3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
3.1 Conceito e origem
A desconsideração da personalidade jurídica consiste em não se considerar, em casos específicos, a separação patrimonial entre o capital da pessoa jurídica e o patrimônio de seus sócios (pessoas físicas) para os efeitos de determinadas obrigações para com os credores, com o objetivo de impedir a sua utilização de forma desvirtuada.
O novel Código Civil, em seu artigo 50, trata do instituto em apreço nos seguintes termos:
Art.50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A este respeito, Saad, C., Saad, J. e Branco (2008, p. 1023) se reportam nos seguintes termos: "Essa teoria, em apertada síntese, consiste na desconsideração da pessoa jurídica, num caso concreto, para alcançar os bens que, ardilosamente, passaram a integrar seu patrimônio."
Dessa assertiva, pode-se concluir, então, que a desconsideraçãoconsiste em uma forma de amoldar a pessoa jurídica à finalidade para a qual foi criada, ou, em outras palavras, é o meio de refrear o uso indevido dos privilégios inerentes à pessoa jurídica.
Os autores citados ensinam que tal instituto, no entanto, não deve ser visto como um ataque à estrutura da pessoa jurídica, uma vez que, na prática, visa anular a fraude já realizada à sombra das prerrogativas usufruídas por esta figura, permitindo que o magistrado atravesse o escudo que a protege, atingindo as pessoas que a dirigem ou compõem.
Ressaltamos que a referida doutrina tem como escopo atingir aquele que detém o controle efetivo da empresa, isto é, seu acionista controlador e não seus diretores assalariados ou empregados que não participam do controle acionário.
A pessoa jurídica é reconhecidamente um recurso que tem como objetivo o incentivo ao desenvolvimento econômico e social.
Para Gomes (2005) a desconsideração da personalidade jurídica é a ferramenta de reparação a ser utilizado pelo juiz, nos casos em que a pessoa jurídica se afastasse da finalidade para a qual foi criada, em virtude da autonomia e capacidade que lhe são peculiares, vindo a causar danos à sociedade, através de atos ilícitos, com o fim de obter vantagens injustas.
Diante de fatos assim, emergiu nos tribunais americanos, a disregard doctrine ou disregard of legal entity (desconsideração da personalidade jurídica) - em vista dos casos concretos em que o controlador da sociedade a desviava de seus objetivos com fins escusos - como meio de impedir o uso da personalidade jurídica de forma fraudulenta, através da responsabilização de seus membros (pessoas físicas), que respondem com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas da pessoa jurídica.
Este foi o meio encontrado para se evitar que a pessoa jurídica se transformasse em um instituto inatingível, dogmático, que viesse a se perpetuar como um meio para se atingir propósitos ilegítimos, em detrimento do direito de seus credores.
Achamos por bem, fazer uma ressalva a respeito das expressões "despersonalização da pessoa jurídica" e "desconsideração da pessoa jurídica", que são utilizadas por alguns doutrinadores como expressões sinônimas.
Nahas entende que, neste contexto, o uso das expressões "despersonalização" e "desconsideração" como termos intercambiáveis é equivocado, justificando seu entendimento da forma que abaixo se transcreve:
Despersonalizar quer dizer retirar a personalidade que lhe foi atribuída, e o que ocorre nas hipóteses aqui tratadas é, dentro do caso concreto, desconsiderar aquela atribuição inicial de personalidade para, dentro de determinados limites, atingir pessoas e bens que se encobrem atrás daquela personalidade. (NAHAS, 2007, p. 95)
Reforçando este entendimento, Requião (2008, p. 218), ao tratar da disregard doctrine, assim se expressou: "Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos."
Gomes, sobre a questão, assim se manifesta, ipsis litteris:
Embora haja certa confusão terminológica na doutrina, vez que alguns autores fazem referência a despersonalização, em vez de desconsideração, entende-se que a segunda denominação é mais correta, vez que a disregard doctrine não extingue a pessoa jurídica, apenas estende seus efeitos de determinadas obrigações sociais aos sócios e administradores, havendo uma suspensão momentânea da autonomia da pessoa jurídica. (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>).
