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Levantamento teórico sobre as causas dos insucessos das tentativas de reforma da administração pública brasileira

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4) A argumentação sociológica:

O argumento sociológico para explicar o fracasso das tentativas de reforma da administração pública brasileira é mencionado por Graham (1968, passim 60- 62). O aludido autor, abordando a questão do insucesso da reforma do DASP, cita a escola sociológica como uma das vertentes do pensamento brasileiro sobre Administração Pública, cujos principais expoentes são Alberto Guerreiro Ramos e Nelson Mello e Souza (Ibidem, passim 60- 62). O primeiro enfatiza a necessidade de adaptação de idéias oriundas de outros países às realidades nacionais dos países nos quais serão aplicadas (Ibidem, passim 60- 62). Neste caso, Ramos se refere às idéias da administração científica e ao sistema meritocrático norte-americano, nos quais os ideólogos da Reforma de 1936/38 se inspiraram. Graham (Ibidem:60) escreve que Guerreiro Ramos, referindo-se ao caso do DASP, "cita, como exemplo do uso de novas técnicas e idéias sem a adequada atenção ao contexto social, a experiência brasileira com o sistema de mérito transplantado dos Estados Unidos. Neste exemplo, o sistema social completamente diferente distorceu os conceitos envolvidos". Já Mello e Souza, segundo Graham (Ibidem:61), considera que o principal foco de resistência à reforma administrativa no Brasil deriva das características estruturais das sociedades subdesenvolvidas. Ou seja, conforme já foi escrito na Introdução deste artigo, as reformas administrativas no Brasil tentariam implantar no país valores como o mérito e a impessoalidade que não encontrariam correspondência e respaldo na prática social nacional (Barbosa, 1996), dificultando a efetivação das referidas reformas em nosso país. Graham (1968:61), referindo-se ao ponto de vista de Mello e Souza, escreve que, segundo este,

"As técnicas desenhadas para reformar a administração brasileira falharam porque elas não eram relacionadas com as necessidades administrativas do país. De acordo com sua interpretação, o sistema administrativo brasileiro é preponderantemente paternalista, dependente do ambiente político externo" (Graham, 1968:61).

A essência do argumento sociológico é definida por Graham em outro trecho do seu estudo sobre a reforma do DASP:

"O caráter do serviço público brasileiro é conseqüência do ambiente social no qual ele funciona. De acordo com esta interpretação, o conceito do sistema de mérito e o uso de técnicas administrativas importadas de países mais avançados foi disfuncional no ambiente brasileiro por causa da ausência de um sistema social que o respaldasse. Para instituir qualquer mudança significativa no serviço público, ou nos partidos políticos, para este propósito, estes teóricos sustentam que uma mudança básica na estrutura social do país terá que ocorrer antes. Para eles, a característica predominante da sociedade brasileira é o patrimonialismo (sua natureza tradicional). Este é um elemento que, para eles, pode ser encontrado nos sistemas político e administrativo. Estes estudiosos fazem o contraste entre as características da administração patrimonialista com aquelas da administração moderna. No contexto brasileiro, isto estava relacionado com o confronto entre o velho sistema baseado no clientelismo e as pressões por eficiência na administração. O sistema da patronagem como forma tradicional de ingresso no serviço público foi contrastado com a criação de um sistema meritocrático no qual a seleção é feita com base no mais competente. (Graham, 1968:85 e 86)"

Neste trecho, é evidenciada a divergência entre a natureza meritocrática da administração pública que permeou a tentativa de reforma do DASP e o macroambiente político – social brasileiro no qual o sistema administrativo nacional estava inserido. Graham insiste, com toda a propriedade, no argumento de que é impossível analisar as causas do malogro da reforma burocrática brasileira dos anos 30 sem levar em consideração a incompatibilidade antes mencionada, a qual constitui o fulcro do argumento sociológico para explanar o insucesso das tentativas de reforma do serviço público brasileiro.

