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Alteração das normas relativas as patentes de medicamentos e insumos farmacêuticos e veterinários pela medida provisória 2.014, de 30/12/99

Resumo:


  • O Brasil foi o quinto país do mundo a conceder privilégios de exploração aos inventores em 1809.

  • A legislação brasileira de propriedade industrial evoluiu ao longo dos anos, culminando na promulgação do Novo Código de Propriedade Industrial em 1996.

  • A Medida Provisória 2.014 de 1999 alterou as regras de transição para patentes de produtos farmacêuticos, impondo retroatividade ao Novo Código de Propriedade Industrial desde 1995.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este breve estudo diz respeito as alterações nas normas relativas as patentes de medicamentos e insumos farmacêuticos e veterinários pela Medida Provisória 2.014 de 30/12/99(atualmente em sua 10 reedição em 22/09/2000), especialmente no que diz respeito aos seus efeitos para os que produzem e comercializam substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos ou substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, cujos depositantes não tenham exercido a faculdade prevista nos arts. 230 e 231 da Lei 9.279/96, temos as seguintes considerações a tecer.

Tendo em vista que a legislação que concede o privilégio da proteção patentária sofreu alterações ao longo dos anos, sobretudo recentemente, passamos a fazer um breve histórico de sua evolução:

* Alvará de 28.04.1809

O Brasil foi o quinto país do mundo a conceder privilégios de exploração aos inventores (Através de Alvará do Príncipe Regente em 28.04.1809) e a partir de então surgiram os problemas decorrentes das peculiaridades do sistema nacional face ao de outros países mais industrializados, causados entre outras razões pela origem independente do nosso sistema;

* Código de Propriedade Industrial Lei 5.772 de 21.12.1971.

Após diversas legislações que aprimoraram o quanto disposto no original Alvará Monárquico a sistematização do regime jurídico brasileiro de propriedade industrial, agora quase completamente integrado ao sistema internacional(1), foi feita através da Lei 5.772/71.

Precisamente no quanto restou da disciplina nacional de protecionismo através da não concessão de patentes em áreas consideradas estratégicas pelo governo militar é que reside a controvérsia que hoje se apresenta pela edição da Medida Provisória ora debatida.

Pois bem, o anterior Código de Propriedade Industrial não concedia privilégios as invenções relativas aos medicamentos e seus insumos:

Lei 5.772/71

Art. 9º Não são privilegiáveis:

b) as substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos, ressalvando-se, porém, a privilegiabilidade dos respectivos processos de obtenção ou modificação;

            c) as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação;

GATT, TRIPS Decreto 1.355 de 30.12.94

Conforme compromisso assumido pelo governo brasileiro na Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, cuja Ata Final de Resultados foi assinada em Marraqueche em 12/04/94, depositada pelo Brasil em Genebra em 21/12/94 (devendo portanto entrar em vigor no Brasil em 01/01/95), o Brasil promulgou o Decreto 1.355/94 que vai de encontro ao Código de Propriedade industrial vigente na época determinando a concessão de privilégio a todo e qualquer invento:

Decreto 1.355/94

Artigo 27 – Matéria Patenteável

1 – Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2 – Os membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação.

3 – Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais;

b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, o Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema "sui generis" eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Com vigência para o Brasil, para as áreas de produtos químicos e produtos e processos relativos a medicamentos e seus insumos, apenas a partir de 31/12/1999:

Decreto 1.355/94

Artigo 65 – Disposições Transitórias

4 – Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja obrigado pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a setores tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de aplicação do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2, ele poderá adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da Seção 5 da Perte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de cinco anos.

Novo Código de Propriedade Industrial Lei 9.279 de 14.05.1996

Apesar de aceitado e internado a TRIPS e consequentemente ser obrigado a reger a matéria de propriedade industrial de acordo com a mesma, no quanto nos interessa (medicamentos, etc...) a partir de 31/12/99, o Brasil editou um novo código de propriedade industrial(2) que previa (i) a patenteabilidade dos produtos em questão e (ii) uma regra de transição para os produtos agora patenteáveis que não o eram(3), mas que já haviam sido patenteados no exterior, conhecida como pipeline:

Lei 9.279/96

Art. 229. Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta Lei, exceto quanto à patenteabilidade das substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, que só serão privilegiáveis nas condições estabelecidas nos arts. 230 e 231.

Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.

§ 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem.

§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.

§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à patente concedida com base neste artigo.

Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no país, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processado nos termos desta Lei.

§ 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil.

§ 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.