Podemos inferir da doutrina consultada que a disregard não tem como base a anulação da personalidade jurídica, esta figura tem como fulcro, desconsiderar a pessoa jurídica em virtude das pessoas ou bens que estão por trás dela. Com a aplicação da desconsideração, na verdade, ocorre a suspensão da separação patrimonial no caso concreto.
3.2 Evolução histórica
No entendimento de Tomazette (2002), a pessoa jurídica desfrutava de grande prestígio e por ter sido erguida como um dogma, a sua autonomia patrimonial era supervalorizada, o que levava a crer que esta autonomia não poderia ser, jamais, afastada.
O mesmo autor leciona que a má utilização da pessoa jurídica fez com que surgissem, a partir do século XIX, as primeiras preocupações a este respeito, o que levou os operadores do direito, à época, a buscarem meios idôneos para reprimir o mau uso desse instituto.
Tomazette (2002) também acrescenta que a teoria da soberania de Haussmann e Mossa, ainda no século XIX, foi o primeiro meio de combate ao mau uso da pessoa jurídica a ser tentado.
Na realidade, esta teoria foi elaborada pelo estudioso alemão Haussmann, no século XIX e posteriormente, desenvolvida na Itália, pelo doutrinador Mossa. Tal estudo, porém, não foi bem recebido pelo meio jurídico da época, provavelmente pelo fato de não se basear em nenhuma norma legal expressa nos ordenamentos, vez que apontava mais especificamente para a aplicação dos princípios morais e sociais, do que aos preceitos legais que vigoravam na época.
Esta teoria tinha, pois, como objetivo, principalmente imputar ao sócio controlador, ou mesmo ao administrador da sociedade, o cumprimento das obrigações por ela assumidas e não cumpridas.
Dessa forma, eram dados os primeiros passos, em direção à disregard doctrine, sem que, no entanto, seus doutrinadores discutissem os requisitos básicos para a sua aplicação. Assim, conquanto fosse um pensamento demasiado avançado para a época, não foi bem aceito no meio jurídico, em virtude do evidente positivismo europeu do século XIX.
Desse modo, segundo Tomazette (2002), a desconsideração se desenvolveu, inicialmente, nos países da Common Law, onde o direito positivo não se impunha tão fortemente.
De acordo com Santos (2003) e Nahas (2007), os primeiros casos relevantes e documentados de manifestação da disregard ocorreram nos tribunais dos Estados Unidos e da Inglaterra, no século XIX.
Santos (2003) noticia que em 1809, foi aplicada a referida teoria, no caso do Banco dos Estados Unidos versus Deveaux, quando o juiz Marshall "levantou o véu" da corporação, levando em consideração, as características individuais dos sócios. Este caso, na verdade, tratava de uma discussão sobre competência e manteve a jurisdição das cortes federais norte americanas para o julgamento de casos nos quais houvesse controvérsias entre cidadãos de estados diferentes.
Podemos deduzir, portanto, que o primeiro caso da real aplicação da desconsideração se deu no processo Salomon versus Salomon Co, na Inglaterra, em 1897, pensamento compartilhado por Santos (2003) e Gomes (2005).
In casu, Aaron Salomon, próspero comerciante individual do ramo de calçados, decidiu constituir uma companhia limitada com outros seis sócios, na qual era detentor de 20 mil ações, se tornando o credor privilegiado da companhia, enquanto os demais sócios, todos, membros de sua família, eram possuidores, cada um, de uma única ação.
Após um ano, a companhia entrou em liquidação e os credores, sem qualquer garantia, demonstraram sua insatisfação. Buscando proteger os interesses dos credores, o liquidante intentou obter uma indenização pessoal do sócio majoritário, já que a companhia era ainda a atividade pessoal do mesmo e os demais sócios eram fictícios.