O patrimonialismo característico da sociedade brasileira, e que, por extensão, permeia a administração pública nacional, é decorrência, basicamente, da concepção brasileira de que o Estado seria extensão da família. Sérgio Buarque de Holanda (1948:211 e 212) faz referência à preponderância da família patriarcal na história do Brasil e, associando-a à dificuldade para a prevalência da impessoalidade na administração pública pátria, escreve o seguinte:

"No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência, dos chamados "contactos primários", dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas anti-particularistas" (Holanda, 1948:213).

Desta forma, a influência incontrastável da família e dos sentimentos de parentesco como padrão de organização social no Brasil, dificultaria em demasia a tentativa de alteração deste padrão, no âmbito da administração pública, por um modelo de estrutura social no qual a meritocracia e a impessoalidade fossem preponderantes, em substituição à hegemonia familiar e de parentela. Em decorrência disto, haveria a divergência entre as normas formais e a realidade social efetiva, "as leis que não pegam", situação da qual é um exemplo a violação das regras meritocráticas de ingresso no serviço público por José Linhares, que sucedeu Vargas na Presidência da República em 1945, reinstituindo a patronagem política como forma de viabilizar o acesso de apaniguados aos cargos públicos no pós Estado – Novo, em flagrante desobediência aos normativos então vigentes, conforme informa Siegel (1986).

O argumento sociológico para explicar o fracasso das tentativas de reforma da administração pública brasileira também é explanado por Mello e Souza (1994), que afirma, referindo-se à reforma do DASP de 1938, que

"Havia pouca ou nenhuma demanda nacional de criação de uma carreira na administração pública. O sistema político predominante, baseado no favoritismo e nas lealdades grupais, ainda estava forte e era, obviamente, contrário a semelhante linha de ação. As necessidades sociais relacionadas com o subemprego, o desemprego e mesmo com a inexistência de emprego ainda se voltavam para o setor público, com seus três níveis – municipal, estadual e federal – como opções lógicas para obtenção de emprego, na ausência de um setor privado capaz de absorver a mão de obra disponível. A modernização de acordo com o princípio do desempenho, estabelecendo modelos de eficiência e aperfeiçoamentos marginais, provou ser um objetivo ainda inteiramente estranho aos valores políticos brasileiros e às perspectivas sociais.

(...). Na ausência de necessidade social, não há aceitação social e, conseqüentemente, não há resposta social" (Mello e Souza,1994:59 e 60) .

Martins (1993) também desenvolve um raciocínio similar ao de Mello e Souza, referindo-se ao período posterior a 1945 no Brasil, alegando que a indicação política para um emprego público era uma alternativa de sobrevivência para camadas expressivas da população brasileira, o que se constituía em um fator adicional a dificultar a implementação da reforma da administração pública nacional, basicamente voltada para a promoção do mérito no serviço público pátrio. A instituição do concurso público dificultaria e restringiria o acesso destes contingentes populacionais ao emprego público, justificando-se, deste ponto de vista, o fato de ser a sociedade brasileira da época tão refratária à adoção do sistema de mérito, o que, de alguma forma, perdura até hoje. Relativamente a este fato, assim se expressa Martins:

"Ser indicado para um cargo na administração pública — em um país onde a economia não criava empregos na mesma velocidade do crescimento demográfico — tornou-se a aspiração da classe média baixa e dos estratos socialmente menos privilegiados.

Prover (e indicar para) esses cargos, por sua vez, era evidência de influência política e quase uma condição para o sucesso eleitoral" (Martins,1993:17).

Graham (1968) qualifica a relação político urbano-eleitor como sendo de caráter clientelista. Sobre o assunto, ele afirma que

"Politicamente a distância existente entre as normas e as práticas era explicada pela existência da política de clientela. Toda a estrutura da política brasileira tinha como foco principal arregimentar a maior quantidade de apoiadores políticos os quais, posteriormente, exigiriam, em troca, recompensas e empregos. Sob estas condições, seria ficção pensar em um serviço público baseado no mérito e de caráter imparcial" (Graham, 1968:89).

