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A Democracia no pensamento de Hans Kelsen

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10/07/2011 às 17:53
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13. Kelsen desenvolve uma teoria da democracia que, simultaneamente, conecta-se a seu corpo teórico geral, e permite sua inserção no debate político contemporâneo. O autor estabelece um modelo de democracia como procedimento, de caráter formal e instrumental, sobre uma base que conjuga relativismo moral, realismo político, positivismo jurídico e individualismo metodológico. Nele, a principal questão a ser resolvida pela democracia remete à relação entre um Estado, que equivale à ordem jurídica, e a liberdade individual, exigência da razão prática.

A oposição inerente a diferentes fontes de decisão, a individual e a estatal, tornam a democracia, sob essa perspectiva, o regime mais desejável, já que o único a conciliar maximização da liberdade com prevalência da ordem social. Nesse ambiente, que, em termos liberais, pressupõe tanto um indivíduo atomizado, quanto uma sociedade contratualizada [166], nega-se a idéia de povo como unidade, admitindo-a apenas como sistema de atos individuais, ligado à ordem social por um liame jurídico. Esse vínculo se expressa, especialmente, por meio da Constituição [167], que possui sentido igualmente jurídico e deve normatizar a própria democracia, a definir procedimentos e conteúdos para a formação de acordos em torno da vontade geral estatal [168].

Trata-se de uma obra que ocupa espaço relevante na construção das idéias democráticas que ocorreu no século XX e perdura hoje. Embora identificada com a tradição liberal [169], a teoria democrática kelseniana, como ele próprio a percebia nos debates que travou [170], é passível de apropriação por qualquer Estado, quaisquer que sejam os conteúdos de seus compromissos políticos. Talvez insuficiente, se confrontada com modelos que aprofundam a perspectiva democrática, é uma teoria que, contudo, cumpre o importante papel de fundamentar, em bases pragmáticas, relações jurídicas e políticas em harmonia com ideais de liberdade, igualdade e pluralismo político, legado das tradições liberal e republicana que marcam a experiência das sociedades contemporâneas. É, nesse sentido, obra ainda dotada de certa atualidade e interesse.


NOTAS:

