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Ensino jurídico: as ajudas individualizadas como mecanismo de minimização das diversidades em sala de aula sob o enfoque da teoria construtivista

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4. As ajudas docentes no processo de construção individual do conhecimento

Avaliar as práticas docentes de auxílio aos alunos do ensino superior, em um contexto de individualidade, é o primeiro passo para alcançar a melhoria do ensino jurídico. Como mencionado no início deste estudo, não compete ao professor questionar o porquê este ou aquele aluno foi admitido no ensino superior se não se apresenta "aparentemente" em condições de acompanhá-lo. Na verdade, temos a nobre missão de conduzir o aluno para o crescimento e construção do conhecimento próprio e, para isso, as ajudas dispensadas a ele serão fundamentais. Neste sentido, o artigo Construtivismo: Apropriação Pedagógica, extraído da coletânea Didática e Práticas de Ensino (2002:108), destaca:

Afirmamos que a função principal da escola é o avanço da capacidade cognitiva e, só secundariamente, o repasse de conhecimento. Em outras palavras, à escola cabe o papel de dar continuidade ao processo de construção do conhecimento através do ensino dos processos de construção do conhecimento científico (metodologia científica) e não somente o repasse de informações científicas (produto).

Qual seria o procedimento a ser seguido pelo professor para o verdadeiro alcance deste objetivo ? Não há, obviamente, uma fórmula mágica para isso. Enfatizamos neste capítulo algumas posturas que poderão, individualmente, demonstrar significativos resultados.

Antes de mais nada o professor precisa conhecer e apropriar-se de alguns fundamentos da teoria construtivista e acreditar que, com sua aplicação, poderá resgatar sua sala de aula e conduzir os alunos ao verdadeiro aprendizado, abandonando a antiga prática de mero repasse de conteúdos e informações. Como revelam os estudiosos do construtivismo, especialmente os citados neste artigo, o professor deve iniciar seu trabalho focando os seguintes objetivos:

a) Despertar em seus alunos o espírito participativo, valorizando as intervenções e permitindo que o aluno crie seus conceitos por interpretações pessoais criadas a partir de conteúdos anteriores já dominados.

b) Despertar nos alunos a importância do cooperativismo. O aluno que aprende a interagir com os demais consegue desenvolver com maior facilidade as suas habilidades pessoais, complementando seu conhecimento com o dos outros e construindo estruturas sólidas de aprendizado.

c) Desenvolver em seus alunos a capacidade de construção própria do conhecimento, instigando-o à busca autônoma de novos temas, referenciais, autores. Com a motivação autônoma e ciente de seu próprio papel na estrutura de aprendizagem, o aluno será capaz de responder tranquilamente às inovações tecnológicas, legislativas e passará a desenvolver capacidade de atualização, melhorando a qualidade do próprio conhecimento.

d) Reconhecer-se como mediador do ensino, acima de tudo, apto a direcionar o aluno para a superação dos próprios limites, intervindo nos momentos adequados para que o aluno possa alcançar os objetivos do aprendizado e um grau de amadurecimento que permita ir além do mero conteúdo transmitido em sala de aula. O professor deve, pois, ser o provocador do avanço de seus alunos.

Para tanto, é importante identificar que ao professor caberá fornecer a ajuda especializada com incentivo ao progresso e à superação dos obstáculos enfrentados pelo aluno. Tais ajudas, no entanto, não devem superar a linha do estímulo, vez que o envolvimento pessoal do aluno não pode ser suprimido pelas ações do professor. Em outras palavras, as ajudas oferecidas pelo professor devem, efetivamente, ser só ‘ajuda’ de forma a não comprometer o desenvolvimento do aluno no seu processo de conhecimento.

