiança, mas igualmente pela lógica do adimplemento contratual.
A recepção da cláusula geral de boa-fé, portanto, na atual legislação brasileira de consumo, revela a existência de ferramenta útil para o estabelecimento de um modelo de consumo digno, pautado pela solidariedade e pela responsabilidade.
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- Fernando Noronha sintetiza as mudanças trazidas com a Revolução Industrial na massificação das relações: "A grande resultante de tais fenômenos foi a massificação da sociedade. Realmente, se existe uma palavra que possa sintetizar tudo o que aconteceu, e ainda esclarecer o sentido das tão profundas transformações havidas, tanto políticas como jurídicas, inclusive no âmbito que aqui interessa, que são os contratos, tal palavra é massificação: massificação nas cidades, transformadas em gigantescas colméias; nas fábricas, com a produção em série; nas comunicações, com os jornais, o rádio e a televisão; nas relações de trabalho, com as convenções coletivas; na responsabilidade civil, com a obrigação de indenizar imposta a pessoas componentes de grupos, por atos de membro não identificado (o que é verdadeiro caso de responsabilidade coletiva); no processo civil, com as ações coletivas, visando a tutela de interesses difusos ou coletivos (cf. Lei n. 7.347/85, art. 1º, e Código de Defesa do Consumidor, arts. 81, 91 e 103); nas relações de consumo, finalmente, com os contratos padronizados e de adesão e até com as convenções coletivas de consumo, previstas no Código de Defesa do Consumidor (art. 107)!" (NORONHA, Fernando. O contrato e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994, p.71).
- "Contrato de adesão é aqueles cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito." (MARQUES, Cláudia Lima. Os contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 53/54). Ou, ainda, "Contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas." (GOMES, Orlando. Contratos de Adesão, p. 3).
- MARQUES, Op. cit., p.56
- LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado, São Paulo: RT, 1998, p.47/48.
- In O contrato de Adesão. BITTAR, Carlos Alberto (coord.). Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas, p. 64.
- GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.72.
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- Projeto de lei do Senado n° 88 de 2009, apresentado pelo Senador Expedito Junior em 17 de março de 2009. Atualmente sob análise da Relatoria na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.
- Por exemplo o projeto de lei n° 5.879/2009, apensado ao Projeto de lei n° 5.260/2009 que altera a redação da Lei nº 8.078/ 1990 para considerar como prática abusiva a utilização de "células de retenção" em sistemas de teleatendimento, com funções de fidelização de clientes e para proibir o estabelecimento de cláusulas contratuais que obriguem a fidelização do consumidor, a estipulação de prazos mínimos de vigência e o pagamento de multas em caso de cancelamento antecipado de contratos de prestação de serviços, respectivamente.
- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial n° 618940. Josemar Bezerra Raposo versus Telemar Norte Leste S/A. 24 de maio de 2005.
- Disponível em: