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Aspectos destacados da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito brasileiro

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3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E LEGAIS DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Almejando a paz social, o universo jurídico vem evoluindo constantemente, buscando acompanhar as mudanças sociais, ideológicas e econômicas, para o fim de prever um número cada vez maior de soluções aos problemas surgidos no seio da sociedade.

Sendo assim, este capítulo objetiva analisar os pressupostos da responsabilidade civil e sua relação com a perda de uma chance, destacando alguns pontos acerca da reparação dos danos advindos desta nova teoria.

3.1.OS PRESSUPOSTOS DA REPARAÇÃO CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

No âmbito do Direito Civil, a responsabilidade civil vem desempenhando muito bem o seu papel, a partir da qual, em síntese, conclui-se que, em havendo um ato ofensivo de alguém a outrem, fica aquele obrigado a reparar o dano causado, com o fim de restabelecer o equilíbrio dos interesses ou bens jurídicos desmantelados devido à ocorrência de condutas lesivas, cuja causalidade se estabeleça.

Desta feita, é o princípio do neminem laedere que, basicamente, justifica a existência de reparação civil em caso de danos causados.

O princípio do neminem laeadere, que se traduz na expressão não lesar outrem, configura-se em "[...] limite objetivo da liberdade individual em uma sociedade civilizada [...]" [50], estando consagrado no art. 186 do Código Civil Brasileiro.

Completa Santos asseverando que:

[...] O não causar dano a outrem surge do dever de fazer justiça, pois quem lesiona algo ou alguém, priva este último de alguma coisa, tira-lhe o que antes se aproveitava, seja porque estava em seu próprio ser (honra, intimidade, vida privada), seja em seu patrimônio material. [51]

Assim, quando a atitude de alguém estiver em desacordo com os direitos dos demais, terá aquele o dever de reparar o prejuízo causado, cuja obrigação é chamada responsabilidade civil.

Diniz conceitua a responsabilidade civil como sendo:

[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. [52]

E Pereira também leciona sobre o tema:

A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil. [53] (grifo do autor).

Partindo da conceituação da responsabilidade civil, apresentam-se as principais funções da responsabilidade civil, as quais, em síntese, são a compensação do dano, a punição do ofensor e a prevenção, buscando evitar que outros danos sejam praticados.

Neste norte, analisando-se a história deste instituto, bem como as codificações civis brasileiras, não é difícil de se identificar que há duas espécies de reparação de danos: a responsabilidade subjetiva e a objetiva.

Neste caminho, percebe-se que a regra é a responsabilidade civil subjetiva, traduzindo-se na obrigação do agressor à reparação quando tenha causado a outrem um dano devido a sua conduta culposa.

Esta espécie de responsabilização já estava consagrada no Código Civil de 1916, e continua no atual Código, vigente desde 2002, conforme se nota da redação do art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." [54] (grifo nosso).

Definindo a conseqüência de ato ilícito, reza o caput do art. 927 do mesmo Código Substantivo: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo." [55] (grifo nosso).

Em outras palavras:

É responsabilizado por um dano que causou, a pessoa que agiu com intenção de causar o prejuízo (dolo) ou atuou com negligência, imperícia ou imprudência (culpa em sentido estrito). A existência do dano, por sua vez, é pressuposto para a responsabilização para exigir de alguém ma reparação pecuniária qualquer, é indispensável a efetividade de prejuízo à vitima, seja material ou moral. Para a responsabilidade, é necessário estabelecer uma ligação entre a conduta e o prejuízo sofrido, de modo que se possa afirmar que o dano ocorreu em virtude daquela conduta e não de outra qualquer. [56]

Desta definição é possível se extrair os pressupostos gerais formadores da responsabilidade civil subjetiva, os quais são a conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano.

A conduta culposa do ofensor pode ser dividida em dois "sub – requisitos": a conduta do agente causador do dano e a culpa.

A conduta do agente pode ser positiva ou negativa. A positiva traduz-se na ação do agressor e a negativa na sua omissão, mas ambas estão fundamentadas no livre arbítrio do causador do dano. Aliás, é o que se nota no dispositivo anteriormente transcrito.

Em outras palavras, "O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz." [57] (grifo do autor).

Neste ponto, importante destacar que o aspecto vontade não se configura somente quando estiver se falando de responsabilidade civil subjetiva, vez que na reparação civil objetiva a mesma se afigura com todas as suas características. [58]

Isto posto, a conduta voluntária do agressor é de suma importância, mas ela deve estar permeada pela culpa, no sentido amplo, em se tratando de responsabilidade civil subjetiva.

Nas palavras de Lima "Culpa é um erro de conduta, moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias de fato." [59] (grifo do autor).

Para Venosa, "[...] culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar." [60]

A culpa, portanto, é uma falta de zelo, de cuidado ou mesmo um ato praticado com a vontade de produzir um resultado prejudicial a alguém, situações que impõem ao ofensor um dever de reparação.

Neste norte, lato sensu, a culpa abrange o dolo, a negligência, a imprudência ou a imperícia do agressor em sua conduta.

O dolo resta caracterizado quando o ofensor tem a vontade de causar um "mal". Podestá afirma que "Por dolo entende-se a conduta voluntária do agente que já tem ínsita a intenção de prejudicar, entenda-se, a vontade direcionada para causar o dano, por isso que o juízo axiológico incide sobre a própria conduta." [61]

A culpa, em sentido estrito, divide-se nas subespécies negligência, imprudência ou imperícia, caracterizando-se por ser a:

[...] falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude. [62] (grifo nosso).

A negligência é a ausência dos cuidados necessários, portanto, é uma desatenção; um desleixo. A imprudência ocorre quando há um ato positivo praticado sem as cautelas devidas, a fim de evitar o resultado danoso. A imperícia, por sua vez, é falta de habilidade para desempenhar determinada atividade que exigia uma técnica especial.

Exemplifica Venosa com muita propriedade:

[...] É imprudente, por exemplo, o motorista que atravessa cruzamento preferencial sem efetuar para prévia em seu veículo ou ali imprime velocidade excessiva. É negligente o motorista que não mantém os freios do veículo em perfeito funcionamento. É imperito aquele que se arvora em dirigir veículo sem os conhecimentos e a habilitação técnica para fazê-lo.[...]. [63]

E sintetiza Coelho sobre a culpa:

A culpa que dá ensejo à responsabilidade civil corresponde a ato voluntário, que deveria ter sido diferente. Sem a exigibilidade de conduta diversa, não há ação ou omissão culposa.

Embora sempre voluntária, a culpa pode corresponder a ato intencional ou não. No primeiro caso, chama-se dolo, que pode ser direto (o dano causado era a intenção do seu autor) ou indireto (o autor assumiu o risco de causar o dano). A culpa não intencional, a seu turno, é a negligência, imprudência ou imperícia. [64]

Percebe-se, portanto, que o elemento culpa é salutar para a configuração da reparação civil, sendo irrelevante, porém, em qual espécie enquadra-se a conduta do agente causador do dano, distinção que se fez, tão simplesmente, para fins de explicação, bastando que o elemento subjetivo esteja presente no caso concreto.

Todavia, a culpa por si só não é suficiente. É indispensável à ocorrência de um prejuízo à vítima.

O dano é imprescindível para a caracterização da responsabilidade civil, logicamente porque, sem prejuízo, não há o que indenizar.