A argumentação de Lívia Barbosa (1996) sobre a dificuldade de implantação efetiva da meritocracia no serviço público brasileiro ainda nos dias atuais, citada na Introdução do artigo, vai ao encontro das idéias de Guerreiro Ramos (1961), Mello e Souza (1994), Graham (1968), Siegel (1986) e Martins (1993) sobre a dificuldade de implementação de reformas administrativas no Brasil.


5) A reforma da administração pública como um problema de ação coletiva:

A abordagem que explica o fracasso das tentativas de reforma administrativa devido ao fato de esta ser um problema de ação coletiva é muito importante e será examinada. Geddes (1994, passim 27-28) explica o insucesso das tentativas de reforma da administração pública devido ao fato de a reforma da burocracia ser um bem público, o que gera problemas de ação coletiva. Seu argumento central pode ser resumido da seguinte forma: O bem público é um tipo de bem cujo custo de exclusão é muito alto, devido ao fato de ser quase impossível evitar que quem não contribuiu para a fabricação ou para a melhoria do bem público não usufrua dos benefícios gerados pela sua fabricação ou melhoria. Um exemplo é o da iluminação pública. Uma vez instalado um poste de luz, tanto o cidadão contribuinte que paga em dia sua taxa de iluminação pública quanto o inadimplente irão desfrutar dos benefícios da mesma maneira, sem que seja possível impedir que o inadimplente se beneficie da melhor iluminação. O mesmo ocorre com a reforma administrativa. Tanto os cidadãos que se mobilizarem para pressionar pela implementação da reforma quanto aqueles que se omitirem irão se beneficiar do mesmo modo das melhorias que porventura venham a ocorrer, em função da existência de uma burocracia melhor capacitada. Isto gera um incentivo para o "free-ride", ou "problema do carona". Se todos se beneficiarão da melhoria, mesmo que não se empenhem para que ela seja obtida, por quê se empenhar? Então, pelo lado dos que seriam favoráveis à reforma, não há incentivos para que estes se mobilizem para que a reestruturação da administração pública ocorra efetivamente. Por outro lado, aqueles que têm a perder com a realização da reforma administrativa como, por exemplo, políticos que indicam indivíduos ligados a seus esquemas eleitorais para cargos importantes na burocracia, servidores públicos que ocupam cargos devido a apadrinhamento político, enfim, os representantes da patronagem incrustada na máquina da administração pública, permanecem mobilizados para não perder seus privilégios, fazendo, desta forma, oposição permanente e sistemática à reforma. Deste modo, existem o problema do carona e o incentivo à desmobilização da parte daqueles que são favoráveis à reforma, e não existe o "free-ride" e ocorre mobilização por parte dos opositores à reforma. Desta maneira, ficam enfraquecidos os elementos favoráveis à reestruturação e fortalecidos seus adversários. A conseqüência é o malogro das tentativas de reorganização da administração pública.

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6) A explanação política:

A abordagem política para explicar a falta de êxito das tentativas de reorganização compreensiva da administração pública americana também é feita por March e Olsen (1983, passim 284 - 287), que apontam como causa adicional dos insucessos das referidas tentativas os termos do comércio político entre a Presidência da República e o Congresso dos Estados Unidos. Segundo os referidos autores, a maior parte dos planos para reorganizações administrativas não consegue sobreviver ao "comércio político". Historicamente, o padrão de barganha política sobre a organização administrativa indica que a estrutura da burocracia é mais importante para os legisladores do que para o Presidente (March e Olsen, 1983:285). Os Presidentes americanos mais recentes têm considerado a reforma administrativa como um item importante de suas agendas pessoais, mas não têm achado que seja vantajoso, politicamente, fazer barganhas com o Congresso envolvendo projetos legislativos substantivos em troca da aprovação das propostas de reforma (Ibidem: 285). O "comércio" político tem acontecido de outra forma. O Presidente desiste de projetos de reorganização administrativa para assegurar apoio legislativo para outros assuntos, e os parlamentares desistem de fazer oposição a outros projetos em troca do bloqueio da mudança administrativa pelo Executivo, convencendo, assim, o Presidente a não realizá-la (Ibidem:285). A reorganização administrativa ameaça as principais prerrogativas do ofício legislativo, como o acesso às operações burocráticas e às ligações entre agências e comitês (March e Olsen, 1983:285). A estrutura interna de uma agência e sua localização na estrutura departamental do Governo são percebidas pelos congressistas como afetando a influência e o controle legislativos e a própria capacidade de os legisladores serem capazes de dar continuidade, no futuro, às suas carreiras políticas (Ibidem:285). Um exemplo concreto da aplicação da abordagem política para explicar os insucessos das tentativas de reestruturação de nosso serviço público é o mencionado pelo pesquisador Valeriano Mendes Ferreira, da Unicamp (Universidade de Campinas). Ele nos informa o seguinte:

"Será que interessa ao sistema político que aí está o fortalecimento da burocracia estatal? Valeriano acha que não. "Toda a lógica política do nosso presidencialismo, que se assenta na formação de amplas coalizões de governo, depende do controle dos partidos governistas sobre cargos da administração pública federal", lembra ele. "À medida que esses cargos forem ocupados por servidores de carreira, as bases do clientelismo serão mortalmente atingidas. Assim, não é preciso muita imaginação para avaliar os obstáculos que ainda se oporão à reforma" (Bressan, in Lamounier e Figueiredo, 2002:393).

Ou seja, os próprios políticos brasileiros, especialmente os parlamentares do Congresso Nacional, que são atores institucionais que operam no contexto político-administrativo nacional, resistem à realização da reforma do Estado, por considerarem que vão perder poder se a mesma for implementada, na medida em que não mais indicarão os titulares de cargos importantes na administração pública federal, que passarão a ser preenchidos por burocratas de carreira, concursados e selecionados por mérito.

Ao encontro da posição antes exposta, de que as maiores resistências à reforma da administração pública se encontram no Legislativo e não no Executivo, tanto nos Estados Unidos, segundo a argumentação de March e Olsen (1983), quanto no Brasil, cito o seguinte trecho de Martins (1993: 19):

"Por outro lado, à medida que o uso intensivo do aparelho do Estado para garantir ou negar acesso a empregos e a outros benefícios (isto é, favores) tornou-se um bem político importante, quase todos os partidos políticos (e não apenas o vencedor de eleições) tornaram-se também cada vez mais dependentes do Estado. Em outras palavras, a responsabilidade dos partidos políticos para com seus eleitores vinha da sua capacidade de dar-lhes acesso a emprego no aparelho do Estado e/ou de manipular recursos ou subsídios públicos do seu interesse pessoal ou corporativo — em lugar de agregar e converter demandas sociais em políticas públicas orientadas para reformas. Esse é o cerne da cultura política populista - clientelista."

Desta maneira, conforme já foi registrado, justifica-se a resistência dos membros do Legislativo à reforma administrativa, na medida em que, ao não mais possuírem a possibilidade de assegurarem acesso a empregos públicos a seus apadrinhados e eleitores, os parlamentares federais concluem que estarão com sua sobrevivência política ameaçada, caso o mérito venha a prevalecer como critério de seleção dos servidores do Estado. Ao não darem emprego, os políticos perdem eleitores e votos, e não se reelegem. Assim, obstaculizam a reforma e o mérito não prepondera no serviço público. A comprovação empírica disto é o fato de que as duas tentativas de reforma administrativa que foram melhor sucedidas no Brasil, embora tenham fracassado no longo prazo, foram efetuadas em períodos em que o Congresso Nacional ou estava fechado ou seriamente tolhido no exercício das suas prerrogativas. Estas tentativas ocorreram durante a ditadura do Estado Novo (1937 a 1945), época da criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), e durante a ditadura militar (1964 a 1985), por ocasião da edição do Decreto-Lei n° 200, de 15/2/1967. Abrucio (1997), ratificando o antes exposto, referindo-se a um hipotético êxito, que na realidade não ocorreu, da execução do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, de 1995, que foi a reforma administrativa proposta por Bresser Pereira no primeiro mandato do Presidente Cardoso, afirma que