Em se tratando de ajudas, ZABALA (1998:97-98) esclarece que elas devem oferecer apoio real ao aluno considerando as diversidades encontradas no grupo de trabalho. Destaca que as ajudas deverão ser diferenciadas, em especial atenção às necessidades de cada indivíduo, não sendo suficiente o oferecimento de uma única forma de ajuda, vez que poderá não atingir a todos os objetivos. É preciso diversificar as formas de ajudas considerando sempre a capacidade de aprendizado dos alunos que apresentam menor rendimento e evitando a segregação destes alunos.

No mesmo sentido, ZABALA orienta o docente a organizar o conteúdo de forma que se torne possível identificar as dificuldades e as espécies de ajudas que serão necessárias. Como exemplo, cita-se a elaboração de tarefas que requeiram diferentes

níveis de raciocínio, permanecendo sempre atento aos resultados que estas tarefas apontarem. Também é estímulo imprescindível despertar o aluno para o envolvimento

com a pesquisa jurídica, além dos temas trabalhados em sala de aula.

Finalizando, deverá encontrar alternativas de ajuda que possam estimular a emancipação do aluno, levando-o a reconhecer a necessidade de empenho pessoal e autônomo no percurso da construção do conhecimento.

Dentre os mecanismos de ajuda, pode o professor valer-se das avaliações como forma de intervenção, buscando a elaboração de questões cujo enunciado exija interpretação de textos, além de domínio exemplar da leitura e da escrita, e não apenas o conhecimento puro e simples de determinado conteúdo ou tema; resgatando conteúdos anteriores como forma de manter viva a interação de conteúdos e, sempre que possível, a interdisciplinariedade. Por outro lado, utilizar o resultado destas avaliações como mecanismo de aprendizagem, dentro de uma abordagem simples de correção das questões em sala de aula, de forma esclarecedora e suficiente a possibilitar que o aluno identifique seus erros e entenda porque errou naquele contexto avaliativo.

Pode, ainda, estimular a troca de experiências entre os alunos com realização de atividades práticas simuladas desde o início do curso. O contato com a realidade prática instiga o aluno a querer melhorar seu desempenho e dominar, cada vez mais, o conhecimento jurídico. Nestas tarefas, pode o aluno valer-se de ricos conhecimentos pessoais trazidos do meio social em que se insere como ser humano. Esta influência do meio servirá como alicerce externo que provocará o desencadeamento de estruturas internas de conhecimento.

Conhecendo o aluno com que trabalha poderá o docente ajudá-lo a se emancipar e a encontrar a sua fórmula pessoal de construção e desenvolvimento do saber. Essa atitude repercute, ao final do curso, com a formação de alunos preparados para o enfrentamento do mercado de trabalho e para as inovações jurídicas e tecnológicas que se apresentam diariamente.


5. Relato de experiência em sala de aula

Os dados abaixo sintetizam uma breve pesquisa realizada em três turmas do curso de Direito no período compreendido entre 1º de junho de 05 de julho de 2010. A experiência levou em consideração o desenvolvimento de atividades avaliativas parciais com a aplicação de três métodos de atividades em sala de aula e/ou em ambiente externo à instituição de ensino. Todos os alunos participantes pertencem a uma mesma instituição de ensino superior privado do Estado de São Paulo e estão regularmente matriculados no curso de graduação em Direito.

Todos os alunos estão habituados à realização de atividades convencionais e avaliações em forma de provas (objetivas e/ou subjetivas) e trabalhos escritos ao final de cada ciclo letivo. As aulas são expositivas, com auxílio de quadro negro e giz comum, sem utilização de quaisquer recursos áudios-visuais. Resumindo, todos os alunos estão, até o momento, ambientados com os métodos tradicionais de ensino-aprendizagem e avaliação seletiva.

Na primeira turma, que se denominou "Turma: A", os alunos foram convocados a realizar trabalhos de longa duração em equipes, formadas por 4 ou 5 integrantes. Foram distribuídos temas que eram desconhecidos pelos alunos e que necessitavam de prévio domínio de conteúdos anteriormente trabalhados. As equipes elaboraram projetos de pesquisa acerca do tema e desenvolveram o projeto durante o período de trinta dias, sob a orientação e supervisão do professor, dispondo este de tempo específico para discussão de dúvidas do grupo ou individuais.