Com muita propriedade, Lucio Bove citado por Diniz, define dano "como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral". [65]

Para Gagliano e Pamplona Filho "[...] dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não -, causado por ação ou omissão do sujeito infrator". [66] (grifo do autor).

Desta feita, verifica-se que o dano representa a diminuição do patrimônio da vítima, quando se tratar de prejuízo patrimonial, ou ofensa a direitos de personalidade daquela, causando-lhe dor moral.

Vê-se, portanto, que os danos, não obstante as demais subdivisões existentes, podem ser vistos sob duas óticas, a patrimonial e a extrapatrimonial, cujas distinções se justificam no momento da concessão de indenização.

Mas não é qualquer dano que autoriza uma indenização, somente danos certos e atuais, em regra, são capazes de obrigar alguém a reparar outro pelos males causados, inexistindo possibilidade de estabelecimento de reparação quando se tratar de dano eventual, hipotético, conforme exclui o Código Civil pátrio.

Dano atual é aquele que ocorreu naquele momento, coincidente com o evento danoso ou que suas conseqüências perpetuar-se-ão no futuro.

Certo é o dano "[...] quando tenha a sua existência determinada, não existindo dúvidas quanto a sua ocorrência, sendo inadmissível o ressarcimento a lesões hipotéticas." [67] Salvo, em se tratando de lucro cessante, nos quais se avalia a potencialidade de ocorrência do dano no futuro, hipótese em que igualmente poderá ser aplicada à teoria da perda de uma chance, que abaixo será tema de estudo.

E quando se estiver diante de um dano patrimonial, imperioso examinar as espécies dano emergente e lucro cessante.

A noção de lucro cessante e de dano emergente colhe-se da previsão do art. 402 do Código Civil que diz: "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar." [68]

Sendo assim, dano emergente é o dano positivo, facilmente exemplificado com os danos decorrentes de um acidente de carro, do qual são facilmente identificados os prejuízos materiais causados. Dano emergente é aquilo que efetivamente foi perdido, conforme nos preceitua o artigo acima transcrito.

Para Venosa, dano emergente é "[...] aquele que mais se realça à primeira vista, o chamado dano positivo, traduz na diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu. [...]." [69](grifo do autor).

Por sua vez, quando o dispositivo prevê "o que razoavelmente deixou de lucrar", refere-se ao lucro cessante.

Lucro cessante, segundo Jorge Cesa Ferreira da Silva, é "[...] a exclusão de um ganho que era ou podia ser esperado, atual ou futuramente, se o fato danoso não houvesse ocorrido. [...]." [70]

E Gagliano e Pamplona Filho lecionam que o lucro cessante é "[...] correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, ‘o que ela não ganhou’." [71]

Exemplifica-se referida espécie com a ocorrência de um acidente de trânsito que acomete um taxista, deixando-o incapacitado para o trabalho, obrigando o culpado do sinistro indenizá-lo pelos dias que este profissional não puder trabalhar ou "deixar de lucrar".

Desta feita, é possível se notar o intuito de reparar todos os danos sofridos pelas pessoas, sejam eles positivos (dano emergente) ou negativos (lucros cessantes).

Acrescenta, também, que o nosso ordenamento admite, ainda, a possibilidade de indenização decorrente de um dano moral, consoante previsão legal no art. 5º, incisos V e X, da CF, após uma batalha doutrinária e jurisprudencial que se travou nos últimos tempos.

Dano moral é aquele que atinge os direitos de personalidade, causando-lhe sofrimento. Venosa ensina que "[...] Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento [...], um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. [...]." [72]

E esta espécie de dano indenizável corresponde à conquista da justiça na reparação do sofrimento de alguém, subsistindo, atualmente, somente, discussões quanto à sua quantificação, às quais não se estudará neste trabalho monográfico.

Entretanto, além da ocorrência do dano, de extrema importância também se revela a demonstração do nexo causal entre a conduta humana e o prejuízo causado, configurando-se no elo necessário para que ao ofensor seja imputada a obrigação de indenização à vítima, não existindo responsabilização sem a sua ocorrência.

A este respeito, Diniz apresenta com muita clareza a definição e a relevância do nexo de causalidade para a responsabilidade civil:

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência. [73]

Poder-se-ia, inicialmente, pensar que é fácil a tarefa de entender o nexo causal, tratando-se da ligação das causas e a consumação do evento do danoso.

Todavia, há teorias que explicam o requisito do vínculo de causalidade, cuja análise é imprescindível para melhor se entender o pressuposto em discussão, sendo as três principais as seguintes: teoria da equivalência das causas, teoria da causalidade adequada e teoria da causalidade direta e imediata.

A teoria da equivalência das causas leciona que qualquer causa que atue para a produção do dano, responsabiliza seu causador à indenização ao lesado.

Sobre esta lecionam Gagliano e Pamplona Filho dizendo que "[...] esta teoria é de espectro amplo, considerando elemento causal todo o antecedente que haja participado da cadeia de fatos que desembocaram no dano." [74]

Mas, devidos aos inconvenientes desta forma de entender o nexo causal, outros doutrinadores são partidários da teoria da causalidade adequada, da qual se extrai que a causa que atuar para a ocorrência do evento danoso deve ser "adequadamente", entenda-se, com utilização da probabilidade, necessária para o resultado ou, em outras palavras, é a identificação da "causa predominante que deflagrou o dano." [75]

Podestá esclarece:

Desde logo contrapôs-se a essa tese [teoria da equivalência das causas], que levava a conseqüências insatisfatórias, a teoria da causalidade adequada de conformidade com a qual nem todos os fatos ou atos concorrentes na produção do dano implicam a responsabilidade ou igual responsabilidade de seus autores na reparação devida, mas tão-somente aqueles que, segundo o curso normal das coisas, teriam a conseqüência de produzi-lo: é indispensável, em suma, que a relação entre o evento e o dano, que dele resulta, seja adequada, normal e não simplesmente fortuita. [76]

Decorrente desta entende-se que se deu o surgimento da teoria da causalidade direta e imediata, para a qual, "a causa, [...], seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como sendo conseqüência sua, direta e imediata." [77]

Examinando o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente o art. 403 do Código Civil [78], revela-se esta última a teoria adotada pelo legislador brasileiro, não obstante possa haver utilização das demais em casos sub judice.

Sendo assim, em termos gerais, presentes os pressupostos expostos anteriormente, configurada estará a responsabilidade civil subjetiva.

Entretanto, a teoria aquiliana ou subjetiva, muitas vezes, dificulta ou impossibilita a reparação dos danos causados, pois, em algumas situações, o nexo causal entre a conduta ilícita do agente e o dano causado é prova árdua, deixando a vítima desamparada.

Desta feita, sobretudo no período que sucede a Revolução Industrial, na qual os empregados ficavam expostos a diversos riscos nas fábricas, sendo praticamente impossível comprovar o ato ilícito do patrão, surgiu a teoria do risco, a qual preceitua a dispensa da culpa.

Acrescenta-se:

A objetivação da responsabilidade civil representa o rompimento com a sociedade individualista e voluntarista que criou os códigos liberais do século XIX, e do começo do século XX. Desta forma, assim como o dogma da vontade teve de ser relativizado na nova sociedade massificada, rumando para a objetivação da relação contratual, também o caráter subjetivo da responsabilidade civil observou as suas primeiras contestações. [79]

Pontua-se que não se trata de presunção de culpa e sim de prescindibilidade de demonstração. Isto é, em alguns casos previstos em lei ou em razão do risco da atividade, o ofensor é responsabilizado independentemente da demonstração da culpa.