Tanto o Juízo de primeiro grau, quanto a Corte de Apelação, decidiram por aplicar a desconsideração da personalidade jurídica ao caso, imputando a Salomon, a responsabilidade pelos débitos da sociedade. A decisão foi reformada pela Casa dos Lordes, que manteve o privilégio da autonomia patrimonial da sociedade regularmente constituída, contudo, lançada estava, a semente da disregard doctrine.
Inferimos, pois, que foi a partir da jurisprudência anglo-saxônica que se deu início ao desenvolvimento da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, propriamente dita, influenciando, inclusive, a jurisprudência norte americana.
Sobre a utilização dessa doutrina nos Estados Unidos, Diniz se manifesta nos seguintes termos:
Nos Estados Unidos essa doutrina só tem sido aplicada nas hipóteses de fraudes comprovadas, em que se utiliza a sociedade como um mero instrumento ou simples agente do acionista controlador. Em tais casos de patrimônio da sociedade com o do acionista induzindo terceiros em erro, tem-se admitido a desconsideração, para responsabilizar pessoalmente o controlador. (DINIZ, 2010, p. 319)
Diniz (2010) ainda afirma que, na França, existe uma lei que prevê a aplicação da desconsideração em caso de falência ou concordata de uma pessoa moral, desde que o ativo seja insuficiente.
Acrescenta que tal aplicação é admitida, apenas, nas hipóteses de fraude à lei e ao contrato. Leciona, ainda, que na Suíça, nas práticas de atos economicamente proibidos ou que prejudiquem direitos dos credores, ou que legalizem negócios simulados. Registra, também, que na Espanha, a disregard é aplicada nos casos de fraude à lei.
No Brasil, Rubens Requião, citado por Nahas (2007), apresentou a ideia da desconsideração da personalidade jurídica, em 1969. Entretanto, este instituto só veio a ser incluído no ordenamento positivo pátrio, inicialmente, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seu art. 28.
Posteriormente, foi previsto na Lei Antitruste (Lei 8.884/94, art. 18) e na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98, art. 4°).
Finalmente, o Código Civil de 2002, consagrou a teoria da desconsideração em seu art. 50 e a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 2°, § 2°, admite a aplicação da disregard doctrine.
3.3 Desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro
Como já comentamos anteriormente, no Brasil, a teoria da desconsideração teve como precursor Rubens Requião, no ano de 1969.
Faremos, a seguir, um breve relato sobre a inclusão deste instituto em alguns ramos do nosso direito, recorrendo antes, a uma sucinta explanação acerca dos requisitos básicos para o uso da disregard (desconsideração) e sobre as teorias de aplicação deste instituto.
3.3.1 Requisitos básicos para o uso da desconsideração
Ressaltamos que a separação patrimonial entre o capital da empresa e o patrimônio das pessoas físicas que a compõem, é a regra, sendo a desconsideração da personalidade jurídica a exceção, devendo esta regra ser quebrada, apenas, em casos específicos, por motivos que a justifiquem.
Assim é que, em alguns casos, o juiz pode deixar de aplicar as regras da separação patrimonial entre a sociedade e seus sócios, deixando de considerar a pessoa jurídica num caso fático, a fim de coibir fraude cometida através da manipulação dessas regras.
Sobre o tema, Santos (2003, p. 145) expressa sua opinião ipsi literis: "[...] a teoria da Disregard of legal entity permite ao juiz desconsiderar a pessoa jurídica quando se verifica que ela foi utilizada abusivamente para o fim de desviar os bens e fraudar os credores. [...]"
Sendo assim, temos como requisitos básicos para a aplicação da desconsideração: a personificação, a fraude e o abuso do direto, relacionados à autonomia patrimonial.
A personificação é fator essencial para a aplicação da disregard, pois, o magistrado só pode se utilizar deste expediente, nos casos fáticos, em que estiver diante de uma pessoa jurídica, ou seja, de um ente personificado, pois ausente este requisito, não há que se cogitar na existência de autonomia patrimonial que possa ser usada para fins escusos.
