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A utilização abusiva dos tratados e convenções internacionais ("treaty shopping") como mecanismo para lavagem de dinheiro e a remessa ilegal de divisas

19/05/2011 às 16:27

Resumo:


  • Abuso das Convenções Internacionais: Fenômeno em que cidadãos buscam benefícios de tratados fiscais sem ter direito, através do "treaty shopping".

  • Definição: "Treaty shopping" é o uso de um tratado tributário por terceiros para obter vantagens que não seriam devidas, evitando a tributação.

  • Combate: Países têm adotado cláusulas anti-"treaty shopping" em tratados internacionais para evitar a elisão fiscal e a lavagem de dinheiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

"Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível." (São Francisco de Assis)

Especificamente quanto ao abuso das Convenções Internacionais, o Professor italiano Pasquale Pistone o vê como o fenômeno pelo qual um cidadão pátrio, com o fim de obter uma economia de imposto e fazer uma remessa ilegal de divisas, pretende os benefícios de um tratado aos quais não faz jus em razão de sua situação substancial. [01]

Foi a expressão, segundo Veronica Alessi [02], utilizada pela primeira vez no congresso americano, sendo conceituado por Luis Eduardo Schoueri [03] como o uso de um Tratado ou Convenção de Direito Tributário por alguém, através da interposição de uma pessoa, obtém a proteção de um acordo de bitributação que, de outro modo, não seria devida, enfatizando que não há que se falar em treaty shopping quando o contribuinte é movido por motivos extrafiscais, necessário assim que a interposição de terceira pessoa seja feita com o fim específico de haurir as vantagens da Convenção ou Tratado.

Nasceu a locução da similitude de circunstâncias com o chamado "fórum shopping" do direito americano, que consiste no buscar a parte a corte que lhe parece a em que melhor teria acolhida seu pleito judicial.

Extreme-se, desde logo, o conceito de treaty shopping do conceito de "rule shopping", que consiste, segundo o Professor Pasquale Pistone [04], na busca da regra mais favorável, por contribuinte sujeito ao Tratado de Direito Tributário (por exemplo, dentro de um grupo de empresas, fazendo-se distribuição de dividendos mas dando-se-lhe o título de juros, a fim de se obter tributação mais favorável), apontando com propriedade Heleno Torres [05], que no âmbito subjetivo estão as partes indicadas como beneficiários, porém, visando ampliar ainda mais as possibilidades do acordo, promovem escolha da "melhor regra", e de qualificações mais favoráveis, tratando-se assim de casos de qualificação objetiva razão porque conceitua rule shopping (ou escolha da melhor regra) como "o planejamento tributário que tem como finalidade derrogar as qualificações aplicáveis aos rendimentos ou definições previstas na convenção, adotando uma outra qualificação com regime tributário mais favorável." [06].

Surge, no direito tributário internacional, a expressão "beneficial owner" trazida para o vernáculo como beneficiário efetivo, para designar aquele que na realidade auferirá as vantagens decorrentes do tratado, no caso de interposição de terceira pessoa. Expressão nascida no direito inglês, tem, segundo o Black’s Law Dictionary o significado de alguém reconhecido como proprietário por equidade, por lhe pertencerem o uso e título da coisa, embora o título legal pertença a outra pessoa (Beneficial owner - 1.

One recognized in equity as the owner of something because use and title belong to that person, even though legal title may belong to someone else; esp., one for whom property is held in trust. - Also termed equitable owner. 2. A corporate shareholder who has the power to buy or sell the shares, but who is not registered on the corporation´s books as the owner) [07].

O treaty shopping designa o termo aquele que por interposta pessoa aufere as vantagens da Convenção Internacional Tributária, sem nele aparecer, cabendo lembrar, conforme Klaus Vogel [08], que o mesmo se concretiza quando preencha ele dois requisitos:

a) possua o direito de decidir se seu investimento (capital e ativos) deve ou não produzir rendimento;

b) possua o direito de dispor livremente desse rendimento.

O Professor Heleno Torres detalha que essa caracterização se faz pela presença de quatro elementos [09]:

a) busca planejada do melhor Tratado de Direito Tributário, visando o resultado fiscal mais favorável;

b) planejador (beneficiário efetivo) não residente nos países signatários do Tratado ou Convenção em matéria tributária;

c) interposição de terceiro residente no país destinatário dos rendimentos;

d) afastamento da tributação no país da fonte dos rendimentos por força do Tratado de Direito Tributário.

A fértil e criativa imaginação dos contribuintes vem criando, ao longo dos anos, esquemas, formas, estruturas e modos de atuação para aproveitar os Tratados de Direito Tributário, de tal forma que a OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento), dedicou comentários ao artigo primeiro de seu modelo de tratado ao uso impróprio dos tratados.

A utilização abusiva (Treaty Shopping) das convenções internacionais, inicialmente em matéria tributária, passou a ser um mecanismo para Lavagem de Dinheiro e a Remessa Ilegal de Divisas, conquanto tal utilização abusiva dá ensejo para que criminosos tenham o condão de decidir se seu investimento (capital e ativos) deve ou não produzir rendimento, ou seja, o criminoso se aproveita de cláusulas de convenções internacionais para poder auferir vantagens escusas do benefício que são concedidos aos mais diversos países.

Procurando combater a elisão fiscal que o treaty shopping propicia, e conseqüentemente a remessa ilegal de divisas, os diferentes Estados têm procurado incluir em seus Tratados ou Convenções Internacionais as chamadas cláusulas de salvaguarda (anti-Treaty Shopping), ou fazendo-o por intermédio de medidas unilaterais contidas em suas legislações internas nacionais.

Cumpre esclarecer o posicionamento do jurista Tulio Rosembuj [10], para quem na inexistência de cláusula antiabusiva no Tratado ou Convenções Internacionais impede a aplicação das leis nacionais, que seria contrária ao principio "pacta sunt servanda", constituindo-se assim em violação ao direito internacional, com o qual coincide com o professor Heleno Torres. No afã de obstar o treaty shopping, são utilizadas comumente as seguintes cláusulas [11]:

a) Cláusula de abstinência – pela qual um país se abstém de concluir Tratado e Convenções Internacionais, principalmente aqueles relacionados com o Direito Tributário, ou denuncia os existentes com países de tratamento fiscal favorecido (paraísos fiscais);

b) Cláusula de transparência (look through approach) – pela qual os benefícios dos Tratados e Convenções Internacionais somente se aplicam a uma sociedade sempre que seu capital pertença a residentes do país em que está domiciliada;

c) Cláusula de exclusão – incluída nos Tratados e Convenções Internacionais a fim de deixar fora dos seus benefícios as empresas de um dos Estados contratantes que gozem de regime fiscal privilegiado ou se situem em área geográfica incentivada;

d) Cláusula de sujeição efetiva – consiste em conceder os benefícios dos Tratados e Convenções Internacionais somente a empresas que esteja realmente submetida à tributação no outro Estado contratante;

e) Cláusula de prevenção do uso de sociedades interpostas – busca-se a tributação efetiva das sociedades interpostas (conduit companies, stepping stones, sociedades canais, etc.);

f) Cláusula da boa-fé – que visa ressalvar as empresas nascidas de um planejamento tributário legal, por intermédio dos testes de motivação (motive test), segundo o qual se verifica se existe um motivo razoável para a existência da empresa interposta (substancial interest) e de atividade (activity test) segundo o qual se constata o efetivo exercício de uma verdadeira atividade comercial ou industrial no país de fonte dos rendimento pela sociedade interposta.

A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) [12], em seus Comentários ao art. 1º , sugere as seguintes cláusulas:

Cláusula Geral de Boa Fé (general bona fide provision):é a cláusula segundo a qual as medidas contra o uso impróprio dos Tratados e Convenções Internacionais se não aplicarão se a empresa demonstrar que as principais razões da criação da companhia e suas atividades são razões de negócio (sound business reasons) e não tem como objetivo principal a obtenção de benefícios decorrentes de Tratados e Convenções Internacionais;

Cláusula de Atividade (activity provision):segundo a qual não haverá consideração de treaty shopping quando as operações desenvolvidas pela empresa estiverem conectadas com as atividades por ela desenvolvidas;

Cláusula Quantitativa (amount of tax provision):Aplicável quando a redução do imposto reclamado não for maior que o imposto efetivamente devido ao Estado de residência da empresa;

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Cláusula de Cotação Em Bolsa (stock exchange provision):Aplicável quando a companhia estiver registrada em uma bolsa de valores aprovada se a empresa da qual seja subsidiária integral estiver registrada;

Cláusula de Exclusão Alternativa (alternative relief provision):Prevê a exclusão das normas anti abuso de residentes de terceiros estados que também tenham Tratados e Convenções Internacionais, principalmente relacionados com o direito tributário, com o Estado Contratante em relação ao qual a aplicação da redução de tributação é requerida.

Em muitos Estados, a aplicação dos Tratados e Convenções Internacionais encontra, pela frente, a normas anti-abuso da legislação doméstica. Na Austrália aplicam-se normas internas para evitar o treaty shopping quando assume a feição de conduit company, segundo afirma Verônica Alessi em sua obra referida. A mesma autora refere ainda Singapura, que aplica o critério de propósito comercial (business purpose) para determinar se uma determinada operação é artificial ou fictícia, o que se afere determinando-se se a transação em exame é uma operação comercial ordinária e a preço de mercado, através do critério do arm’s lenght transaction [13].

