05 - A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
No Estado Democrático de Direito, a função administrativa é a atividade desempenhada pelas pessoas estatais, sujeitas a controle jurisdicional, no fiel cumprimento do dever de alcançar o interesse público. Essa função é marcada pela conjugação de dois princípios caracterizadores do regime jurídico administrativo, quais sejam: o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade do interesse público.
O princípio da prevalência do interesse público sobre o interesse particular assegura a quem exerce a competência administrativa uma posição de privilégio e supremacia a fim de que as necessidades sociais sejam alcançadas e, desse modo, a finalidade pública seja cumprida.
O princípio da indisponibilidade do interesse público pelo titular de competência administrativa determina a subordinação da atividade administrativa aos princípios jurídicos que vinculam à concretização do interesse público. Isto quer dizer que os órgãos e entidades estatais são meros instrumentos da realização da função administrativa, cujo exercício é destinado ao benefício social. Assim sendo, como a Administração não titulariza os interesses públicos primários, podemos afirmar que tais interesses são indisponíveis pelas pessoais estatais cabendo as mesmas, na sua gestão, protegê-los.
Importa registrar que o conceito de função administrativa tem sido matéria de grande dificuldade para os doutrinadores, tendo em vista a extensão e a heterogeneidade do tema. Para o autor Marçal Justen Filho "a função administrativa compreende atividades de fornecimento de utilidades materiais de interesse coletivo (coleta de lixo, por exemplo), mas também abrange atuação de cunho jurídico, imaterial (regulamentação de poluição sonora, por exemplo). Como se não bastasse, compreende a decisão de litígios, inclusive entre particulares (disputas quanto a competição desleal, levada à apreciação do CADE)" [26].
Elucidando melhor essa idéia defende esse doutrinador que "a função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estatal e permanente e que se faz sob o regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional" [27].José dos Santos Carvalho Filho também entende que não constitui matéria muito fácil delinear os contornos do que se considera função administrativa. Os doutrinadores têm divergido sobre o tema. No entanto, os autores se têm validado de critérios de três ordens para a identificação da função administrativa: 1) subjetivo (ou orgânico), que dá realce ao sujeito ou agente da função; 2) objetivo material, pelo qual se examina o conteúdo da atividade; e 3) objetivo formal, que explica a função pelo regime jurídico em que se situa a sua disciplina.
Sustenta o citado jurista que nenhum critério é suficiente, se tomado isoladamente. Devem eles combinar-se para suscitar o preciso contorno da função administrativa. A função administrativa, na prática, tem sido considerada de caráter residual, sendo, pois, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. Mais tecnicamente pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica [28].
"Enquanto o ponto central da função legislativa consiste na criação do direito novo (ius novum) e o da função jurisdicional descansa na composição de litígios, na função administrativa o grande alvo é, de fato, a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada dimensão, conseqüência das numerosas tarefas a que se deve propor o Estado moderno". Desse modo conclui o autor que "constituem função materialmente administrativa atividades desenvolvidas no Poder Judiciário, de que são exemplos decisões em processos de jurisdição voluntária e o poder de polícia do juiz nas audiências, ou no Poder Legislativo, como as denominadas ‘leis de efeitos concretos’, atos legislativos que, ao invés de traçarem normas gerais e abstratas, interferem na órbita jurídica de pessoas determinadas, como, por exemplo, a lei que concede pensão vitalícia à viúva de ex-presidente. Em relação a elas a idéia é sempre residual: onde não há criação de direito novo ou solução de conflitos de interesses na via própria (judicial), a função exercida, sob o aspecto material, é a administrativa".
Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que "função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça às vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquico e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamento infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário" [29].
Contudo quem melhor discorreu sobre o tema foi Hely Lopes Meirelles ao definir que "a natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado" [30].
Neste sentido o nosso ilustre jurista enfatiza que os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou desvia, trai o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem-estar social. Ilícito e imoral será todo o ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade [31].
Assim, a defesa do interesse público corresponde ao próprio fim do Estado. O Estado tem o dever de defender os interesses da coletividade a fim de favorecer o bem-estar social.
Portanto, negar a existência dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público é negar o papel do Estado que tem com uma das suas funções a preservação de tais princípios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABOUD, Alexandre. Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: destruição, reconstrução ou assimilação? Revista Jurídica Consulex. Ano XXII. Nº 267. Ano 2008. p. 63
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 9ª ed. Editora Malheiros. São Paulo, 2009.
BARROSO, Luis Roberto. Prefacio a obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2ª tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.
BINENBOJM, Gustavo. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Jus Podivrm. Salvador, 2008.
FILHO, Jose Dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Editora Lúmen Júris. 15º edição. Rio de Janeiro, 2006.
FILHO, Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. São Paulo, 2005.
FROTA, Hidemberg Alves da. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado no direito positivo comparado: expressão do interesse geral da sociedade e da soberania popular. Revista de Direito Administrativo. V. 239, p. 62-63, jan/mar. Ano 2005.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11º edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2006.
GUEDES, Ricardo Catunda N. Supremacia do interesse público sobre o interesse privado em face dos direitos fundamentais. Revista Mestrado em Direito. Osasco. Ano 7, nº 1, 2007.
JOSÉ, Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2007.
JÚNIOR, José Cretella. Manual de Direito Administrativo. 7ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32ª edição. São Paulo, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19ª edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 2º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2007.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008.
PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Editora Del Rey. Belo Horizonte, 2005. p. 593.
SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2ª tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.
Notas
- PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 37
- FALLA, Garrido. Las transforma-ciones Del regimen administrativo. Instituto de Estúdios Políticos, Madri, 1962, p. 24-28 APUD PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 37.
- PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 38.
- PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 38)
- IDEM Maria sylvia
- BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. ix-x.
- BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. ix-x.
- BARROSO, Luis Roberto. Prefacio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2º tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007. p. x.
- PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 593
- JÚNIOR, José Cretella. Manual de Direito Administrativo. 7ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2005. P. 3-5
- GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11º edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2006. p. 01
- GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11º edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2006. p. 02
- JÚNIOR, José Cretella. Manual de Direito Administrativo. 7ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2005. P. 12-13.
- PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 619-621.
- PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 623-630.
- JOSÉ, Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2007. P. 655.
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 64-65.
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 84
- FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. pag. 9.
- JOSÉ, Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2007. P. 9
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 295.
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p. 54.
- FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag. 9-10.
- FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag.10
- FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006. Pag.54
- FILHO, Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. São Paulo, 2005. p. 28.
- FILHO, Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. São Paulo, 2005. p. 28.
- FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 15º edição. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2006, pag.54
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005, pag. 36
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 85-86.
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Malheiros. 32º edição. São Paulo, 2006. p. 86.