"Mesmo com esses problemas, o Plano Diretor pode caminhar para a construção de uma Administração Pública pós-burocrática, passo fundamental para melhorarmos a performance do Estado. E mais: pode realizar, se bem conduzido politicamente, algo inédito em nossa história administrativa: reformar profundamente a Administração Pública em um período democrático, contrastando com as duas outras grandes reformas deste século, a do Estado Novo e o Decreto-Lei 200, ambas implementadas por regimes autoritários".

Pode-se explicar este fato com base no seguinte raciocínio: Com o Congresso Nacional fechado, ou institucionalmente enfraquecido, os parlamentares ficariam impedidos de rejeitar a reforma administrativa, a qual, conforme exposto, solaparia suas possibilidades de reeleição, posto que sua capacidade de obter empregos públicos para seus eleitores, em troca dos sufrágios destes últimos, ficaria reduzida, na medida em que os cargos públicos seriam preenchidos por meio de critérios meritocráticos; desta forma, o Executivo fortalecido no âmbito de um regime discricionário imporia a reforma ao Legislativo.

Entretanto, isto não significa que os Presidentes da República, chefes do Poder Executivo, não possam adotar medidas contrárias à prevalência do mérito na administração pública. Geddes (1994) cita o exemplo de Allende que, após a eleição de 1970 no Chile, decidiu, para angariar apoio político, recompensar importantes aliados na coligação da "Unidade Popular" com cargos de direção na empresa estatal chilena que administrava o cobre, recurso estratégico da economia chilena, o que teve desastrosas conseqüências. Outro caso, citado por Nunes (2003), foi o de João Goulart no Brasil, o qual, após reassumir a Presidência com plenos poderes em 1963, após o interregno parlamentarista, extremamente enfraquecido politicamente, loteou antigos redutos de competência do insulamento burocrático, tais como a Petrobrás e o então BNDE, entre aliados políticos, para obter apoio no Congresso.

Geddes (1994) também faz uso do argumento político para explicar os fracassos das tentativas de reforma da administração pública brasileira. Ela escreve que:

"O estudo de caso do Brasil mostra a persistência dos interesses políticos opostos à reforma burocrática e suas vinculações com o sistema político democrático. (...).

Este modelo demonstra que quando a patronagem é distribuída desigualmente entre os maiores partidos na legislatura – (...) - os legisladores dos partidos majoritários vão votar pelas reformas somente em circunstâncias extraordinárias. Conseqüentemente, as reformas vão ocorrer muito raramente.

Se a patronagem fosse distribuída igualmente entre os partidos maiores, entretanto, as reformas poderiam ocorrer mais facilmente. O Brasil nunca experimentou igualdade entre os partidos, e reformas universais nunca foram aprovadas no Legislativo" (Geddes, 1994:20 e 21).

Analisando especificamente a influência do sistema eleitoral sobre o insucesso das tentativas de reforma administrativa, a mesma autora escreve que

"o sistema brasileiro de representação proporcional de lista aberta para eleição da Câmara dos Deputados forneceu aos parlamentares do PSD e do PTB – os partidos com maior acesso histórico à patronagem – recursos ainda mais poderosos para se opor à reforma. Por isso não surpreende o fato de que as reformas não passaram em 1946 e 1964" (Ibidem:115).

De acordo com Geddes (Ibidem, passim 95-115), quando a patronagem é distribuída desigualmente entre os partidos majoritários na legislatura, o que ocorre na maioria dos países da América Latina, os legisladores dos partidos majoritários votarão a favor da reforma somente em circunstâncias extraordinárias. Por isso as reformas raramente ocorrem.

