3. A legislação tributária e as vendas interestaduais
A Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [4], aprovada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), já manifesta preocupação em relação à regulação, segundo a mesma "os obstáculos advêm da inexistência de legislação específica para o comércio eletrônico e da aplicação não uniforme das leis existentes. Esses obstáculos geram incerteza quanto ao regime jurídico aplicável aos serviços da sociedade da informação e por isso criam insegurança jurídica".
A legislação infraconstitucional existente e disciplinadora do ICMS é complexa e reflete um contexto anterior ao forte incremento de operações comerciais originadas na Internet. As Leis e Regulamentos do ICMS, na esfera estadual e no Distrito Federal, recebem a competência para a instituição do ICMS no Art. 1º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que disciplina sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências (Lei Kandir).
"Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior."
3.1. As desigualdades regionais e os Princípios Constitucionais
O crescimento do comércio eletrônico nos últimos anos fez aumentar, ainda mais, as desigualdades entre os Estados da Federação, pois, os estabelecimentos comerciais que fazem a distribuição de mercadorias pela via do comércio eletrônico se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Estas lojas vendem os produtos aos demais Estados com alíquota interna do ICMS, fato esse que concentra toda a arrecadação do imposto no Estado de origem das mercadorias, não contemplando, portanto, o Estado do adquirente. Tal prática comercial irreversível de vendas pela internet, fez com que os Estados consumidores dos produtos se articulassem para a parcela do ICMS que, nestas operações, não é mais transferida.
A Constituição Federal de 1988 [8] firmou, como um dos seus títulos, a ordem econômica e financeira. Para Pinheiro [6], são verdadeiros princípios de direitos humanos (ou fundamentais) a uma ordem econômica justa e razoável, que obedeça a critérios de ordem pública, sujeitando-se os atores da atividade econômica nacional às regras e princípios legais e constitucionais. O Art. 170, VII, da Constituição estabelece como princípio a redução das desigualdades regionais e sociais, in verbis:
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais"
A Carta estende aos atores econômicos um dos objetivos do Estado, que é reduzir as desigualdades sociais e regionais. Os agentes financeiros devem, através de suas atividades, irem ao encontro das desigualdades para tentar minimizá-las, sobretudo quando o Estado já tenha dirigido e orientado aos agentes os atos a serem realizados por eles.
Dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar, o princípio da legalidade é, unanimemente, considerado o mais importante. Determina o princípio que somente a lei é instrumento hábil para a criação e, regra geral, a majoração de quaisquer tributos. Assim, estabelece a CF 88 [8] em seu art. 150, I:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".
Portanto, fica afastada a possibilidade de o Poder Executivo, por ato administrativo próprio (decreto, regulamento, instrução normativa), gravar, mediante criação de tributos, o patrimônio dos particulares.
Não obstante a este princípio, os Estados Federados, prejudicados pela prática do comércio eletrônico de venda interestadual a não contribuinte, tentam tributar a prática de tal comércio. Este ato se fundamenta nas crescentes perdas de receitas do ICMS, pela transferência de receita do ICMS dos Estados consumidores para os grandes centros fornecedores de mercadorias via comércio eletrônico.
Segundo Behrndt [9], os Estados de Mato Grosso e do Ceará que, por meio dos respectivos Decretos 2.033/09 e 29.817/09, criaram obrigações tributárias, supostamente de mera fiscalização, mas que autorizam a tributação pelo ICMS destas vendas interestaduais, sob alíquotas que variam de 7,5% a 18%, a depender do Estado e da operação.
A Constituição Federal de 1988 garante, portanto, o aspecto da cobrança no Estado de origem, in verbis:
"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior
(…)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual";
As vendas interestaduais a consumidor final, aplica-se a regra do artigo supracitado (art.155, II, § 2º, VII e VIII). Portanto, alíquota interna do Estado de origem das mercadorias, não distribuindo o produto da arrecadação ao Estado adquirente da mercadoria na aquisição feita pelo consumidor final, não contribuinte do ICMS.
A partir do ano de 2002 as vendas interestaduais a consumidor final, não contribuinte do ICMS, vêm crescendo e é uma tendência de não parar de crescer, isso faz com que os demais Estados consumidores transfiram renda para os Estados onde inicia a operação da mercadoria, fato esse que fomenta mais a desigualdade, no que se diz respeito à distribuição de riquezas, entre os Estados da Federação. A maioria dos Estados da Federação transferem riquezas para uma minoria nestas operações de comércio eletrônico.
3.2. O ICMS nas Importações por Pessoa Física
Vale lembrar que nas operações de importação a Constituição, de forma a proteger o mercado interno, coloca a pessoa física como responsável pelo recolhimento do ICMS. No texto Constitucional, na entrada de bem ou mercadoria incidirá o ICMS, tanto para pessoa física quanto para jurídica. O texto também destina o ICMS, nas importações, ao Estado de destino da mercadoria ou serviço, conforme CF art. 155, II, § 2º, IX, "a", in verbis:
" IX - incidirá também:
(...)
a)sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
b)sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios".
O texto constitucional explicita que o ICMS pertence integralmente ao Estado de destino das mercadorias independentemente de onde ocorreu o desembaraço da mercadoria. Porém, diferentemente, com as vendas interestaduais para consumidor final, não contribuinte do ICMS, o imposto pertence integralmente ao Estado de origem da operação. No contexto atual de incremento de vendas no e-commerce, este regramento causa distorções na distribuição de receitas do ICMS nos Estados da Federação e no Distrito Federal.
Ainda com relação aos serviços de importação, o texto constitucional esclarece: "sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios". (CF art. 155, II, § 2º, IX, "b"). Assim, os serviços com incidência do ICMS serão aqueles não compreendidos na competência dos Municípios.