  1. Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse (1922); Das Problem des Parlamentarismus (1924); Wesen und Wert der Demokrati (1929); Absolutism and Relativism in Philosophy and Politics (1948); Foundations of Democracy (1955).
  2. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 209.
  3. Idem, p. 205.
  4. Idem, p. 25.
  5. FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 48-49.
  6. MANIN, Bernard. The principles of representative government. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
  7. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 144-146.
  8. KELSEN, Hans. O que é justiça? A Justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 10.
  9. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 195.
  10. Idem, p. 32.
  11. Idem, p. 193.
  12. Idem, p. 39.
  13. Idem, p. 42.
  14. Idem, p. 40.
  15. Idem, p. 27.
  16. Idem, p. 27.
  17. Idem, p. 27.
  18. Idem, p. 27-28.
  19. Idem, p. 27.
  20. Idem, p. 28.
  21. Idem, p. 134.
  22. Idem, p. 29.
  23. Idem, p. 30.
  24. Idem, p. 30.
  25. Idem, p. 30-31.
  26. Idem, p. 31.
  27. Idem, p. 31.
  28. Idem, p. 31-32.
  29. Idem, p. 32.
  30. Idem, p. 33.
  31. Idem, p. 27.
  32. Idem, p. 33.
  33. Idem, p. 33-34.
  34. Idem, p. 35.
  35. Idem, p. 36.
  36. Idem, p. 36.
  37. Idem, p. 37.
  38. Idem, p. 38.
  39. Idem, p. 39.
  40. Idem, p. 40.
  41. Idem, p. 41.
  42. Idem, p. 41.
  43. Idem, p. 42-43.
  44. Idem, p. 182.
  45. Idem, p. 180-181.
  46. Idem, p. 182-183.
  47. Idem, p. 37.
  48. Idem, p. 38.
  49. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p., p. 18.
  50. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 45.
  51. Idem, p. 46.
  52. Idem, p. 47.
  53. Idem, p. 49.
  54. Idem, p. 47 e 50.
  55. Idem, p. 52.
  56. Idem, p. 50-51.
  57. Idem, p. 53.
  58. Idem, p. 54.
  59. Idem, p. 58-59.
  60. Idem, p. 64-65.
  61. Idem, p. 68.
  62. Idem, p. 68-69.
  63. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 411.
  64. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 69.
  65. Idem, p. 70.
  66. Idem, p. 70.
  67. Idem, p. 71.
  68. Idem, p. 73.
  69. Idem, p. 73.
  70. Idem, p. 75.
  71. Idem, p. 77.
  72. Idem, p. 77.
  73. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p., p. 201.
  74. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 78.
  75. Idem, p. 78.
  76. Idem, p. 101.
  77. Idem, p. 99.
  78. Idem, p. 100.
  79. Idem, p. 100.
  80. Idem, p. 178.
  81. Idem, p. 32.
  82. Idem , p. 178-182.
  83. Idem, p. 83.
  84. Idem, p. 88.
  85. Idem, p. 90.
  86. Idem, p. 91.
  87. Idem, p. 92.
  88. Idem, p. 94.
  89. Idem, p. 94 e 96.
  90. Idem, p. 88-91.
  91. Idem, p. 279.
  92. Idem, p. 96.
  93. Idem, p. 106.
  94. Idem, p. 95.
  95. Idem, p. 96.
  96. Entre outros, podem ser relacionados, nessa linha, autores como Jürgen Habermas, James Bohman, Joshua Cohen, Íris Marion Young, Amy Gutmann, John Rawls e Cass Sustein. Ver a respeito em MIGUEL, L. F. "Representação política em 3-D". In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 51. São Paulo, 2003; DRYZEK, John S.. Deliberative democracy and beyond: liberals, critics, contestations. Oxford, Oxford University Press, 2000.
  97. SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
  98. DOWNS, Anthony, Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.
  99. ARROW, Kenneth J. Social Choice and Individual Values. New Haven: Yale University Press, 1963.
  100. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 305-306.
  101. Idem, p. 28.
  102. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.4.
  103. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 190.
  104. Idem, p. 192.
  105. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 201-202.
  106. Idem, p. 203.
  107. Idem, p. 22.
  108. Idem, p. 207.
  109. Idem, p. 165.
  110. Idem p. 14-15.
  111. Idem.
  112. Idem, p. 200.
  113. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 24-27.
  114. Idem, p. 37.
  115. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 213.
  116. MALBERG, Carré de. A sanção jurisdicional dos princípios constitucionais. In: Idem, p. 207-209.
  117. Idem, p. 201-202.
  118. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 168.
  119. Idem, p. 169.
  120. Idem, ibidem.
  121. Idem, p. 261.
  122. Idem, p. 260.
  123. Idem, p. 262.
  124. LUHMANN, Niklas. La costituzione come acquisizione evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo (coord.). et alli. Il Futuro Della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996.
  125. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 262.
  126. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 205.
  127. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 206 e ss.
  128. Idem, p. 209-211.
  129. OLIVEIRA, Júlio A. de. Os Fundamentos da democracia: análise crítica da justificação funcional da democracia por Hans Kelsen.