Esta regra de transição foi criada para evitar injustiças para com os inventores que poderiam ser protegidos pela patente de seus produtos pois ainda estariam em vigência seus privilégios caso o Brasil não os incluísse no rol dos não patenteáveis e resumidamente imponha os seguintes requisitos para sua utilização:

1.A desistência dos pedidos realizados antes de sua vigência;

2.O protocolamento de novos pedidos até 15/05/98;

3.Que não houvesse a exploração dos produtos no Brasil ou investimentos para tanto;

4.Que o produto não houvesse sido lançado em outros mercados;


Medida Provisória 2014 de 30.12.99

Finalmente em 30.12.99 o Poder Executivo editou medida provisória alterando radicalmente a regra de transição prevista no pipeline para os produtos em questão, determinando que:

1. Os pedidos depositados até 31/12/94 serão indeferidos;

2. Os pedidos protocolados após 31/12/94 até o início da vigência do Novo Código de Propriedade Industrial(4), serão analisados segundo os critérios deste, exceto quanto aos pedidos de patente de processo que serão indeferidos;

3. A concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agencia Nacional de vigilância Sanitária.

Desta forma, a referida medida provisória impõe a retroatividade do Novo Código de propriedade Industrial desde 01/01/95.


CONCLUSÃO

Primeiramente cabe salientar que todas os veículos legislativos utilizados são hierarquicamente equivalentes, de modo que aplica-se sempre o posterior, desta forma tivemos a substituição da Lei 5.772/71, pelo Decreto 1.355/94, pela Lei 9.729/96 e finalmente pela Medida Provisória 2.014/99, não havendo que se falar em conflito de normas, especialmente no que toca a Lei 9.729/96 (pipeline) e o Decreto 1.355/94, não tendo o segundo criado direitos adquiridos ou expectativa de direitos pois jamais entrou em vigor pois foi substituído pela primeira.

Ademais, os direitos dos requerentes das patentes são gerados no momento do protocolo uma vez que se aplica a legislação vigente neste momento, ressaltando-se a inconstitucionalidade da retroatividade instituída pela MP 2.014/99(5).

Por fim, aqueles que produzem e utilizam os produtos que passaram a ser patenteáveis, ainda que se aceite a aplicação retroativa da Lei 9.279/96, poderão continuar a faze-lo nos termos dos artigos 232 e 45 desta, uma vez que não foram alterados ou revogados pela MP 2.014/99:

Lei 9.279/96

Art. 45. À pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridade de pedido de patente, explorava seu objeto no País, será assegurado o direito de continuar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores.

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§ 1º O direito conferido na forma deste artigo só poderá ser cedido juntamente com o negócio ou empresa, ou parte desta que tenha direta relação com a exploração do objeto da patente, por alienação ou arrendamento.

§ 2º O direito de que trata este artigo não será assegurado a pessoa que tenha tido conhecimento do objeto da patente através de divulgação na forma do art. 12, desde que o pedido tenha sido depositado no prazo de 1 (um) ano, contado da divulgação.

Art. 232. A produção ou utilização, nos termos da legislação anterior, de substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, mesmo que protegidos por patente de produto ou processo em outro país, de conformidade com tratado ou convenção em vigor no Brasil, poderão continuar, nas mesmas condições anteriores à aprovação desta Lei.

§ 1º Não será admitida qualquer cobrança retroativa ou futura, de qualquer valor, a qualquer título, relativa a produtos produzidos ou processos utilizados no Brasil em conformidade com este artigo.

§ 2º Não será igualmente admitida cobrança nos termos do parágrafo anterior, caso, no período anterior à entrada em vigência desta Lei, tenham sido realizados investimentos significativos para a exploração de produto ou de processo referidos neste artigo, mesmo que protegidos por patente de produto ou de processo em outro país.


NOTAS

1. Convenção de Paris de 20/03/1883, revista em: Bruxelas 14/12/1900, Washington 02/06/1911, Haia 06/11/1925, Londres 02/06/1934, Lisboa 31/10/1958 e Estocolmo 14/07/1967, internada pelo Decreto 75.572/75 com a revisão de Haia e com as alterações da revisão de Estocolmo pelo Decreto 1.263/92 (sempre promulgados com restrições regimentalmente permitidas)

2. Com vigência a partir de 15/05/97.

3. Na medida em que a TRIPS ainda não estava em vigor e o Antigo Código de Propriedade Industrial não lhes conferia o privilégio.

4. Que admite o patenteamento dos referidos produtos.

5. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (DOU 191-A, DE 5.10.88)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-lei n. 4.657, de 4-9-1942): art. 6º e §§ 1º a 3º.

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Sobre o autor
Rodrigo Alberto Correia da Silva

advogado e consultor em São Paulo (SP), professor da PUC/SP e da UNIP, mestrando na PUC/SP, membro da Interamerican Bar Association

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Alberto Correia. Alteração das normas relativas as patentes de medicamentos e insumos farmacêuticos e veterinários pela medida provisória 2.014, de 30/12/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1881. Acesso em: 22 dez. 2024.

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