Para Tomazette (2002), a fraude, para os fins deste estudo, ocorre quando se lança mão da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para se ocultar e fugir do cumprimento de obrigações, desviando-a do fim para o qual foi criada, que é o exercício regular das atividades econômicas.
Nas palavras de Nahas o abuso de direito assim se explica:
Abusar de um direito é cometer o ato de forma legal, mas excessiva, ultrapassando os limites traçados pelo legislador ou pelo contrato. Há um desvio da função da norma, causado pelo uso irregular ou anormal do direito. A afetação do ente moral é permitida para que ele possa cumprir uma finalidade social, voltada à melhoria da condição do próprio homem. Todavia, os administradores, manipulando indevidamente a pessoa jurídica, desvirtuam a finalidade originária, causando prejuízos a terceiros que com ela negociam acreditando no cumprimento da finalidade buscada. (NAHAS, 2007, p. 110).
Da análise da doutrina transcrita, podemos inferir que o abuso de direito não se trata, na verdade, de ato ilícito, mas do mau uso da personalidade jurídica, ou seja, dos direitos que lhe são inerentes, quando foge de sua finalidade social, pois, o direito não pode ser usado, apenas, em benefício de seu titular, deve, antes, visar o bem-estar coletivo e, se tal não suceder, abre-se o caminho para a aplicação de desconsideração da personalidade jurídica.
3.3.2 Teorias de aplicação da desconsideração
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, citado por Souza (2008), há duas correntes doutrinárias, no direito brasileiro, que tratam da aplicação da disregard, denominadas "Teoria Maior" e "Teoria Menor."
A Teoria Maior será aplicada quando a personalidade jurídica da sociedade for usada para cometer abuso ou perpetrar fraude.
Nesta teoria, também denominada Teoria Subjetiva, o magistrado, usando de seu livre convencimento, se entender que houve fraude ou abuso de direito, pode aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Para tanto, é necessário fundamentação porquanto utiliza o livre convencimento. De todo modo, a teoria maior exigirá, sempre, o atendimento dos requisitos legais.
Já na Teoria Menor ou Teoria Objetiva, como denomina parte da doutrina, porque baseada em critérios objetivos, não se busca a comprovação do mau uso da sociedade, não havendo que se provar desrespeito à boa fé e não existindo qualquer conexão com a fraude ou como abuso de direito. Parte-se, no máximo, da presunção de que um sócio é solvente, ao passo que a sociedade é insolvente.
A segunda teoria é aplicada ao Direito do Consumidor (art. 28, § 5º, da Lei 8.078/1990), ao Direito Ambiental (art. 4º, da Lei 9.605/1998) e ao processo do trabalho (art. 2°, § 2°, da CLT).
3.3.3 A desconsideração no Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) foi o pioneiro no regramento para a aplicação da teoria da desconsideração em termos de direito positivo e enumera as hipóteses do uso do instituto em comento, nos termos do seu art. 28, § 5°, que assim dispõe:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
O caput do art. 28 do CDC, levanta, como primeira hipótese de aplicação da desconsideração, o abuso de direito, ou seja, o exercício não regular de um direito, traduzido pela prática de atos com a deliberada intenção de causar prejuízo a terceiros.
A personalidade jurídica é atribuída com vistas a atingir um fim social e se tal instituto é utilizado, pois, para fins contrários a este, tal ato é abusivo e atentatório ao direito, constituindo-se, neste caso, a desconsideração da personalidade jurídica, em um meio efetivo para coibir tais práticas.
O artigo supra traz, como segunda hipótese para uso do instituto em comento, o excesso de poder, referindo-se a determinados atos praticados por administradores, atos estes que não lhes caberia executar, já que seus poderes estão limitados pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, cuja violação propicia a aplicação da desconsideração.
Do teor do artigo ora estudado, se deduz que a prática de atos que infrinjam a lei, bem como a ocorrência de fato ilícito, o cometimento de ato ilícito, ou a violação dos estatutos ou contrato social resultam na mesma consequência da prática do excesso de poder, motivo pelo que, se engajam na segunda hipótese.
