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A dignidade do adolescente autor de ato infracional.

O Poder Judiciário como instrumento de efetivação

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16/07/2011 às 10:33
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3. O PODER JUDICIÁRIO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE AO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

Expostos os marcos situacionais que determinam à família, à sociedade e ao Estado a proteção de crianças e adolescentes, em especial ao adolescente submetido a uma medida sócio-educativa para o presente estudo necessário se faz traçar algumas idéias acerca da efetividade de tais direitos e, dentro deste contexto, o papel fundamental que o Poder Judiciário exerce como seu garantidor.

É premente, pois, que o Estado, por meio de seus Poderes, satisfaça as promessas constantes nos mandamentos constitucionais. Entende-se, assim, que o Poder Judiciário tem a capacidade de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, em relação ao adolescente autor de ato infracional, em diversas situações, das quais, para o presente trabalho, impende destacar três delas, que se passa a analisar.

A primeira pode ser verificada quando ele exige do Poder Executivo e do Legislativo o fiel cumprimento dos preceitos constitucionais e legais, como, por exemplo, a implementação de políticas públicas voltadas para a área das medidas sócio-educativas, a destinação privilegiada de recursos, a administração de estabelecimentos de internação dignos e que comportem a infra-estrutura básica para cumprir os objetivos de educação e profissionalização, dotados de profissionais capacitados, entre muitas outras responsabilidades. Nesta relação com os demais Poderes, impende que o Judiciário adote postura substancialista, distanciando-se da mera função de velar pelas regras do jogo (procedimentalista), mas sim analisando com profundidade o fiel cumprimento dos preceitos constitucionais por parte do Executivo e do Legislativo.

A segunda forma destacada é quando ele próprio, como Poder do Estado ao presidir todo o processo de entrega da prestação jurisdicional, respeita referida dignidade seja nos procedimentos que possam conduzir à aplicação das medidas sócio-educativas, seja em suas decisões, ou ainda e com especial relevância, na execução de referidas medidas, em fiel consonância à Doutrina da Proteção Integral e aos postulados internacionais, livres de preconceitos e estigmas e verdadeiramente comprometido com o melhor interesse do adolescente autor de ato infracional.

Por fim, a terceira vertente apresentada, diz respeito à organização, como Poder estruturado, para dar conta das demandas oriundas da seara da Infância e da Juventude, quer criando varas especializadas, dotadas da infra-estrutura necessária ao atendimento sócio-educativo, quer implementando as equipes interprofissionais previstas no Estatuto que bem atendam o adolescente não só sob o aspecto jurídico, mas também com o essencial suporte da Psicologia, do Serviço Social, da Pedagogia, da Medicina, da Sociologia, da Antropologia, entre outras ciência afins.

Note-se que as três situações têm pontos em comum e guardam relação entre si, de modo que a omissão de qualquer uma destas três formas de intervenção deixa a descoberto a proteção necessária que se deve assegurar às crianças e adolescentes e, para o presente trabalho, mais especificamente ao adolescente autor de ato infracional, que se constitui, na prática, parcela colocada em extrema vulnerabilidade.

Um aspecto que vale pontuar, ainda, diz respeito à linguagem utilizada pelos atores jurídicos nas peças processuais, e em especial nas decisões judiciais, se constituindo em importante instrumento de transmissão de idéias, valores e conceitos, apontando direcionamentos que o agente está a optar. Isto toma maior relevância no campo do Direito uma vez que é por meio da linguagem que todos os atos são praticados, exigindo do profissional o uso correto das categorias técnicas.

Para Kasahara, a evolução dos termos utilizados na linguagem corresponde à evolução do pensamento de quem fala, sendo obrigação do profissional perceber o desgaste obtido ao longo do tempo por palavras que contêm preconceitos embutidos. Segundo o autor, modificar a linguagem não é um paliativo, um eufemismo. É um elemento indispensável para a conscientização e a ação concreta de todos na construção de uma sociedade mais justa. Àqueles que afirmam ser inútil mudar a nomenclatura sem mudar a realidade das políticas públicas, falta-lhes perceber a unidade das transformações sociais. Não existem diversos momentos, mas um único processo, com diversas frentes que catalisam umas às outras. (KASAHARA, 2008).

Desta forma é necessário que os profissionais do Direito ao prolatarem suas decisões utilizem a terminologia resultante das lutas sociais, dos movimentos, dos congressos, dos estudos, a fim de estarem em compasso com a evolução trazida. Categorias como "menor" e "infrator", por exemplo, já deveriam ter sido abandonadas da práxis. [03] A primeira, por remeter aos já revogados códigos de menores, tanto o de 1927, quanto o de 1979. Assim, a expressão "menor" primeiramente transmite a idéia de inferioridade a alguma coisa ou a alguém. Num segundo aspecto traz consigo a estigmatização que ocorreu por décadas de desrespeito aos direitos das crianças e dos adolescentes.