Vê-se que a culpa é dispensada, diferentemente da hipótese de presunção de culpa.

A presunção de culpa materializa-se na inversão do ônus probatório, no que diz respeito ao pressuposto subjetivo da reparação civil, podendo estar prevista em lei ou decorrer da jurisprudência. Exemplifica-se com a Súmula 341 do STF. [80]

Sobre a culpa presumida, Rodrigues leciona que:

As presunções de culpa, ou mesmo as chamadas presunções de responsabilidade, têm por escopo precípuo a reversão do ônus da prova. Em vez de a vítima ter de provar a culpa do agente causador do dano, é este quem deverá provar a sua não-culpa ou a existência de uma excludente de responsabilidade.

[...] o mecanismo das presunções vida facilitar a vítima na tarefa de obter ressarcimento, alforriando-a do pesadíssimo ônus, que originalmente lhe incumbia, de provar a culpa do agente causador do dano. [81] (grifo do autor).

Por outro lado, na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo é prescindível, bastando à comprovação dos demais pressupostos da responsabilidade civil: dano e nexo de causalidade.

Segundo Rodrigues:

Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. [82]

Esta nova forma de reparação está prevista no novo Código Civil, no art. 927, parágrafo único, senão vejamos:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. [83] (grifo nosso).

Tem-se aqui a teoria que justifica a indenização independentemente da demonstração de culpa do agente causador do dano, vez que em algumas hipóteses, ainda que tenha agido observando os preceitos legais, restando à vítima um prejuízo, deverá indenizar, como por exemplo, no caso de acidente de trabalho.

Então, duas situações autorizam que o elemento subjetivo seja irrelevante: de um lado, os casos especificados em lei; de outro, quando a natureza da atividade desenvolvida causar risco aos direitos dos cidadãos.

Entretanto, em que pese sua relevância diante de seu objetivo, a teoria objetiva ainda é tratada como exceção no ordenamento jurídico brasileiro, porém cada vez mais vem conquistando espaço, pois representa o deslocamento do foco da responsabilidade privilegiando os danos sofridos pela vítima, em detrimento da impossibilidade de comprovação de seus pressupostos, como no caso da responsabilidade civil do Estado (em regra) e nas previsões da Legislação Consumerista e da Legislação Ambiental, por exemplo.

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Diante do exposto, assinala-se que ambas as teorias, subjetiva e objetiva, coexistem tratando-se de formas diferentes de obrigar o agente causador do dano, a reparar o mal causado a outrem.

Mas é a teoria objetiva que, guardadas as peculiaridades, fundamenta o surgimento da teoria da perda de uma chance, haja vista a função de maior proteção à vítima, por casos em que o resultado final é incerto, para justificar a reparação, nos moldes tradicionais da interpretação de seus pressupostos.

Exemplo corriqueiro é o do advogado que perde o prazo para a interposição de um recurso de apelação para revisão de uma sentença que tinha significativas chances de modificação.

Não é certo que, caso o causídico tivesse interposto o reclamo no prazo legal, teria sucesso na pretensão, vez que outras causas poderiam levar ao não provimento do recurso. Entretanto, o advogado incorreu em uma falta grave que retirou do apelante a oportunidade de ver revisada a decisão prolatada, a qual, talvez, poderia ter sido reformada em favor do cliente.

Esta oportunidade ceifada é o fundamento para o surgimento da responsabilidade civil pela perda de uma chance, justificando a existência de um dano independente do resultado final, calcada, sobretudo, na proteção da dignidade da pessoa humana.

A responsabilidade civil pela perda de uma chance é uma teoria ainda pouco conhecida no cenário jurídico brasileiro, embora há algum tempo venha sendo utilizada nos países europeus, sobretudo na França e na Itália.

Para Savi, em uma entrevista concedida a um jornal jurídico on-line:

[...] é uma teoria que reconhece a possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado da oportunidade de obter um lucro ou de evitar um prejuízo. A teoria tem como característica principal reconhecer a existência de uma nova categoria de dano indenizável, um dano autônomo consistente na oportunidade (chance) perdida, o qual independe do resultado final. Atribui-se um valor econômico, de conteúdo patrimonial, à probabilidade de obter um lucro, sem que jamais se saiba se aquela probabilidade efetivamente se verificaria no caso concreto, pois um fato interrompe o curso normal dos acontecimentos antes que se pudesse constatar se aquela oportunidade se concretizaria. Não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela possibilidade séria e real de conseguir esta vantagem [...]. [84]

Trata-se, portanto, da reparação de danos oriundos de condutas lesivas, mesmo que não se verifique o dano final, evitando que a vítima arque com as conseqüências danosas.

E sendo assim, para melhor entendê-la, os tópicos que seguem procurarão expor alguns aspectos importantes desta nova teoria.

3.2.CONCEITO DA PERDA DE UMA CHANCE

A recente e eclética teoria da perda de uma chance é alvo de discussões entre os estudiosos do direito, mas vem ganhando espaço nos ordenamentos jurídicos, mormente, nas cortes superiores.

Sendo assim, urge imperiosa a definição do que é perda de uma chance.

De modo muito simplista, cuida-se da responsabilidade civil pela chance perdida de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, com incidência na área patrimonial e extrapatrimonial, autorizando uma indenização independentemente da ocorrência do dano final.

Mota conceitua a perda de uma chance como sendo "[...] aquele dano do qual decorre a frustração de uma esperança, da perda de uma oportunidade, de uma probabilidade. [...]." [85] (grifo nosso).

Segundo Santos, a perda de uma chance é "[...] considerada como a frustração de uma oportunidade em que seria obtido um benefício, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência de um ato ilícito." [86] (grifo nosso).

Por sua vez, Gondim afirma que:

A teoria da perda de uma chance, como é comumente denominada, objetiva a indenização da vítima que teve frustrado o seu objetivo. O dano em si, não será imputado ao agente, pois poderá haver outras concausas; todavia, o agente será responsável pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho que foi encerrada por sua conduta

. [87] (grifo nosso).

Seguindo estas orientações doutrinárias, pode-se concluir que a perda de uma chance é a responsabilização de alguém pelo cometimento de uma ação ou omissão lesivas ou risco causado, que resultou em dano a outrem, em virtude de lhe ter retirado a oportunidade de conseguir uma vantagem ou evitar um prejuízo.

A oportunidade perdida é que justifica a obrigação de indenizar. E esta oportunidade "não é o benefício aguardado, mas a simples probabilidade de que esse benefício surgiria, se não houvesse um corte no modo de viver na vítima." [88]

Isto porque não se pode deixar de indenizar uma pessoa, só porque a mesma não pode provar que certamente teria a vantagem no futuro, por exemplo, basta que exista uma chance séria e real e que lhe seja tolhida, haja vista que um prejuízo já ocorreu com a perda da possibilidade.