Desta forma, num sistema político proporcional, ocorre a fragmentação partidária, conseqüência da representação dos diversos segmentos do eleitorado, o que conduz a uma situação em que os partidos que vencem as eleições e passam a ocupar o poder ficam com um acesso maior aos recursos do Estado para a prática da patronagem. Nestas circunstâncias em que a prática da patronagem poderá perpetuar os partidos políticos majoritários no poder, eles não têm incentivo para fazer aprovar a reforma administrativa, abdicando de recursos que lhes asseguraria a permanência no poder político.

O fato de o sistema ser de lista aberta, no qual os candidatos de uma mesma agremiação competem pelos votos que são dados ao mesmo partido ou coligação política, potencializa ainda mais a tendência de uso da patronagem como recurso de sobrevivência política. Os candidatos de um mesmo partido utilizarão o recurso da patronagem para assegurar votos, não tendo incentivo para defender a reforma administrativa em circunstâncias nas quais um correligionário, ou melhor, um oponente, dentro da mesma agremiação partidária, poderá continuar utilizando a patronagem como recurso político. Nenhum candidato decidirá racionalmente defender a reforma se não tiver a certeza de que seu correligionário adversário dentro do partido fará o mesmo.

Assim sendo, o sistema eleitoral proporcional de lista aberta potencializa a prática da patronagem política, tanto no que concerne à luta interpartidária, quanto à intrapartidária, no que se refere ao aspecto de disputa por votos no interior dos próprios partidos, decorrência da lista aberta, pela qual candidatos de uma mesma agremiação competem pelos votos dados ao partido.

Numa situação de desigualdade na distribuição do poder de patronagem, a vantagem de se investir nesta última, a qual certamente renderá dividendos eleitorais para o político pertencente a um partido majoritário, será sempre maior do que o incerto benefício oriundo de uma eventual defesa da reforma meritocrática da administração pública. Um exemplo concreto desta situação seria o Brasil durante a fase da democracia populista (1945/1964) (Geddes, 1994: 115).

No caso do sistema majoritário de lista fechada, no qual o partido estabelece a ordem dos candidatos a serem eleitos na lista, evitando a luta intrapartidária por votos entre candidatos da mesma agremiação partidária, há a tendência de formação de uma quantidade de partidos menor do que aquela resultante da aplicação do sistema proporcional, podendo até ocorrer o bipartidarismo (Magalhães, 2001:175 e 176). Nestas condições, salvo circunstâncias extraordinárias, tais como as que ocorram numa vitória esmagadora de um partido sobre seus adversários, a tendência é de que haja, relativamente ao sistema proporcional, maior equilíbrio na proporção de votos recebida por cada um dos poucos partidos competitivos, acarretando uma distribuição mais eqüitativa do poder de patronagem entre as principais agremiações. Neste contexto, em que o acesso aos recursos do Estado para a prática da patronagem é relativamente o mesmo para todos os partidos, a probabilidade de que os partidos aceitem abdicar de uma parcela de seu poder de patronagem em troca de um provável pequeno ganho eleitoral advindo da defesa da reforma administrativa é maior do que no sistema proporcional de lista aberta.

Geddes (1994) resume a essência da explicação política para o malogro das tentativas de reforma administrativa da seguinte maneira:

"A competência administrativa é uma forma de bem coletivo especialmente custosa para muitos políticos porque, ..., políticos em sistemas não reformados confiam no acesso aos recursos do Estado para construir bases de apoio, e a reforma administrativa ameaça este acesso. Reformas efetivas estabelecendo o mérito como critério para emprego, competição de preço como critério para obter contratos, e regras impessoais para determinar quem recebe benefícios do Governo, privariam os políticos de importantes recursos" (Geddes, 1994:42).

Em suma, as reformas da administração pública não prosperariam porque "os mesmos recursos necessários para aumentar a capacidade do Estado poderiam ser usados pelos políticos, alternativamente, para elevar suas chances de reeleição" (Ibidem:98).

