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A pluritributação internacional e os tratados em matéria tributária

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12/05/2011 às 06:06
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6 CONCLUSÃO

Diante da grande importância do comércio internacional para o desenvolvimento e crescimento econômico dos Estados, é fácil perceber o aspecto negativo do fenômeno da pluritributação internacional.

Para o combate dos efeitos negativos desse fenômeno, mais eficientes do que as medidas unilaterais que podem ser adotadas por cada Estado soberano se se mostram as medidas bi ou multilaterais, que se concretizam por meio da assinatura de tratados internacionais, já que, nesse caso, estabelecem os acordos concessões mútuas entre os Estados pactuantes.

Tendo em vista a corrente dualista adotada pelo Brasil, esses tratados, quando regularmente incorporados ao ordenamento jurídico interno – após a aprovação pelo Congresso Nacional e a ratificação pelo Presidente da República por, respectivamente, decreto legislativo e decreto – não são recepcionados com status de lei ordinária ou de decreto, mas como tratados que são, ou seja, continuam sendo norma internacional, devendo apenas estar de acordo com a Constituição Federal. Dessa forma, não há que falar em hierarquia entre tratados internacionais e a legislação interna.

Todavia, em rápida análise, poder-se-ia dizer que o art. 98, do CTN, estabelece essa hierarquia quando trata dos tratados em matéria tributária. Por ser a matéria referente à hierarquia dos tratados constitucional, poder-se-ia pensar na inconstitucionalidade do referido dispositivo. Isso não ocorre, todavia, pelo simples fato de que, como lei complementar, o que faz o CTN em seu art. 98 é estabelecer normas gerais em matéria tributária e resolver conflitos de competências entre as pessoas políticas, funções típicas de lei complementar, de acordo com o art. 146 da Constituição Federal. Assim, nada mais estaria fazendo o art. 98, do CTN que exercer sua função de lei complementar.

Dessa forma, para uma correta interpretação desse dispositivo do CTN, é necessário entender que os tratados internacionais prevalecem sobre a legislação interna contrária a eles, não por serem hierarquicamente superiores, mas pelo fato de serem normas especiais. Vigora, nesse caso, portanto, a regra da especialidade.

Por fim, no que diz respeito à possibilidade de tratado internacional dispor sobre tributos estaduais e municipais e conceder isenções desses tributos, verificou-se que tal situação não afronta o art. 151, III, da Constituição Federal, que veda as isenções heterônomas, nem o princípio federativo presente, também, em nossa Carta Magna. Ao contrário, é o próprio princípio federativo fundamento para essa possibilidade, já que não se deve confundir a União como República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito internacional, competente para firmar tratados, com a União ente da federação, pessoa jurídica de direito interno, que, assim como os Estados e Municípios, não pode invadir a competência legislativa dos outros entes da federação.

Assim, resta livre a União para firmar tratados internacionais que concedam isenções a tributos estaduais e municipais, seja para o fim de evitar a bi ou pluritributação ou não.

O que se tem é sem dúvida a tendência mundial à integração, que clama por esforços técnicos no sentido da superação de todas e quaisquer barreiras encontradas nas soberanias dos Estados, o que envolve o Direito, e especificamente o Direito Tributário, que não prescinde de pesquisas no sentido desta que se realizou e em outras tantas.


REFERÊNCIAS

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Notas

[...]

outro fim é o da eficiêcia nacional (national efficiency), que não corresponde aos objetivos perseguidos nem pela neutralidade interna nem pela neutralidade externa. Trata-se, em realidade, de uma forma autônoma de neutralidade, que busca implementar um incentivo aos investimentos internos, com a qualificação dos impostos forâneos pagos como se despesas fossem, a serem subtraídas da base de cálculo do imposto" (TÔRRES, 2001, p. 427-428).