3.3. O ICMS na venda Interestadual para Pessoa Jurídica
As vendas interestaduais para contribuinte [01] do imposto obedecem ao princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS. Conforme CF art. 155, II, § 2º, I, in verbis:
(...)
"§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal".
Assim, as alíquotas para as operações interestaduais serão de 7% e 12% e serão compensadas pelas alíquotas internas de cada Estado, utiliza-se do mecanismo de débito e crédito.
3.4. O ICMS na venda Interestadual para pessoa física
Nas vendas interestaduais para contribuinte do imposto o texto constitucional expressa literalmente: "a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto". (CF art. 155, II, § 2º, VII, "a"). Nas aquisições interestaduais para consumo ou incorporação ao ativo fixo de contribuinte do ICMS, este recolhe ao Estado onde está localizado o diferencial de alíquota, desse modo, não há prejuízo para o Estado adquirente. Já nas operações para consumidor final, não contribuinte do ICMS, assim, expressa o texto constitucional: "a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele". (CF art. 155, II, § 2º, VII, "b"). Nesse caso, a operação é realizada com alíquota cheia, alíquota interna do Estado onde se originou a operação. Nesse aspecto, o Estado onde iniciou a operação fica com todo valor da operação.
Estes mandamentos constitucionais foram estabelecidos em um contexto anterior, onde as vendas pela Internet eram de menos de R$550 milhões (2001) para mais de 13,6 bilhões (2010), segundo a pesquisa da evolução do faturamento do varejo on-line, que não considera as vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line [7].
4. Convênios e Protocolos entre os Estados
O ICMS é um imposto não cumulativo onde, em cada operação o contribuinte se credita na aquisição e se debita na venda. A diferença entre o débito e o crédito é recolhida ao Estado. Visando principalmente simplificar os mecanismos de arrecadação e fiscalização, podem ser instituídos regimes de substituição tributária Nestes regimes compete a um contribuinte do imposto encerrar as fases de tributação até o consumidor final. Em produtos com grande capilaridade de distribuição e poucos fabricantes, se torna vantajoso para o fisco o regime de substituição tributária. Nas operações interestaduais basta uma inscrição de substituto tributário no Estado destinatário da operação, ou uma Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE) acompanhando a Nota Fiscal, que a parcela do ICMS será creditada ao Estado destinatário. O regime da substituição tributária do ICMS deve ser instituído por meio de lei estadual para aplicação interna no Estado, mas para sua aplicação interestadual depende da celebração de Convênio [15].
A previsão legal que possibilita a regulamentação do regime interestadual por meio de convênios se verifica no artigo 150 § 6º, combinado com o artigo 155, § 2º, XII, letra "g", da Constituição Federal e com o artigo 1º da Lei Complementar nº 24/75 [16], que dispõem que os benefícios fiscais do ICMS somente poderão ser concedidos ou revogados através de Convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal [15].
Nos termos do artigo 100, inciso IV, do Código Tributário Nacional (CTN) [10]:
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
(...)
IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Somente após aprovados pelo Legislativo, os convênios passam a ter eficácia, pois é o Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal que, ratificando o Convênio, o estabelecem como válido naquele Estado ou no DF.
O CONFAZ [02] é o órgão responsável por promover os convênios e pela celebração dos mesmos para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto. O Conselho é constituído por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. O CONFAZ pode, em assunto técnico, delegar, expressamente, competência à Comissão Técnica Permanente do ICMS - COTEPE/ICMS para decidir, exceto sobre deliberação para concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais [11].
O Regimento do CONFAZ, que estabeleceu as diretrizes relativas às reuniões e demais procedimentos inerentes à elaboração e a ratificação dos convênios, também reservou um capítulo para dispor sobre os Protocolos e permitiu, a duas ou mais Unidades da Federação a realização deste tipo de acordo para estabelecer procedimentos comuns, visando [15]:
a) implementar políticas fiscais definidas em convênio;
b) estabelecer permuta de informações e fiscalização conjunta;
c) fixar ou estabelecer critérios para fixação de pautas fiscais.
4.1. Convênio na venda de automóvel para consumidor final
Com a finalidade de evitar o desequilíbrio na repartição do ICMS entre os Estados, que se iniciou com o aumento das vendas de automóveis direto para o consumidor final, estabeleceu-se o Convênio ICMS nº 51, de 2000 [12]. Nele se estabeleceu a disciplina relacionada às operações com veículos automotores novos, efetuadas por meio de faturamento direto. Estas disposições aplicam-se, exclusivamente nas operações de aquisições de veículos novos diretamente da montadora, efetuadas por pessoas físicas e pessoas jurídicas não contribuintes do ICMS em que:
1.A entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação;
2.A operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos.
Conforme cláusula primeira do Convênio:
Cláusula primeira: Em relação às operações com veículos automotores novos, constantes nas posições 8429.59, 8433.59 e no capítulo 87, excluída a posição 8713, da Nomenclatura Brasileira de Mercadoria/Sistema Harmonizado - NBM/SH, em que ocorra faturamento direto ao consumidor pela montadora ou pelo importador, observar-se-ão as disposições deste convênio.
§ 1º O disposto neste convênio somente se aplica nos casos em que:
I - a entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação;
II - a operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos.
§ 2º A parcela do imposto relativa à operação sujeita ao regime de sujeição passiva por substituição é devida à unidade federada de localização da concessionária que fará a entrega do veículo ao consumidor.
§ 3º A partir de 1º de julho de 2008, o disposto no § 2º aplica-se também às operações de arrendamento mercantil (leasing).