Nos Estados Unidos, o modelo de Tratado de Direito Tributário adotado, do qual a redação vigente é do modelo de 1996, tem inserida uma cláusula anti-shopping, consistente na limitação dos benefícios decorrentes de Tratados e Convenções Internacionais a uma empresa que preencha os requisitos alinhados em seu art. 22, dentre eles a cláusula de cotação em bolsa ou os requisitos de residência ali previstos para ambos os Estados contratantes.

No Brasil, em relação ao direito tributário internacional, por exemplo, pode-se citar a Lei Complementar n.º 104, de 10 de janeiro de 2001, veio acrescentar um parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional, com a seguinte redação :

"Art. 116.

...

Parágrafo Único – A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."

Chamada de norma anti-elisão, cumpre desde logo advertir que a mesma, para Luis Eduardo Schoueri [14], profliga inteiramente, não teria, se constitucional fora, essa característica, pois se trataria, isto sim, de norma antievasão. O descortino do panorama descrito mostra que a utilização abusiva dos Tratados e Convenções Internacionais, por intermédio do treaty shopping, vem sendo objeto de combate constante e crescente por parte principalmente dos países desenvolvidos, preocupados com a alarmante difusão do procedimento de lavagem de dinheiro e a remessa ilegal de divisas.

Como é cediço no âmbito tributário, a lavagem de dinheiro se constitui em um conjunto de operações comerciais ou financeiras que procuram a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, dos recursos, bens e serviços que geralmente se originam e estão conexos com transações de macro e micro operações ilícitas. Portanto, analisar o uso abusivo das Convenções e Tratados Internacionais é importante no contexto das investigações sobre lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas.


Notas

  1. . PISTONE, Pasquale. L’abuso delle convensione internazionale in matéria fiscale. "in" Corso de Diritto Tributário Internazionale. Coord. VICTOR UCKMAR, Cedam : Padova, 1999, p. 498.
  2. . ALESSI, Verônica. Treaty shopping – Abuso a los Convênios Internacionales, www.aaef.org.ar. Acesso em 01de outubro de .2005.
  3. . SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento Fiscal através de Acordos de Bitributação: Treaty Shopping. São .Paulo : Revista dos Tribunais, 1995, p. 20, nº 1.2.1.
  4. . PISTONE, Pasquale. Op. cit. p. 492.
  5. . TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 321.
  6. . TORRES, Heleno. Op. cit., p. 337.
  7. . Black’s Law Dictionary, West: St. Paul, 7ª ed., 1999.
  8. . VOGEL, Klaus et. al. Klaus Vogel on doublé taxation conventions. Kluwer : The Hague, 3a. ed., 1997, pré. Art. 10-12, nº 9, p.562.
  9. . TORRES, Heleno, Op. cit., p. 329.
  10. . ROSEMBUJ, Túlio. Treaty Shopping: El abuso de tratado. "in" Corso de Diritto Tributatio Internazionale. Coord. VICTOR UCKMAR, Cedam : Padova, 1999, p. 551.
  11. . CAMPAGNALE, Norberto Pablo, CATINOT, Silvia Guadalupe e PARRONDO, Alfredo Javier, El Impacto de la Tributación sobre lãs Operaciones Internacionales. B. Aires : La Ley, 2000, p. 76.
  12. . Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento - www.oecd.org – Acessado em 23 de janeiro de 2008.
  13. . ALESSI, Verônica. Op. Cit. p. 25.
  14. . SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento tributário – Elisão e Evasão - Simulação – Abuso de forma – Interpretação Econômica – Negocio Jurídico Indireto – Norma Antielisiva. "in" Curso de Direito Tributário, Coord. Antonio Carlos Rodrigues Do Amaral. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 300.
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Sobre o autor
Daniel Cavalcante Silva

Advogado e sócio do escritório Covac Sociedade de Advogados (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). MBA em Direito e Política Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Experiência na área de Direito Tributário e Educacional, com ênfase na área de advocacia empresarial. Membro da Associação Internacional de Jovens Advogados. Vários artigos publicados no país e no exterior. Autor do Livro “O Direito do Advogado em 3D” e "Compliance como boa prática de gestão no ensino superior privado". Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas intitulado: Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFIC). Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB/DF. Professor de Direito Tributário. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva, concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB. Indicado como um dos “dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista Análise Advocacia 500, 2012 e 2015”. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no exterior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Cavalcante. A utilização abusiva dos tratados e convenções internacionais ("treaty shopping") como mecanismo para lavagem de dinheiro e a remessa ilegal de divisas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2878, 19 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19147. Acesso em: 22 dez. 2024.

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