A respeito das hipóteses acima, Tomazette (2002) manifesta sua opinião, considerando-as desnecessárias, conforme texto a seguir transcrito:
Tais hipóteses não correspondem efetivamente a desconsideração, pois se trata de questão de haver imputação pessoal dos sócios ou administradores, não sendo necessário cogitar-se de desconsideração. A inclusão de tais hipóteses é completamente desnecessária, pois muito antes do Código de Defesa do Consumidor já existiam dispositivos para coibir tais práticas, como os artigos 10 e 16 do Decreto 3.708/19, 117 e 158 da Lei 6.404/76 e 159 do Código Civil de 1916, que tratavam da responsabilidade pessoal dos sócios ou administradores.(A desconsideração da personalidade jurídica, disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3104 >)
Analisando as hipóteses acima elencadas, Thereza Nahas se reporta ao assunto nos seguintes termos:
O elenco de hipóteses fáticas legais relativas à desconsideração da pessoa jurídica não está, necessariamente, ligado a pessoa moral em si ou a ato por ela praticado diretamente, mas sim a seus administradores. As situações de excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social são considerados ato atribuído à pessoa do administrador e não necessariamente ato da sociedade. O administrador vai além do que a lei, contrato ou estatuto lhe permite fazer, extrapolando os limites de ação que lhe foram outorgados. De forma que a responsabilização é direta a tais agentes e não situação de desconsideração propriamente dita. (NAHAS, 2007, p. 109-110).
Nahas (2007) justifica seu posicionamento, afirmando que tais figuras já estavam regulamentadas na Lei das Sociedades por Ações e Sociedade limitada e que o legislador apenas as ratificou, incluindo-as como hipótese fática de desconsideração da pessoa jurídica.
A cabeça do art. 28 do CDC se refere, ainda, à hipótese fática de desconsideração nas situações em que houver falência, insolvência, encerramento ou inatividade de pessoa jurídica, motivadas pela má administração.
Nesse caso, é imperativo que haja o nexo de causalidade entre a situação de crise enfrentada pela pessoa jurídica e a má administração para que se configure a hipótese de aplicação da disregard.
A última hipótese, baseada no que dispõe o § 5°, do art. 28, do CDC, se constitui em uma típica situação de desconsideração, pois, neste caso, se utilizou a pessoa jurídica com o fim específico de causar obstáculo ao ressarcimento de prejuízos por ela causados.
3.3.4 A desconsideração no direito ambiental
O art. 3° da Lei 9.605/98 prevê imputabilidade criminal para as pessoas jurídicas, as quais poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, no caso em que atividade danosa ao meio ambiente seja cometida, nas palavras de Diniz (2010, p. 300), "por decisão de seus representantes legais, contratuais ou de seu órgão colegiado, no interesse ou em benefício da entidade."
Com muita propriedade, Cabral, citado por Imperiano (2007, p. 149) definiu a responsabilidade administrativa ambiental nos seguintes termos:
É o resultado de prática de infração a normas administrativas sobre o meio ambiente, sujeitando os infratores a sofrer punições de natureza administrativa emanadas do Poder Público, que as imputa nos limites de sua competência por meio do poder administrativo manifestado na forma do poder de polícia.
As sanções administrativas, neste contexto se traduzem em multas, embargos, suspensão das atividades e demolição (IMPERIANO, 2007).
A responsabilidade civil, que consiste na reparação pecuniária pelo autor de prática lesiva ao meio ambiente, é objetiva, ou seja, independe de culpa.
Inicialmente, a Lei 6.453/1917, em seu art. 4°, regulamentou a responsabilidade civil por danos nucleares. Posteriormente, A Lei 6.938/1981, em seu art. 4°, VII e art. 14, § 1° atribuiu ao poluidor e ao predador a responsabilidade de indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, independentemente de culpa. Finalmente, a Constituição Federal, em seu art. 225, § 3°, incluiu a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.