Este é o dilema no qual, segundo a referida autora, estão inseridos os políticos da América Latina no que tange à construção da capacidade estatal na aludida região, qual seja, despender os recursos públicos para melhorar o desempenho da burocracia, ou utilizá-los com a finalidade de assegurar sua sobrevivência política.Até o momento, os políticos latino-americanos têm optado pela segunda alternativa, porque, segundo Geddes (Ibidem:40 e 41), os mencionados políticos têm incentivos institucionais para despender seus recursos na distribuição de benefícios individuais, tais como empregos públicos, contratos, licenças, licitações entre outros, para seus cabos eleitorais e financiadores de campanha, em detrimento da distribuição do fornecimento de bens públicos que beneficiariam os cidadãos que estão fora das suas redes clientelistas de apoio político.

Entretanto, apesar do antes exposto, foi possível, no Brasil, segundo Geddes (1994) e Nunes (2003), em circunstâncias históricas particulares, como, por exemplo, a necessidade de consolidação do processo de industrialização de um país em desenvolvimento, como foi o caso do Brasil nos anos cinqüenta, e em alguns setores específicos da burocracia, obter melhoria substancial do desempenho burocrático, graças à ação de empreendedores políticos, cujos interesses individuais são moldados pelas instituições nas quais sua atuação é desempenhada (Geddes, 1994:37), como Vargas, na segunda administração, e, principalmente, Kubitscheck. No caso destes dois estadistas brasileiros, especialmente o segundo, em seus respectivos períodos de Governo, houve a necessidade de, simultaneamente, assegurar a governabilidade no Congresso, amalgamando apoio para aprovar suas propostas, e, também, de dotar a burocracia pública da competência necessária para coordenar a consolidação do processo de industrialização brasileira. De acordo com Nunes (2003), a relação entre Estado e Sociedade no Brasil é regida por determinados padrões institucionais, dentre os quais se destacam o clientelismo e o insulamento burocrático. O primeiro pode ser considerado como sendo a troca de empregos públicos por apoio político no Congresso Nacional, e o segundo pode ser conceituado como o isolamento de certos setores da burocracia relativamente às influências clientelistas da patronagem política, de modo que o recrutamento dos recursos humanos, bem como a alocação de recursos públicos para o funcionamento de determinadas agências burocráticas estratégicas, não sejam submetidos à barganha político – partidária. Neste sentido, ambos os Presidentes foram extremamente hábeis na manipulação equilibrada do clientelismo e do insulamento burocrático, tendo sido o primeiro utilizado para, por meio da troca de empregos públicos na administração direta por votos no Legislativo, angariar apoio político no Congresso de modo a assegurar a governabilidade, e o segundo efetivado de modo a viabilizar a coordenação do processo de industrialização nacional, por meio da constituição de agências e organismos burocráticos que funcionavam com base no recrutamento meritocrático de pessoal e na competência técnica, as chamadas, posteriormente, "ilhas de excelência", tais como o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), a Assessoria Econômica do Presidente Vargas e os Grupos Executivos responsáveis pela implementação do Plano de Metas do Governo JK. Nunes (2003) respalda o antes escrito, afirmando que

"Se o início de uma utilização intencional do insulamento burocrático como forma de deslanchar projetos industriais, remonta ao segundo governo Vargas, foi o governo Kubitscheck (1956-61) que fez uso do insulamento burocrático em larga escala, combinando-o com a patronagem, para consolidar o avanço da industrialização brasileira" (Nunes, 2003:102).

Por fim, cabe registrar que o uso intensivo do insulamento burocrático no governo Kubitscheck coexistindo com a administração direta tradicional do Estado brasileiro, como forma de viabilizar a execução do Plano de Metas, ficou conhecido como a "administração paralela".

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. Levantamento teórico sobre as causas dos insucessos das tentativas de reforma da administração pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2907, 17 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19303. Acesso em: 22 dez. 2024.

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