Já a categoria "infrator" tem a capacidade de rotular o adolescente por um ato que praticou num determinado tempo, lugar e circunstância da sua vida, atribuindo um adjetivo pejorativo que o acompanha durante e depois do procedimento.

São diversas, portanto, no bojo de seus atos, as situações com as quais os magistrados se deparam na questão do adolescente em conflito com a lei e que exigem dele a análise do caso posto a julgamento em consonância com a Doutrina da Proteção Integral.


4. BREVE RETRATO DA ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO EM SANTA CATARINA SEGUNDO O LEVANTAMENTO DA ABMP

Em julho de 2008, em comemoração aos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude – ABMP - realizou criterioso levantamento nacional sobre como se estrutura o Sistema de Justiça da Infância e da Juventude brasileiro, no qual é possível se verificar dissonância entre o que prevê a legislação e a realidade da prática, sendo que Santa Catarina não foge à regra.

Segundo o levantamento, e conforme demonstram as tabelas a seguir, o Brasil conta com 92 comarcas com varas especializadas da Infância e Juventude, entenda-se: com competência exclusiva para o tema, das quais 18 comarcas possuem mais de uma vara, totalizando 126 juízes trabalhando apenas nessa temática. Por ocasião do estudo, apenas três delas no Estado de Santa Catarina: Joinvile, Florianópolis e Blumenau.

Entretanto cabe ressaltar que em Santa Catarina, a competência para processar e julgar, em grau de recurso, matéria concernente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, no procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente, em razão do disposto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça, é de competência exclusiva das Câmaras Criminais. Entende-se ser equivocada tal distribuição e em dissonância com a Doutrina da Proteção Integral, uma vez que o Direito da Criança e do Adolescente é totalmente diferente, distante e autônomo em relação ao Direito Penal.

Além da escassez de varas da Infância e Juventude especializadas, em relação à obrigatoriedade do estabelecimento de um sistema proporcional daquelas com a população, segundo dispõe o artigo 145 do Estatuto, observou-se no panorama nacional uma total falta de critérios formais no país a definir tal proporcionalidade. O levantamento apontou, por exemplo, que nas três Comarcas do Estado de Santa Catarina que possuem vara exclusiva da Infância e Juventude, atuam apenas três juízes, um por município.

Caso seja levado em conta que o Estado possui 293 municípios, dos quais 267 possuem até 50.000 habitantes, o percentual de municípios atendidos com varas especializadas é de pouco mais de 1% (um por cento), e cada juiz atende em média uma população de quase 400.000 habitantes, quando a ABMP entende que o ideal e necessário é o estabelecimento de um critério de 100.000 habitantes para tal iniciativa.

A única referência normativa no Brasil sobre esta questão da proporcionalidade encontra-se na

Resolução de nº 113 do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) que, em seu artigo 9º, vai dispor acerca da necessidade de especialização das varas e da criação de equipes interprofissionais, da seguinte forma:

Art. 9°. O Poder Judiciário, o Ministério Público, as Defensorias Públicas e a Segurança Pública deverão ser instados no sentido da exclusividade, especialização e regionalização dos seus órgãos e de suas ações, garantindo a criação, implementação e fortalecimento de: I) Varas da Infância e da Juventude, específicas, em todas as comarcas que correspondam a municípios de grande e médio porte ou outra proporcionalidade por número de habitantes, dotando-as de infra-estruturas e prevendo para elas regime de plantão; e II) Equipes Interprofissionais, vinculadas a essas Varas e mantidas com recursos do Poder Judiciário, nos termos do Estatuto citado.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), municípios de médio porte são aqueles entre 50.001 a 100.000 habitantes e, de grande porte, aqueles com população entre 100.001 a 900.000 habitantes. Conjugando os dados, pelo CONANDA quando o município contasse com 50.000 habitantes já deveria possui vara especializada da Infância e Juventude.

Boa parte das comarcas do Estado é de entrância única, ou seja, o magistrado julga todas as ações que ingressam na sua jurisdição. Em diversas outras comarcas a competência para os feitos relativos aos direitos da criança e do adolescente é dividida com outros temas, sendo que em Santa Catarina, é comum a existência de varas que julgam ao mesmo tempo ações criminais e da Infância e Juventude.

O segundo aspecto do levantamento diz respeito à existência das equipes interprofissionais previstas nos artigos 150 e 151 do Estatuto. A participação de profissionais do Serviço Social, da Psicologia, da Medicina, da Pedagogia subsidiando o magistrado na formação de seu convencimento dá-se em razão da complexidade que envolve as causas da Infância e da juventude.