Encerrado o trabalho de pesquisa, os alunos entregaram trabalho científico conclusivo, na forma escrita dentro das normas da ABNT, bem como realizaram exposição em sala de aula para os demais integrantes da turma. Todos os alunos inseridos nos grupos foram obrigatoriamente chamados à participação escrita e oral, com limitação de tempo para cada equipe em trinta e cinco minutos. As equipes foram

numeradas de 1 a 10 e foram avaliadas pelos integrantes dos outros grupos, através de preenchimento de ficha de avaliação, além das considerações paralelamente realizadas pelo professor. Encerrados os trabalhos os grupos foram convocados a se manifestar a respeito da experiência, pelo preenchimento de uma ficha de avaliação, especialmente em relação à sua própria participação e a participação de sua equipe no desenvolvimento do trabalho. Os dados obtidos serão relatados e comentados ao final deste capítulo.

Na segunda turma, Turma "B", impôs-se (leia-se, coercitivamente.) aos alunos a realização de trabalho de leitura e resenha de três textos jurídicos relacionados à disciplina específica trabalhada em sala de aula, com conteúdos inovadores para os alunos, porém, sem maior complexidade. Os textos não foram previamente debatidos em sala de aula, exigindo mínima concentração na leitura para domínio do tema central e das principais idéias transmitidas pelos autores. Os alunos realizaram as atividades individualmente e não contaram com nenhuma espécie de auxílio do professor, ainda que esta "ajuda" tenha sido oferecida verbalmente em sala de aula (não houve nenhuma procura por ajuda durante o desenvolvimento do trabalho). Os trabalhos foram rigorosamente corrigidos e comparados, um a um, com os textos-base e com buscas na internet. Aproximadamente cinqüenta por cento dos alunos valeram-se de cópias da internet, parcial ou totalmente, na confecção da resenha entregue ao professor. Outros vinte por cento valeram-se de transcrições literais dos textos-base como forma de desenvolvimento parcial ou total do trabalho e destes, quase todos encerraram a resenha com conclusão do autor, não apontando nenhuma espécie de contribuição pessoal.

A terceira turma, Turma "C", foi submetida a aulas expositivas e avaliações escritas, na forma mista – com questões objetivas e subjetivas. Nenhuma inovação foi aplicada na turma "C" durante todo o período experimental. Ao final, os alunos realizaram uma única avaliação (na forma citada), de caráter individual, com possibilidade de consulta a qualquer espécie de material didático sobre a disciplina. Durante todo o período o professor não ofereceu ajudas individualizadas e estas também não foram solicitadas pelos alunos.

Ao final do período experimental, obtiveram-se os seguintes resultados:

 

Turma "A"

Turma "B"

Turma "C"

Total de alunos submetidos à

atividade descrita

41

55

38

Avaliação final insatisfatória

(notas entre 0,0 e 7,0)

3

21

17

Avaliação final parcialmente satisfatória (notas entre 7,1 e 8,5)

9

15

10

Avaliação final satisfatória

(notas entre 8,5 e 10,0)

29

19

11

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Análise dos dados acima, em forma percentual:

Turma "A"

Turma "B"

Turma "C"

Total de alunos submetidos à

atividade descrita

41

55

38

Avaliação final insatisfatória

(notas entre 0,0 e 7,0)

7%

38%

45%

Avaliação final parcialmente satisfatória (notas entre 7,1 e 8,5)

22%

27%

26%

Avaliação final satisfatória

(notas entre 8,5 e 10,0)

71%

35%

29%

Da análise dos resultados conclui-se que:

a) A turma que apresentou percentuais mais preocupantes em relação ao desempenho foi exatamente aquela trabalhada com os métodos convencionais do ensino jurídico, por meio de aulas meramente expositivas e avaliação individual seletiva, sem qualquer espécie de ajuda oferecida pelo professor durante o processo de ensino-aprendizagem.