Neste sentido, afirma e exemplifica Kfouri Neto citando os irmãos Mazeuad e Mauzead:

São numerosos os casos em que uma pessoa se queixa de haver perdido uma chance (probabilidade) por culpa de outra. Encarregado de conduzir ao hipódromo um cavalo de corridas ou a seu jóquei, o transportador se atrasa, fazendo com que cheguem depois do início da corrida; por isso, o proprietário perde a chance de ganhar o prêmio. Notário, negligente no cumprimento do mandato que lhe havia sido conferido pelo cliente, faz com que este perca a probabilidade de adquirir uma propriedade. Auxiliar de escritório de advocacia, encarregado de protocolar apelação, ou advogado, que deveria recorrer, perdem os prazos; seus clientes perdem a chance de que se modifique a decisão contrária. (...) Todas essas espécies e muitas outras surgem na jurisprudência. Os tribunais não têm vacilado em conceder reparação.

Sem dúvida, não era certo que o cavalo ganharia a corrida, ou que o recurso seria provido (...). Mas é inegável que havia uma chance. E esta chance se perdeu. Existe aí um prejuízo, que não é hipotético (...). [89]

Savi defende a admissibilidade da teoria da perda de uma chance no nosso ordenamento quando conclui:

[...] em determinados casos, a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção. [90]

Entretanto, esta chance perdida não pode ser hipotética, sob pena de fomentar a indústria de pedidos de indenizações sem quaisquer razões plausíveis de existir, baseadas em mera suposição.

E para evitar que isto ocorra é que o uso da estatística é muito importante, pois deverá haver um grau de probabilidade de que a chance teria de se concretizar. Ou seja, não basta ter uma chance perdida, ela deve ser séria, não sendo suficiente uma mera expectativa.

Sendo assim, a chance perdida passível de indenização é aquela real.

Em outras palavras, a chance perdida, além de ter que ser uma oportunidade real de ganho ou de se evitar um prejuízo (não se tratando de ilusões, fantasias ou esperanças), precisa estar revestida de uma grande probabilidade de ocorrência. E neste aspecto, há quem defenda que a oportunidade perdida, séria e capaz de autorizar a concessão de uma reparação civil, deve estar revestida de mais de 50% de ocorrência de concretização da vantagem. [91]

Com muita propriedade, Kfouri Neto finaliza este raciocínio dizendo que:

De maneira geral, a perda de uma chance repousa sobre uma possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia se concretizar; é certo que a vantagem esperada está perdida – e disso resulta um dano indenizável. Noutras palavras: há incerteza no prejuízo - e certeza na probabilidade. [92]

Vê-se que a análise do dano repousa sobre a verossimilhança da possibilidade de ocorrência da chance, ou seja, há aqui a probabilidade de efetivação do resultado final que era esperado. Há também a certeza de que a conduta do ofensor retirou da vítima a oportunidade que tinha.

Ato contínuo, destaca-se a sintetização feita pelo jurista francês François Chabas, acerca dos elementos caracterizadores da perda de uma chance, conforme nos apresenta Gondim: "Os elementos que caracterizam a perte d’une chance são, segundo Fraçois [sic] Chabas, a conduta do agente; um resultado que se perdeu, podendo ser caracterizado como dano; o nexo causal entre a conduta e as chances que se perderam." [93]

Nota-se que estes são, em regra, os pressupostos da responsabilidade civil, só que analisados sob o prisma da perda de uma chance.

Evidentemente, percebe-se que, havendo o dano, a vítima deve ser indenizada.

E sendo assim, a teoria em discussão deve ser reconhecida seja quando estiver se tratando de responsabilidade civil subjetiva, quando a culpa é o fundamento principal, ou mesmo quando for responsabilidade objetiva, quando a reparação independerá da demonstração do pressuposto subjetivo, vez que em ambas as situações uma chance séria e provável pode restar frustrada.

Desta feita, a responsabilidade civil pela perda de uma chance é de fácil assimilação quando se analisam seus pormenores, posto que ela está presente em muitas situações cotidianas, merecendo respeito e estudo aprofundado, haja vista o caráter protetivo que deve ser dispensado aos ofendidos.

3.3.NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE E DE SUA QUANTIFICAÇÃO

Reside aqui mais um ponto que gera muitas discussões e enfrentamentos entre os defensores e combatentes da aceitação da reparação pela perda de uma chance.

Concluindo-se que a perda de uma chance viabiliza a responsabilização civil de alguém pelo cometimento de fato, em regra, ilícito, que resultou em dano a outrem, o qual se concretizou por ter sido retirada a oportunidade de conseguir uma vantagem ou evitar um prejuízo, imperioso analisar a natureza jurídica de sua definição e da reparação propriamente dita.

Na doutrina pode-se verificar que há duas correntes principais acerca da definição da perda da chance, ambas procurando justificar a sua natureza jurídica: uma que trata da perda de uma chance como sendo advinda de nexo causal parcial com o resultado final, e a outra que entende que a mesma é um dano autônomo, por si só, as quais traduzem, portanto, uma nova visão sobre dois pressupostos da responsabilidade civil: o nexo causal e o dano.

Considerando-se a perda de uma chance como um dano autônomo, verifica-se mais problemática a ser enfrentada. Primeiramente, é de se pontuar se o dano pela perda da chance pode ser reconhecido tanto quando houver violação no patrimônio da vítima, quanto na ocorrência de dano no seu universo anímico. Isto é: se o dano pela oportunidade perdida pode restar caracterizado tanto na esfera patrimonial, quanto na extrapatrimonial.

Analisando-o em ambas as esferas faz-se necessário esclarecer se resta caracterizado dentro das espécies de danos previstos no ordenamento ou se se trata de uma nova espécie de prejuízo, cuja compreensão influenciará na indenização a ser arbitrada.

Sendo assim, vê-se que as pontuações acima delineadas são imprescindíveis para o entendimento da teoria em discussão, vez que influenciam diretamente na definição e na quantificação da perda de uma chance quando caracterizado o dano proveniente daquela.

3.3.1.As correntes doutrinárias que estudam a natureza jurídica da definição da perda de uma chance

Neste aspecto, dois pressupostos da responsabilidade civil são sublinhados, o nexo causal e o dano, os quais são essenciais para a configuração da obrigação de indenizar, associado, em regra, com o ato culposo do ofensor.

Não obstante, tais requisitos fundamentam, ainda, dois posicionamentos doutrinários que estudam a perda de uma chance: um que entende que a oportunidade perdida configura o nexo parcial do dano final e o outro que a chance ceifada caracteriza um dano independente do resultado final.

Sobre o primeiro pressuposto mencionado, Rafael Peteffi da Silva assevera que "O nexo de causalidade é um dos requisitos fundamentais para a ação indenizatória, uma vez que avalia a ligação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o prejuízo sofrido pela vítima." [94]

E, sendo assim, considerando-se as teorias anteriormente mencionadas que interpretam a causalidade, é que alguns doutrinadores justificam a indenização pela perda de uma chance como conseqüência da análise alternativa da causalidade do evento danoso.

Vê-se aqui, a utilização da segunda função do nexo de causalidade, qual seja, de ser medida de obrigação de indenizar, não obstante caracterize-se por ser pressuposto geral da responsabilidade civil.

Em síntese, a causalidade alternativa é aquela que avalia o liame entre a conduta humana e o dano, sob a forma de causalidade parcial ou de presunção de causalidade, esta última que, neste trabalho, não será aprofundada.