Desse modo, segundo Imperiano (2007), a ação ou omissão de pessoa física ou jurídica que resulte em poluição ou degradação do meio ambiente submetem seus transgressores à indenização pecuniária e reparação pelo dano causado, bem como, à recuperação do meio ambiente.
Os princípios da reparabilidade do dano ambiental e do poluidor-pagador, insculpidos em dispositivos legais, como os que acabamos de mencionar e na Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, serviram de base para a redação da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98).
Sobre o assunto, Fiorillo se reporta nos seguintes termos:
O art. 225, § 3°, da Constituição Federal previu a tríplice responsabilidade do poluidor (tanto pessoa física como jurídica) do meio ambiente: a sanção penal, por conta da chamada responsabilidade penal (ou responsabilidade criminal), a sanção administrativa, em decorrência da denominada responsabilidade administrativa, e a sanção que, didaticamente poderíamos denominar civil, em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de reparar danos causados ao meio ambiente. (FIORILLO, 2010, p. 124).
A Lei 9.605/98 dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, rezando em seus artigos 3° e 4°, in verbis:
Art. 3° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu Órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo ato.
Art. 4ª Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Podemos inferir, do que foi visto, que no Direito Ambiental, a aplicação da desconsideração da pessoa da pessoa jurídica independe da comprovação de culpa, bastando tão somente que se verifique a insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para reparar ou compensar os danos por ela causados ao meio ambiente.
3.3.5 A desconsideração no Código Civil Brasileiro
Sendo o Brasil, um país de inspiração continental, onde prevalece o apego ao direito escrito, é de grande relevância, a inserção de um artigo que trate da teoria em questão no Código Civil pátrio.
Em vista disso, o Código Civil de 2002 consagrou a teoria da desconsideração em seu art. 50 ao expor, ipsis litteris:
Art.50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
De acordo com o artigo acima transcrito, se, por ato dos administradores ou dos sócios, a pessoa jurídica se desviar dos fins para os quais foi constituída, com o objetivo de trazer prejuízo a alguém, ou, caso o patrimônio da sociedade esteja, de tal forma, misturado com o patrimônio particular do sócio, que se torna impossível distingui-los, causando dano a terceiros, em virtude do uso da personalidade jurídica de forma abusiva, ao magistrado é permitido, mediante requerimento da parte interessada ou do Parquet, com base na prova material do dano, desconsiderar a personalidade jurídica, temporariamente, de modo a coibir fraudes e abusos dos sócios que a utilizam como escudo.
Tal medida não importa na dissolução da pessoa jurídica, que se distingue da pessoa de seus componentes. Esta separação patrimonial é tão somente afastada transitoriamente, quando do surgimento de um caso concreto, possibilitando a transferência da responsabilidade para aqueles que a utilizam de forma indevida.
Na verdade, trata-se de uma medida protetiva e preventiva, que visa preservar a sociedade (pessoa jurídica), bem como tutelar os direitos daqueles que com ela transacionarem.
Do disposto no artigo 50 do Código Civil, podemos deduzir que a desconsideração é uma medida a ser aplicada apenas excepcionalmente, já que a regra é a manutenção da autonomia patrimonial, não devendo ser esta sacrificada, sem a prova cabal do desvio no uso da pessoa jurídica.
3.3.6. A desconsideração no processo do trabalho
Tendo em vista que o presente trabalho dedicará um capítulo ao estudo da aplicação da teoria da desconsideração na execução trabalhista, faremos, no momento, apenas, uma breve consideração acerca do assunto.
A disregard foi introduzida na seara trabalhista através do art. 2°, § 2°, da CLT, de cuja interpretação se tem assegurada, a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica do empregador que não cumpriu com suas obrigações para com seu empregado.
Para tanto, a CLT, em seu art. 2°, considera como empregador, "a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços."
Assim, demonstrada a insolvência do patrimônio da pessoa jurídica e verificando-se a solvibilidade de seu controlador ou sócio, pela aplicação da Teoria Menor, transfere-se para estes, a responsabilidade pela quitação da dívida assumida por aquela, pela aplicação do art. 2°, § 2°, da CLT.