b) A turma que apresentou percentuais mais significativos em relação ao melhor desempenho foi aquela em que o professor procurou priorizar os seguintes elementos extraídos da teoria construtivista: i) a interação da turma como um todo; ii) o trabalho em equipe; iii) a pesquisa extraclasse envolvendo tema novo e interessante; iv) a capacidade de superação dos alunos que não possuem hábito de se expressar em público; v) o oferecimento constante de ajudas, por parte do professor, na realização da atividade proposta; vi) a participação efetiva de todas as equipes no processo avaliativo dos trabalhos apresentados; vii) a motivação dos participantes em realizar um trabalho de excelência.

c) A turma intermediária respondeu de forma mediana aos resultados finais, demonstrando que o trabalho individual pode motivar determinados alunos, mas não todos. No mesmo trabalho e turma encontramos percentual quase equivalente entre o número de alunos com notas entre 8,5 e 10,0 (35%) e com notas entre 0,0 e 7,0 (38%), do que se conclui que a atividade não envolveu a todos os participantes e não produziu resultados frutíferos em todos os alunos.

A turma "A" foi ainda submetida ao preenchimento de questionário avaliativo da atividade em si, participação pessoal do aluno inquirido, bem como a de sua equipe. Foram aplicados 41 questionários e, destes, 39 alunos responderam e 02 alunos devolveram as fichas em branco. Os resultados abaixo excluem os dois resultados menos expressivos, centrando-se nos mais relevantes. Outrossim, quando a resposta final obtida foi superior a 90%, foram desprezados todos os demais indicadores.

Em respostas os alunos se posicionaram nos seguintes termos:

a) Quando questionados sobre a dificuldade pessoal na compreensão do tema proposto, vez que desconhecido até o início da pesquisa, 51% dos alunos afirmaram que encontraram dificuldade razoável, porém dentro das expectativas de aprendizado em um curso superior e 32% consideraram fácil a compreensão do tema e desenvolvimento da atividade;

b) Questionados sobre a análise que o aluno fez de sua participação pessoal e da participação de sua equipe na explanação do tema em sala de aula, 79% dos alunos responderam que avaliaram sua apresentação e a de sua equipe como excelente e 17% concluíram que a apresentação da equipe foi satisfatória, mas que considerou sua apresentação pessoal como insatisfatória;

c) Em relação à atividade como um todo 92% dos alunos reagiram favoravelmente à nova forma de trabalho, acreditando que propicia maior interação entre os alunos, ajudando a todos em conhecimento e aprendizagem;

d) Em relação às ajudas oferecidas pelo professor durante o processo, 79% dos alunos afirmaram que as ajudas oferecidas foram suficientes e adequadas, enquanto 17% dos alunos responderam que o seu grupo de trabalho não necessitou das ajudas que foram oferecidas;

e) Concluindo, 95% dos alunos afirmaram que gostariam de repetir a experiência em trabalhos futuros e 100% dos alunos afirmaram que se sentem motivados com pesquisas e projetos envolvendo temas jurídicos diversos, além daqueles conteúdos específicos da disciplina curricular ministrada.

O experimento revelou que os alunos respondem de forma satisfatória quando são chamados a participar, discutir e pesquisar, ou seja, quando se sentem parte integrante do processo de ensino-aprendizagem. O aluno submetido ao processo convencional de ensino (aula expositiva e avaliação meramente seletiva), em regra, não corresponde satisfatoriamente aos anseios do professor por não se sentir participante, mas mero ouvinte.

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Sobre a autora
Claudia Aparecida Colla Taques Ribas

advogada e professora de direito.Mestre em direitos difusos e coletivos e aluna especial do Doutorado em Educação, ambos pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBAS, Claudia Aparecida Colla Taques. Ensino jurídico: as ajudas individualizadas como mecanismo de minimização das diversidades em sala de aula sob o enfoque da teoria construtivista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2868, 9 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19068. Acesso em: 25 abr. 2024.

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