A causalidade parcial é aquela que encara o ato do agente como uma causa do dano final, mas que indeniza o prejuízo de forma parcial, haja vista que não alcançou o resultado final, constituindo nova ótica de análise do nexo causal, haja vista as peculiaridades da perda de uma chance.

Acrescenta–se que há entendimentos de que a aplicação da causalidade parcial melhor resolveria o problema para aceitabilidade da responsabilidade civil pela perda de uma chance, pois se fugiria da impossibilidade de reparação de um dano "hipotético". [95] Melhor dizendo, tratando-se de perda de uma chance exigir-se-ia a flexibilização do ônus da prova da conditio sine qua non, considerando-se que não há uma causa que efetive o dano, e sim, há elementos prováveis e resultados prováveis. [96]

Corrobora, parcialmente, a esta corrente, Kfouri Neto quando assevera que "[...] a perda de uma chance, no domínio médico, atinge a causalidade, ao passo que nas demais áreas da responsabilidade civil refere-se ao prejuízo." [97] (grifo do autor).

Com muita propriedade, esclarece Noronha, que a causalidade alternativa ocorre:

[...] quando existem dois ou mais fatos com potencialidade para causar um determinado dano, mas não se sabe qual deles foi o verdadeiro causador.

[...] A reparação deve corresponder à percentagem das chances com que o fato do responsável contribuiu para o dano final: esse será o valor da chance subtraída ao lesado. Em suma, o valor do dano deverá ser repartido na proporção em que cada um dos fatos em alternativa concorreu para o dano final. [98]

Por outro lado, encontram-se estudiosos que lecionam que a perda de uma chance é um dano autônomo e especial, em consonância com a evolução da sociedade, haja vista que no momento que a chance foi perdida já estava inserida no patrimônio da vítima, sendo que a conduta do ofensor interrompeu um processo que lhe era favorável.

Acerca da autonomia da perda de uma chance, Rafael Peteffi da Silva assevera que:

[...] Essa referida autonomia serviria para separar definitivamente o dano representado pela paralisação do processo aleatório no qual se encontra a vítima (chance perdida) do prejuízo representado pela perda da vantagem esperada, que também se denominou dano final. A vantagem esperada seria o benefício que a vítima poderia auferir se o processo aleatório fosse até o seu final e resultasse em algo positivo. Desse modo, a paralisação do processo aleatório seria suficiente para respaldar a ação de indenização, pois as chances que a vítima detinha nesse momento poderiam ter aferição pecuniária, exatamente como ocorre com o bilhete da loteria roubado antes do resultado do sorteio. [99]

Este corrente desemboca na ampliação da definição de dano, exigindo da sociedade contemporânea que este pressuposto seja visto de forma mais ampla de modo a abranger os mais diversos prejuízos que possam surgir das relações sociais modernas, especialmente diante das inovações tecnológicas e sociais dos últimos tempos.

Sobre o assunto, escreve Reis:

O dano, na visão contemporânea, não deve ser considerado como mera ofensa aos bens econômicos mas, sobretudo, um processo de modificação da realidade material e imaterial.

É necessário compreender, segundo nosso ponto de vista, que a ofensa, quando atinge interesses da pessoa, causando alteração da situação natural em que eles se encontravam anteriormente, produz um prejuízo em face de mencionada alteração do estado das coisas. Nesse caso, qualquer que seja a modificação ocorrida na realidade, refletirá na esfera do mundo patrimonial ou extrapatrimonial do lesionado. [100]

Este entendimento corresponde a corrente majoritária que estuda a natureza jurídica da perda de uma chance.

Mota escreve sobre a perda de uma chance dizendo que:

[...] Não se trata de mitigação do nexo causal, mas, tão somente, do deslocamento do vínculo causal para a perda de uma chance, constituindo esta, em si mesma, o próprio dano. Constitui-se numa zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro, tratando-se de uma situação na qual se mede o comportamento antijurídico que interfere no curso normal dos acontecimentos, de tal forma que não mais se poderá saber se o afetado por si mesmo obteria ou não os ganhos ou se evitaria ou não certa vantagem, pois um fato de terceiro o impede de ter a oportunidade de participar na definição dessas probabilidades. [101] (grifo do autor).

Com efeito, sabe-se que o dano é o prejuízo ou a dor suportado pela vítima, sobrevindo de ato culposo ou em decorrência do risco causado, sendo salutar a presença de duas características para a sua configuração: a certeza e a atualidade do prejuízo, como em outro momento já exposto, os quais viabilizam a indenização à vítima, ressaltando que o nosso ordenamento jurídico não indeniza prejuízos hipotéticos.

Especialmente, é a necessidade de certeza do dano que fundamenta a resistência à aceitação da teoria da perda de uma chance, aduzindo que se trata de dano hipotético, eventual. Aliás, esta característica justificou na Itália, durante muito tempo, o não reconhecimento da perda de uma chance, entendendo ser incapaz de obrigar alguém a indenizar outrem, situação já superada, com dantes já evidenciado.

Desta feita, vislumbra-se que a perda de uma chance pode ser interpretada como sendo decorrente do reconhecimento de causalidade alternativa, na espécie causalidade parcial, ou mesmo como a própria constituição de um prejuízo passível de indenização, cujos entendimentos, conseqüentemente, refletirão na fixação da indenização devida ao ofendido.

3.3.2.A perda de uma chance como dano autônomo nas esferas patrimonial e extrapatrimonial

Inobstante o entendimento da corrente que justifica o dever de reparar por conseqüência da causalidade alternativa da perda da chance, pensa-se que a simples ocorrência de ceifação de uma chance real, já caracteriza um prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial, e por este fato o ofensor deve ser compelido a indenizar a vítima, entretanto, de forma proporcional e eqüitativa.

Isto porque, inicialmente, verifica-se que o nexo causal é o pressuposto geral da responsabilidade civil, sendo imprescindível para a configuração da reparação civil pela perda de uma chance, vez que esta fica condicionada à demonstração de que a conduta de alguém retirou a chance de outrem, cujo requisito pode ser revelado pela causalidade clássica.

Com efeito, a perda de uma chance corresponde a uma nova forma de ver a ocorrência de um dano, ampliando seu conceito, mudando o foco de análise do prejuízo do resultado final para a oportunidade perdida, a fim de se alcançar a função de ampla proteção à vítima.

Entretanto, embora a consideração da perda de uma chance como especial caracterização de dano pareça ser o caminho mais adequado, sob o ponto vista delineado, a dificuldade de sua compreensão justifica a existência de alguns questionamentos.

Desta feita, importante que se pontue que há duas esferas de incidência de condutas lesivas: a patrimonial e a extrapatrimonial.

Quando se tratar de dano patrimonial, ter-se-á um prejuízo pecuniário, cuidando-se, em regra, dos casos de danos emergentes e de lucros cessantes. Aparece, no entanto, outra espécie entre estes, a qual se refere a possibilidade de reconhecimento de um terceiro dano, este autônomo e especial representado pela chance perdida.

Analisando-se os aspectos do dano emergente, especialmente a efetivação de um dano no momento da ocorrência da conduta lesiva, a perda de uma chance guarda muita semelhança com esta espécie de prejuízo.

Aliás, este é o entendimento de Savi:

Ao se inserir a perda da chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicada).

Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. [102]

Porém, em que pese haver algumas semelhanças entre a perda de uma chance e o dano emergente, posto que em uma ou outra situação o dano surge com o fato lesivo, as peculiaridades do dano da perda de uma chance o afastam de qualificá-lo como espécie deste, vez que aquele desemboca num prejuízo oriundo de uma oportunidade perdida e que usa de probabilidades para fixar o quantum indenizatório. Diferentemente deste último (dano emergente), no qual se tem um prejuízo calculável, a princípio, já no momento do ato culposo, cujo dano indenizável é a própria ocorrência do resultado final.

Há também quem veja na oportunidade perdida a ocorrência de um lucro cessante pois, devido ao fato de que pela conduta lesiva que ceifou a chance, a vítima deixou de obter uma vantagem.

É o que assevera Diniz quando conceitua lucros cessantes:

[...] Dano negativo ou lucro cessante ou frustrado, alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado. Para se computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos, conjugado às circunstâncias peculiares do caso concreto (RT, 434:163, 494:133). Trata-se não só de um eventual benefício perdido, como também da perda da chance, da oportunidade ou de expectativa, que requer o emprego de tirocínio eqüitativo do órgão judicante, distinguindo a possibilidade da probabilidade e fazendo uma avaliação das perspectivas favoráveis ou não à situação do lesado, para atingir a proporção da reparação e deliberar seu quantum. [...]. [103] (grifo do autor).

No mesmo sentido, o entendimento do nosso egrégio Tribunal de Justiça, citando-se o acórdão exarado na Apelação Cível n.º 2005.039076-0 [104], o qual será objeto de estudo pormenorizado no capítulo seguinte.

Todavia, não se pode confundir lucro cessante e o dano da perda de uma chance, embora sejam semelhantes. Ambos trabalham com a probabilidade de ocorrência do que esperavam com o resultado final. Todavia, a perda de uma chance não busca a indenização pelo que deixou de lucrar e sim pela chance perdida, a qual já estava inserida no patrimônio da vítima no momento do evento danoso.

Entretanto, estes posicionamentos não correspondem ao defendido neste trabalho, vez que se entende que a ocorrência da perda da chance, além de configurar um dano indenizável, por si só, admitiria a compreensão de uma terceira espécie de prejuízo patrimonial ou mesmo nova espécie de dano extrapatrimonial.

Menciona Venosa:

[...] Alguém deixa de prestar exame de vestibular, porque o sistema de transportes não funcionou a contento e o sujeito chegou atrasado, não podendo submeter-se à prova: pode ser responsabilizado o transportador pela impossibilidade de o agente cursar a universidade? O advogado deixa de recorrer ou de ingressar com determinada medida judicial: pode ser responsabilizado pela perda de um direito eventual de seu cliente? Essa, em tese, a problemática da perda da chance, cujo maior obstáculo repousa justamente na possibilidade de incerteza do dano. Há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento. [...]. [105]

A perda de uma chance é um dano especial que corresponde a uma nova forma de se analisar e reparar os prejuízos resultantes de uma conduta lesiva que subtraia de alguém a chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, indenizando proporcionalmente a ocorrência do resultado final.

Para tanto o dano (chance perdida) precisa ser certo e atual, inexistindo possibilidade de estabelecimento de reparação quando se tratar de dano eventual, hipotético.

O dano da perda de uma chance, portanto, supera esta problemática.

Analisando-se, por exemplo, a hipótese do advogado que perde o prazo para a propositura do recurso, visando reexame de uma sentença, o dano sofrido pela vítima é certo, pois no momento da perda da chance, os prejuízos ao patrimônio do ofendido já foram concretizados, diante da retirada da possibilidade.

E mais, o dano é atual, pois a vítima restou lesada no exato momento da perda da oportunidade de ser reanalisada a sentença que lhe era desfavorável, mas que tinha sérias e reais chances de ser reformada.

Não se pode negar que o dano da perda de uma chance trabalha com um elemento de certeza e outro de incerteza.

A certeza consiste no fato de que a chance foi perdida e a incerteza que o resultado final se concretizaria, porém tinha grande possibilidade de ocorrência, mas que devido ao evento danoso não será possível seguir o curso normal de verificação.

Sendo assim, configurando o dano pela perda de uma chance, aliado aos demais requisitos autorizadores da reparação civil, fica justificada a indenização à vítima do ato lesivo.

Portanto, defende-se, em concordância com a corrente majoritária, que a oportunidade tolhida é um dano autônomo e especial, sendo que se expressa na esfera patrimonial independentemente do lucro cessante ou do dano emergente, por apresentar características específicas, viabilizando a fixação, pela chance perdida, de uma indenização proporcional ao resultado final.

Já na esfera extrapatrimonial ter-se-á também a possibilidade da caracterização do dano pela perda chance quando uma conduta lesiva levar a frustração de uma vantagem esperada ou o impedimento de um prejuízo, causando danos no universo anímico da vítima.

Neste seguimento, o dano moral, como diferentemente não poderia ser, atualmente, é previsto no ordenamento jurídico brasileiro, possibilitando indenização às vítimas de ofensas extrapatrimoniais.

E quando se analisa o dano oriundo da perda de uma chance no aspecto do prejuízo extrapatrimonial, três posicionamentos restam destacados: um que defende que a perda da chance é exclusivamente um clássico dano moral ou um agregador deste; e, que a oportunidade ceifada seria uma nova espécie de dano extrapatrimonial. Por fim, há entendimento de que a perda de uma chance possa ser reconhecida tanto na esfera patrimonial como extrapatrimonial, inclusive, cumulativamente.

Desta feita, Antonio Jeová da Silva Santos assevera que a perda de uma chance é exclusivamente agregador do dano moral, correspondendo ao entendimento aplicado pelos pretórios brasileiros. [106]

Referido doutrinador assinala que o dano representado pela perda de uma chance, quando esta for séria e provável, autoriza que o reconhecimento de um agregador ao dano moral sofrido, diante da oportunidade perdida. [107]

Relembra-se a passagem acerca da perda de uma chance como dano moral, quando Santos fala da chance séria e provável:

Não será a mera conjectura que tornará viável a perda da chance como um agregador do dano moral. A chance deve ser séria e provável. O sonho de prosperidade, sem que tivesse existido de forma preexistente uma situação fática que pudesse propiciar a expectativa ou aspiração, não é perda de chance, mas ens imaginationis. [...]. [108] (grifo do autor).

No entanto, numa situação que a perda uma chance viabilize a indenização por danos morais, aquela também pode justificar ainda uma reparação por danos materiais, possibilitando à concessão de uma reparação mais ampla.

É o que defende Savi:

[...] haverá casos em que a perda da chance, além de representar um dano material poderá, também, ser considerada um ‘agregador’ do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta de requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos morais em razão da frustrada expectativa. Frise-se mais uma vez: o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral [...]. [109] (grifo do autor).

Todavia, num terceiro posicionamento, entende-se aplicável o mesmo raciocínio antes assinalado na esfera patrimonial, de que a chance perdida já constitui um dano, respaldando o surgimento de uma nova espécie de prejuízo extrapatrimonial, porquanto a frustração pela oportunidade perdida, por si só, já causa dissabores no universo anímico da vítima, capazes de autorizar o reconhecimento de um dano especial e autônomo.

A doutrina ainda é bastante tímida, não se identificando maiores explanações sobre o tema, verificando-se nos julgados dos pretórios brasileiros, maior análise do assunto, os quais, em sua maioria, atribuem à chance perdida o caráter jurídico de dano moral.