  1. A Convenção de Viena, que codificou o direito dos tratados, foi adotada em 23 de maio de 1969 e entrou em vigor no âmbito internacional em 27 de janeiro de 1980, quando, nos termos do seu art. 84, atingiu o quorum mínimo de trinta e cinco Estados-membro. O Brasil, apesar de não ter até o momento a ratificado, segue seus preceitos, já que ela reveste-se de autoridade jurídica e é aceita como "declaratória do direito internacional geral", expressando direito consuetudinário (MAZZUOLI, 2001, p. 19-21).
  2. Conforme ensina José Afonso da Silva, citando Ruy Barbosa, a República, como forma de governo, pressupõe não só que coexistam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas principalmente que derivem os dois primeiros de eleições populares (BARBOSA, 1932 apud SILVA, 1998, p. 107). Essas eleições, por sua vez, caracterizam a democracia adotada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, parágrafo único, já que, como bem define o autor acima citado, a democracia "é governo do povo, pelo povo e para o povo" (SILVA, 1998, 130). Sabe-se que é o Congresso Nacional o grande exemplo de representatividade popular, no âmbito federal, principalmente a Câmara dos Deputados, chamada por José Afonso da Silva de "ramo popular do Poder Legislativo federal" (SILVA, 1998, p. 509).
  3. Vale ressaltar que essa discricionariedade só existe até a decisão do Presidente pela internalização do tratado. Decidida a internalização, há obrigatoriedade de submissão ao Legislativo.
  4. Alberto Xavier, por sua vez, entende que o Brasil adota a concepção monista internacionalista, pois vê no art. 5°, § 2°, da Constituição Federal, cláusula de recepção plena. Para o autor, os tratados internacionais são recebidos no ordenamento jurídico não como leis internas, mas como tratados, só podendo ser revogados pelos mesmos mecanismos que lhes são próprios, e não pelos que valem para as leis internas. Explica Xavier: "A revogação de um tratado por obra de lei ordinária interna, da competência exclusiva de um desses poderes – o legislativo – teria o alcance de um verdadeiro ‘golpe de Estado’, retirando da destruição dos efeitos de um ato jurídico a intervenção de um órgão sem o qual tal ato não poderia ter sido celebrado". Entende ainda o autor que os tratados internacionais têm caráter supralegislativo mas infraconstitucional, exceto em matéria de direitos e garantias, caso em que, interpretando-se o art. 5°, § 2°, da Magna Carta, têm caráter supraconstitucional. Também argumenta que, pelo disposto nos artigos 109, III; 105, III, ‘a’, e 102, III, ‘b’, da Constituição Federal, é patente que os direitos previstos em tratados decorrem diretamente destes, ou seja, têm sua origem em normas internacionais. Se assim não fosse, se tais normas internacionais fossem incorporadas ao sistema jurídico interno por meio de conversão em lei, "não faria sentido a clara dicotomia que a Constituição estabelece entre ‘tratados ou lei federal’ ao prever a possibilidade de ambos [...] ofenderem a Constituição" (XAVIER, 2005, p. 122-130).
  5. Mesmo antes da Emenda Constitucional n° 45/2004 prevalecia, na doutrina, o entendimento de que os tratados sobre direitos humanos possuíam natureza e status de norma constitucional, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da Carta Magna. Em sentido contrário, todavia, decidiu o STF em dezembro de 1997 (RTJ 165/745), ao concluir pela persistência da prisão do depositário infiel mesmo após o advento do Pacto de São José da Costa Rica, que só admite a detenção por dívida de pensão alimentícia (DALLARI, 2003, p. 63).
  6. "[…] o art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a respeito da prevalência da norma interna com o poder de revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi feita tendo em vista os designados tratados-contratos, e não os tratados-leis" (Resp 426.945-PR; 2002/0043098-0; DJ 18.09.2003; Rel. Min. José Delgado).
  7. Luciano Amaro faz interessante observação no sentido de que não é a lei interna superveniente que deve observar o tratado, mas sim o intérprete que, ao analisar esta deve observar o tratado naquilo em que possa afastar, limitar ou condicionar a aplicação da lei interna (AMARO, 2007, p. 180).
  8. Por esse exemplo é possível notar o motivo pelo qual no decorrer no trabalho será utilizada predominantemente a expressão "pluritributação" e não "dupla ou bitributação" internacional: "[...] mesmo sendo o fenômeno da bitributação o de mais fácil verificação, não se pode olvidar a existência de fatos tributáveis sobre os quais há uma múltipla incidência de normas originárias e vigentes em ordenamentos diversos [...]. Sem dúvida, a correção terminológica se impõe e requer o uso do termo ‘pluri’ ou ‘múltipla’ tributação internacional de rendas, por compreender em seu bojo tanto a ‘dupla’ tributação quanto a ‘tripla’, a ‘penta’ a ‘hexa’ tributação etc" (TÔRRES, 2001, p. 377-378).