  130. ZAGREBELSKY, Gustavo. La Crucifixión y la democracia. Barcelona: Ariel, 1996, p. 8 e ss.
  131. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 301 e ss.
  132. Citem-se, por exemplo, na elitista, J. A. Schumpeter; na pluralista, R. Dahl; na legalista, F. Hayek; na participativa, C. Pateman, N. Poulantzas e C. B. Macpherson; na deliberacionista, B. Manin e J. Habermas.
  133. Para uma exposição dos modelos de democracia, ver em: AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia. São Paulo:Perspectiva, 1996, capítulo 5.
  134. ROUSSEAU, J. J. Do contrato social e outros escritos. São. Paulo: Nova cultural, 1999.
  135. Ver, por exemplo, em MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. São Paulo: IBRASA, 1964. Também, a obra de Edmund Burke em HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, 1967 HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf, HOFFMAN, J. S. e LEVACK, P. (orgs.). Burke’s Politics. New York: Knopf,.
  136. PITKIN, Hanna Fenichel. El Concepto de Representación. Madrid: CEC, 1985.
  137. MADISON, J., HAMILTON, A. e JAY, J. O Federalista. Campinas: Russel, 2003, artigo nº 10.
  138. Op. cit., artigo nº 51.
  139. GIDDENS, Anthony. Las Nuevas Reglas del Método Sociológico. Buenos Aires: Amorrortu, 1993.
  140. WEBER, M. C. E. Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1969.
  141. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Madrid: Alianza, 2000.
  142. DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1955; La División del Trabajo Social. Madrid: Akal, 1995.
  143. HAYEK, F. Os fundamentos da liberdade. Brasília: UnB, 1983; O caminho da servidão. Rio de Janeiro: IL, 1990.
  144. SCHUMPETER, J. A. Op. cit.
  145. DOWNS, Anthony. Op. cit.
  146. ARROW, Kenneth. Op. cit.
  147. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 279.
  148. Idem, p. 142-143.
  149. BRANDÃO, Assis. "Bobbio na história das idéias democráticas". In: Lua Nova, n° 68, 2006, p. 135 e ss.
  150. BOBBIO, Norberto. Politica e Cultura. Turim: Einaudi, 2005; Rappresentanza e interessi. Rappresentanza e democrazia (org. Gianfranco Pasquino). Bari: Gius, Laterza & Figli, 1988, pp. 1-27;
  151. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  152. Diário de Um Século. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 82.
  153. CARRÉ DE MALBERG, Raymond. Contribution a la Théorie Générale de l’État. V. I. Paris: Recueil Sirey, 1922.
  154. SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992; Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; O guardião da constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007; Legalidade e legitimidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
  155. HIRST, Paul Q. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Zahar. 1992.
  156. MOUFFE, Chantal. The Return of the Political. Londres: Verso, 2005, p. 128-130.
  157. AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
  158. JESSOP, Bob. State Theory. Putting the Capitalist State in its Place. Cambridge: Polity Press, 1990
  159. Idem, p. 96..
  160. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 2000.
  161. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.
  162. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997
  163. HÖFFE, Otfried. A Democracia no Mundo de Hoje. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 123-125.
  164. Idem, p. 129.
  165. ELSTER, Jon e SLAGSTAD, Rune. Constitutionalism and Democracy. Cambridge: Cambridge UP, 1997.
  166. KELSEN, HANS. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 31.
  167. KELSEN, HANS. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 260-261.
  168. Como reconhece, embora ressaltando sua insuficiência, Chantal Mouffe, por exemplo. Op. cit., p. 129.
  169. KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 32.
  170. Idem, p. 254.
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Sobre o autor
Wladimir Rodrigues Dias

O autor é professor universitário e advogado. É consultor da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais e Professor da Escola do Legislativo, onde coordena os cursos de pós-graduação. Foi Juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (2014-2016). Foi professor da PUC-MG e do UNIBH. É Doutor em Direito Público pela PUC/MG, com estágio doutoral na Universidade de Coimbra; Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra; Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro; Pós-Doutorando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e pela Universidade de Messina; É sócio-diretor e advogado do escritório Rodrigues Dias e Riani Advocacia e Consultoria Jurídica; Foi Ouvidor Eleitoral da OAB/MG; É diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Wladimir Rodrigues. A Democracia no pensamento de Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19522. Acesso em: 8 mai. 2024.

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