Sendo assim, verifica-se que a natureza jurídica da perda de uma chance é tema de controvérsias e indefinições por parte dos doutrinadores, justificando ainda a discussão se aplicável somente na esfera patrimonial ou na extrapatrimonial ou se permite a cumulatividade.

Não se encontrou na doutrina e jurisprudências pátrias expressivas justificativas para o reconhecimento do dano da perda de uma chance como sendo aplicável somente em uma das esferas, restringindo-se a menção de Antonio Jeová dos Santos de que se trata de um exclusivo agregador do dano moral, o que poderia levar à conclusão da incidência tão-somente na área extrapatrimonial.

Mas o entendimento pela cumulatividade parece ser o mais adequado, vez que demonstra maior correspondência com a finalidade da reparação pela perda de uma chance – ampla reparação às vítimas de atos lesivos -, pois uma situação de frustração de oportunidade, poderá justificar uma reparação em ambas as esferas, frisa-se, sempre como uma nova modalidade de dano – o dano da chance perdida.

O desembargador carioca Roberto de Abreu e Silva destaca:

[...] a chance perdida configura um dano injusto indenizável ou reparável quando há um prejuízo material ou imaterial causado a pessoa inocente pela perda da probabilidade de um evento favorável, certo, sério, não hipotético, em fato já consumado causado por conduta comissiva ou omissiva do agente (falta de diligência ou prudência) e violadora de interesse juridicamente protegido no direito positivo [...]. [110]

E exemplifica a discussão em comento, o episódio das últimas Olimpíadas, do qual foi vítima o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, o qual teve frustrada a chance de terminar vencedor da prova, causando-lhe prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais. [111]

Isto posto, realizadas estas pontuações, pode-se perceber que longo caminho ainda resta para ser trilhado, especialmente para que se estabeleça qual a verdadeira natureza jurídica da quantificação da perda de uma chance, especialmente porque se está diante de uma teoria com inúmeras nuanças e que justifica a ocorrência de muitos debates.

Mas, desde já, é possível se verificar que a espécie de responsabilização em discussão corresponde à evolução da sociedade com intuito de proteger a pessoa humana. É o direito da vítima que está em pauta e que deve estar no foco das atenções do direito moderno.

3.4.A PERDA DE UMA CHANCE E SEU ATUAL FUNDAMENTO NO DIREITO POSITIVADO

Não obstante a necessidade de admissibilidade da nova teoria, diante das situações cotidianas, o Código Civil de 1916 não fazia e o atual de 2002 também não faz menção a teoria da perda de uma chance. Entretanto, nosso ordenamento jurídico mostra-se receptível para acolhê-la, cujos argumentos repousam na Carta Magna e no próprio Código Civil em vigência.

Primeiramente, observando os preceitos da Constituição Federal, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana que deve ser observado sempre que alguém causar qualquer tipo de dano injusto a outrem.

Referido princípio fundamenta, juntamente aos demais, o Estado Democrático de Direito, no qual, além do respeito à liberdade das pessoas, é preciso observar-se os direitos dos demais cidadãos, dos quais, mormente, cita-se a vedação de lesão ao patrimônio e/ou a personalidade daqueles.

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...];

III – a dignidade da pessoa humana;

[...].

[112] (grifo nosso).

Segundo José Afonso da Silva "Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida". [113](grifo do autor).

Acrescenta Santos sobre a dignidade da pessoa humana:

Ela pressupõe a existência de outros direitos. Sem ela não há como o ser humano desenvolver-se em plenitude e atingir a situação de bem-estar social. Até para viver em sociedade, sem aquele plexo de dignidade, não há como haver essa interação. Quando a Constituição protege interesses públicos, como o direito ao meio ambiente saudável e não degradado, essa proteção visa resguardar a dignidade. [114]

Sem dúvidas, referido princípio é primordial e indispensável para que se fixe indenização em favor dos ofendidos, pois busca coibir condutas degradantes e ofensivas, em respeito à condição humana de cidadão integrante de uma sociedade democrática.

E reforçando a importância da dignidade da pessoa humana, surge imperiosa a previsão do inciso I, do art. 3º, da Magna Carta, notadamente, quanto à justiça: "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]". [115] (grifo nosso).

Sem menosprezo as demais concepções, sinteticamente e especialmente dentro do instituto da responsabilidade civil, entende-se que a justiça é o que se busca quando é fixada uma indenização em favor de alguém que tenha sofrido um prejuízo patrimonial ou uma dor moral, protegendo a sua dignidade.

Sendo assim, aliando a dignidade da pessoa humana à justiça, trazendo-os para o instituto em apreço, tem-se o princípio da reparação integral dos danos, implicitamente previsto na Constituição Federal do Brasil, o qual justifica a aceitação da teoria da perda de uma chance, pois ele objetiva maior proteção às vítimas de atos ofensivos.

Na esfera infraconstitucional, em consonância com as previsões da Constituição Federal, tem-se o Código Civil pátrio em vigência.

A Legislação Civilista está aberta para o reconhecimento desta nova espécie de dano, vez que não se percebe limitação aos tipos de danos indenizáveis, ressalvando tão-somente a impossibilidade de reparação de danos hipotéticos, que não é o caso da perda de uma chance.

É o que se percebe quando se analisa os arts. 186 e 927, ambos do Código Civil, respectivamente:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. [116]

A inexistência de um rol taxativo de danos que possam ser indenizados é o primeiro passo para a aplicação da teoria em explanação, pois a sociedade é mutável e novas condutas e prejuízos podem surgir diariamente, e, caso as vítimas não possam ser reparadas, um clima de impunidade civil permearia a vida social.

A legislação civilista acima citada caracteriza-se por ser um código com cláusulas abertas, permitindo que o julgador possa melhor interpretar o direito positivado, autorizando-o a adequar as normas jurídicas ao caso concreto, para o fim de dar uma resposta justa, o que, evidentemente, exige do operador maior conhecimento e responsabilidade. [117]

E se assim o é, porque não aceitar a teoria da perda de uma chance?

A importância da admissibilidade da teoria da perda de uma chance é muito bem apresentada por Mota quando assevera que :

Faz-se relevante estabelecer juridicamente a perda de uma chance como vínculo da causalidade, em resposta à necessidade premente de proteção à pessoa humana, ajudando a reordenar os paradoxos e atendendo aos anseios de Justiça do homem da atualidade. [118] (grifo do autor).

Vê-se nesta nova teoria, além de uma atenção merecida às vítimas de ilícitos civis, representa uma nova forma de se avaliar a responsabilidade civil, haja vista uma nova espécie de dano, que merece atenção dos legisladores, dos doutrinadores e dos aplicadores do direito, especialmente, diante do seu objetivo: proteção às vítimas.

E como demonstrado, o nosso ordenamento respalda esta nova forma de indenização, não sendo conveniente que se deixe de reconhecê-la, observando-se as inúmeras situações que aparecem no dia-a-dia da sociedade, razões que se utiliza para a exposição do assunto do próximo item: a reparação dos danos.

3.5.IMPORTÂNCIA DA REPARAÇÃO DOS DANOS PROVENIENTES DA PERDA DE UMA CHANCE

Neste aspecto, o princípio da reparação integral dos danos representa a mola propulsora para a admissibilidade da responsabilidade civil pela perda de uma chance, buscando reparar e proteger a vítima de quaisquer danos sofridos.