  9. Paulo de Barros Carvalho entende – e sua doutrina tem sido aceita pela maioria dos estudiosos do direito tributário –, que a regra matriz de incidência tributária, que nada mais é do que o tipo tributário previsto na lei, compõe-se de dois elementos: um antecedente e um consequente. O antecedente, conhecido como hipótese de incidência, abarca, por sua vez, três critérios: o material, o espacial e o temporal. Já o conseqüente tributário, que é a relação jurídica tributária, se compõe dos critérios pessoal (sujeitos ativo e passivo) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Quando o antecedente se realiza, ocorre o que chamamos de subsunção, e a partir daí a implicação no consequente, que gera a relação jurídica tributária ou obrigação tributária.
  10. "Enquanto a neutralidade fiscal à exportação procura resguardar os sujeitos residentes de um mesmo Estado que produzem rendas dentro e fora deste, ou apenas fora, o princípio da neutralidade fiscal à importação, ao contrário, busca garantir aos residentes de um Estado, que produzem rendas externamente, o mesmo tratamento que o país da fonte concede aos seus residentes, e aos sujeitos não-residentes o mesmo tratamento concedido aos seus residentes, que produzem rendas internamente.
  11. Existem outros métodos, além dos indicados, de menor importância e sobre os quais não serão feitas considerações pelo fato de, conforme explica Heleno Tôrres, considerarem "prioritariamente aspectos macroeconômicos e só de um modo indireto os aspectos puramente fiscais", ou ainda, por serem de funcionamento muito simplificado. São exemplos desse métodos a redução de alíquotas de impostos com incidência na fonte e alíquota zero, que, apesar de não buscarem diretamente a eliminação da dupla tributação, provocam uma redução em seus efeitos danosos (TÔRRES, 2001, p. 426).
  12. Cumpre ressaltar que parte da doutrina denomina a pessoa interna de União e a pessoa externa de Estado federal. Outra parte, porém, adota a linguagem constitucional, que chama ambas as pessoas jurídicas de União. Isso porque nossa Carta Magna é um texto legislativo, não científico, marcado por inevitável expressão cultural diversificada própria da democracia. Adotando essa linguagem constitucional, todavia, se faz necessário ter sempre em mente a diferença entre União como membro da federação, pessoa jurídica de direito interno, e União como Estado federal, pessoa jurídica de direito internacional.
  13. Cabe, aqui, uma breve análise a respeito das leis nacionais e das leis federais. Quando a União edita leis que tratam de seus próprios assuntos político-administrativos, não produzindo qualquer efeito na estrutura federativa ou na convivência nacional, essas são leis federais, cujos efeitos não são irradiados sobre os demais entes da federação. Por outro lado, quando a União, entendida neste caso como o Estado brasileiro, edita leis que abrangem as relações jurídicas pertinentes à Nação brasileira, são essas leis nacionais. Dessa forma, se o tratado internacional é firmado pela União enquando República Federativa do Brasil, quando internalizado, assume a característica de lei nacional, obrigando não só a União – como faria uma lei federal – mas também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (BARROS, 1993). Uma maneira clara de se observar essa diferença – entre lei nacional e lei federal – seria observar que enquanto a lei nacional determina relações jurídicas em todo o âmbito nacional, abrangendo os Municípios, o Distrito Federal e os Estados, a lei federal não o faz, pois, como ensina Pedro Lenza, por não haver hierarquia entre, por exemplo, uma lei federal e uma municipal, pois "o que ocorre são âmbitos diferenciados de atuação, atribuições diversas, de acordo com as regras definidas pelo constituinte", não pode aquela ser aplicada no âmbito municipal (LENZA, 2008, p. 369).
  14. Nesse sentido é a doutrina de Clélio Chiesa, citado por Caminha: "[...] inexiste antinomia real entre os artigos mencionados, o que existe é um tratamento especial para os serviços e produtos destinados ao Exterior, para atender a contingência da política econômica. Com efeito, essa regulamentação não conflita com a regra prevista no art. 151, III, da CF. É um tratamento diferenciado que tem por finalidade prestigiar outros valores também relevantes para a sociedade brasileira, como o incentivo às exportações para um determinado tipo de produto, de conteúdo da balança comercial, enfim, interesses da política econômica do País. São valores que transcendem aos interesses regionais" (CHIESA apud CAMINHA, 2001, p. 47).
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Sobre o autor
Ana Lia Progiante

Técnica Administrativa do Ministério Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PROGIANTE, Ana Lia. A pluritributação internacional e os tratados em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2871, 12 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19081. Acesso em: 29 mar. 2024.

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