O CONANDA, por meio dos artigos 6° e 7° da já referida Resolução n° 113/06, ao tratar do eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, caracterizado pela garantia do acesso à justiça, ou seja, pelo recurso às instâncias públicas e mecanismos jurídicos de proteção legal dos direitos humanos, gerais e especiais, da infância e da adolescência, exige a atuação judicial das varas da infância e da juventude e suas equipes multiprofissionais.

Em relação à existência efetiva de equipes técnicas na estrutura do Judiciário Catarinense, a diversidade de profissionais que compõem as equipes e a distribuição geográfica destes profissionais no Estado é possível verificar a falta de critério na proporcionalidade e na lotação dos profissionais. Os municípios de Florianópolis e Blumenau, segundo e terceiro em número de habitantes no Estado, respectivamente, com populações superiores a 200.000, não possuem psicólogos, enquanto que outros bem menores, tais como Ascurra com 6.761 habitantes, Itá com 6.417 habitantes, Rio do Campo com 6.043 habitantes e Trombudo Central com 6.221 habitantes, possuem 1 (um) psicólogo cada, segundo dados do levantamento.

O mesmo ocorre com os assistentes sociais. Enquanto Chapecó, com 164.803 habitantes, Gaspar com 52.428 habitantes e Navegantes com 52.638 habitantes não possuem este tipo de profissional, Tubarão com 92.569 habitantes possui 3 (três) e Modelo com população de 3.772 habitantes possui 1 (um).

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Ademais, impende ainda ressaltar que Poder Judiciário catarinense optou pela contratação de apenas dois tipos de profissionais para a atuação nestas áreas, quais sejam, assistentes sociais e psicólogos, não havendo mais nenhum técnico de outro saber, tais como pedagogos e antropólogos. Sabe-se que, apesar da qualidade destes profissionais, a análise das ações envolvendo, por exemplo, direitos difusos e coletivos, exigem conhecimentos mais abrangentes possíveis. Destaca-se que a própria aplicação da medida sócio-educativa carece de um profissional da área da pedagogia.

Entende-se que as violações de direitos de crianças e de adolescentes relacionam-se diretamente com problemas sociais. Assim, o Poder Judiciário deve desencadear ações articuladas com os demais órgãos públicos. O trabalho de assessoramento dos técnicos torna o exercício da magistratura muito mais completo e com maior possibilidade de resolver os problemas que lhes são postos e cumprir sua missão institucional de garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

O último, e interessante aspecto da pesquisa elaborada pela ABMP, diz respeito à formação dos magistrados como condição fundamental para a garantia de direitos de crianças e adolescentes. A preocupação é relevante na medida em que apesar de que todos os Juízes, Promotores de Justiça e Defensores Públicas serem bacharéis em Direito, muitos deles não se aperfeiçoaram acerca das mudanças trazidas na seara da Infância e da Juventude, em especial após 1988.

Some-se a isto o fato da disciplina do Direito da Criança e Adolescente não ser obrigatória nos cursos de graduação, o que se lamenta, uma vez que o profissional do Direito pode vir a advogar, ou exercer os cargos de Promotor de Justiça ou Juiz sem ter ao menos estudado referida disciplina em sua graduação.

Do diagnóstico verifica-se que no Estado de Santa Catarina o Direito da Criança e do Adolescente foi disciplina exigida no concurso, entretanto durante o período de formação dos magistrados a matéria não foi tratada. Também nos últimos seis meses anteriores à pesquisa não houve qualquer tipo de curso de formação continuada na área.

A conclusão final da ABMP é que o Sistema de Justiça é responsável pela garantia e implementação de condições para a elevação de crianças e adolescentes à categoria de sujeitos de direitos fundamentais e pela transformação da realidade de iniqüidades sociais que marca a história deste país só se dará pelo efetivo exercício de direitos por crianças, adolescentes e suas famílias.

Ocorre que a cultura jurídica brasileira, em muitos casos, demora para perceber a viragem trazida pela Constituição. Assim, cabe ao Poder Judiciário modificar sua estrutura, suas decisões e forma de executá-las, de modo a efetivar a gama de direitos fundamentais a serem manejados pela criança e pelo adolescente, na consolidação da sua dignidade.

Por fim, aguarda-se por um Poder Judiciário célere, estruturado e empenhado com a prioridade e a importância que se deva dar ao adolescente autor de ato infracional, assegurando-lhes todas as garantias trazidas na Constituição e no Estatuto, sensibilizado com a condição peculiar do adolescente, como pessoa em desenvolvimento e comprometido com o mais absoluto respeito à dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Mônica Nicknich

Técnica Judiciária, Professora e Pesquisadora

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICKNICH, Mônica. A dignidade do adolescente autor de ato infracional.: O Poder Judiciário como instrumento de efetivação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2936, 16 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19539. Acesso em: 23 nov. 2024.

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