Oportuno mencionar, desde já, que não se pretende adentrar profundamente no assunto da reparação de danos, sendo o objetivo apresentar alguns pontos que corroboram à admissibilidade do dano proveniente da perda de uma chance, demonstrando alguns critérios norteadores para a fixação do quantum indenizatório.

Como já alinhavado anteriormente, a reparação integral dos danos objetiva atender os prejuízos sofridos pelas vítimas, traduzindo-se no "verdadeiro princípio de justiça que deverá sempre nortear a atividade do intérprete quando da necessidade de se aferir o que deve ser objeto de reparação na responsabilidade civil." [119] (grifo nosso).

E é o escopo de reparar todos os danos que justifica indenizar-se o prejuízo representado pela perda de uma chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo.

Sendo assim, reconhecendo-se a existência de um prejuízo oriundo da chance perdida, o referido princípio corrobora a sua aceitação, pois se busca com esta forma de reparação civil a maior e melhor proteção à vítima, visando minimizar as conseqüências de danos injustamente causados. Procurando amparar o ofendido de uma forma ampla, diminui-se as possibilidades de sofrimento sem qualquer reparação.

É a função compensatória que se revela, com maior destaque neste momento, indenizando a vítima pelos prejuízos materiais e/ou morais que lhe forem causados. Referida finalidade, parece imprescindível quando Reis escreve que a reparação pecuniária certamente não desconstituirá a sensação aflitiva suportada pelo ofendido, mas exercerá efeito "analgésico", satisfatório, compensatório. [120]

Especialmente, na teoria em análise, reitera-se, não se pode deixar de indenizar alguém só porque não se pode comprovar que o resultado final ocorreria, quando, de imediato, já se identifica um dano originado da oportunidade tolhida. A vítima deve ser indenizada nestes casos, o que corresponderá a uma forma de apaziguar o dano sofrido.

Logicamente em se tratando de reparação pela perda de uma chance, reparar-se-á a oportunidade perdida, não o resultado final que poderia ter sido alcançado, exigindo, portanto, que o quantum indenizatório seja proporcionalmente menor ao que poderia ter obtido, levando-se em conta a probabilidade de ocorrência do dano final.

Neste sentido, afirma Savi: "Quanto à quantificação do dano, a mesma deverá ser feita de forma eqüitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada." [121]

E exemplifica:

[...] Ou seja, no exemplo do advogado que perde o prazo para a interposição do recurso contra a decisão contrária a seu cliente, a quantificação da indenização da perda da chance não poderá equivaler ao benefício que o cliente auferiria com o provimento do recurso que deveria ter sido interposto pelo advogado negligente. Por não haver certeza acerca da vitória no recurso, a indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil esperado. Ou seja, a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. O juiz, para encontrar o valor da indenização, deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada Suponhamos que o advogado tenha ajuizado ação judicial para a cobrança de R$ 10.000,00 (dez mil reais); que a sentença tenha sido proferida por um juiz inexperiente, que tenha analisado equivocadamente as provas e julgado improcedente o pedido de cobrança e que, após a publicação da sentença de improcedência, o advogado do autor perca o prazo para a interposição do recurso de apelação. Caso o juiz competente para julgar a ação de indenização movida pelo cliente contra seu advogado negligente chegue à conclusão de que o cliente tinha 90% (noventa por cento) de chance de ganhar o recurso não interposto, deverá partir do resultado útil esperado, no caso dez mil reais, e fazer incidir sobre este valor o percentual das chances perdidas, qual seja, noventa por cento. Assim, nesta hipótese, o valor da indenização seria de R$ 9.000.00 (nove mil reais).[...]. [122]

Desta feita, destaca-se a importância da observância probabilidade para o reconhecimento da perda de uma chance, bem como para fixação do seu valor reparatório. E a probabilidade aliada à eqüidade e ao bom senso do aplicador do direito, certamente, culminará na fixação de um quantum indenizatório adequado e apto a reparar todos os danos sofridos, sem, contudo, ser demasiadamente injusto para o agressor.

Sintetiza o assunto em comento Roberto de Abreu e Silva, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

[...] na aplicação da teoria da perda de uma chance, no caso concreto, impõe-se uma quantificação minorada da indenização ou reparação material ou moral (art. 944, parágrafo único, do Código Civil) considerando os elementos seguintes; (i) a intensidade mínima da falta não intencional ou culposa, por negligência, imprudência ou imperícia, notadamente, em leve ou levíssima (art. 186 do Código Civil/02). Igualmente, nas teorias objetivas ou sem culpa provada abrangendo a consumerista (arts. 37 p. 6º. da CRFB/88 ou 12 e 14 da lei 8.078/90, etc.); (ii) os danos ou prejuízos materiais ou morais perpetrados pela perda de uma chance reclamam quantificação muito inferior à que seria aplicada pela prática de mal maior perpetrada por falta intencional ou pesada, na expressão do dolo direto ou indireto; (iii) a quantificação dos danos ou prejuízos deve ser proporcional à gravidade da falta jurídica e do prejuízo causado pelo fato consumado da perda de uma chance, nem sempre correspondente ao mal maior, se existente, porém, causado por fato não imputável ao demandado, considerando, ainda, as circunstâncias fáticas para compatibilizar o valor da indenização ou reparação com a expressão axiológica do interesse jurídico violado (perte d’une chance), nas perspectivas dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, equidade e Justiça. [123]

Evidentemente, não se trata somente do aspecto compensatório, por si só, a fixação de uma indenização também responde à duas outras finalidades, punição do ofensor e prevenção social.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho, a prevenção tem cunho socioeducativo, demonstrando à sociedade que condutas semelhantes são passíveis de correção, buscando restabelecer o equilíbrio e a segurança almejados. Já a punição tem o objetivo de incutir no agressor que deve tomar as cautelas devidas para não mais lesionar. [124]

E se assim o é, não se pode deixar de reconhecer que a perda de uma chance deve ser indenizada, porquanto se trata de uma espécie de dano indenizável, assim como são o dano emergente, o lucro cessante e o dano moral, cada um com suas peculiaridades. E havendo previsão de reparação integral de danos, qualquer tentativa de descaracterização da perda de uma chance como fundamento de reparação não parece ser justa.

Importante frisar que a reparação pela perda de uma chance corresponde à dignidade da pessoa humana e à Justiça, pois tem como objetivo abranger uma nova espécie de prejuízo, que cotidiamente vem ocorrendo no seio da sociedade e que não pode ser menosprezado, pelo contrário, exige atenção dos estudiosos do direito.

E mais, busca revelar a sociedade nova espécie de dano que deve ser evitado, mostrando ao agressor, que os cuidados com seus atos ou atividades desenvolvidas devem ser redobrados.

Desta feita, o capítulo que segue terá como objeto verificar como a teoria da perda de uma chance vem sendo encarada pelos tribunais brasileiros, procurando evidenciar os fundamentos para sua aceitação ou inadmissibilidade.

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Sobre a autora
Claudinéia Onofre de Assunção Mota

Assessora jurídica do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Claudinéia Onofre Assunção. Aspectos destacados da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2960, 9 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19730. Acesso em: 25 abr. 2024.

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