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Novos precedentes na responsabilização jurídica de provedores de conteúdo.

O caso do game "Faith Fighter" e a comunidade muçulmana

20/08/2011 às 09:37
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A Justiça Paulista, recentemente, em novembro de 2010, condenou o provedor Universo Online, "UOL", por hospedar jogo eletrônico com personagens bíblicos que, segundo decisão do Tribunal de Justiça, protagonizava cenas de violência que contrariavam preceitos religiosos, com fundamento no disposto no art. 5º., inciso VI da Constituição Federal, que prevê que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; A ação foi proposta por Mesquita União Muçulmana de Barretos.

O Site "clickjogos", do UOL, mantinha o jogo Faith Fighter, que encenava uma disputa de Deuses. O jogo fora desenvolvido por Clickfoo Atividades de Internet Ltda., a qual a UOL denunciou à lide para fins de reembolso regresso, em primeira instância. A UOL foi condenada em primeira instância a uma indenização por danos morais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Recorreu ao Tribunal de Justiça da precitada decisão.

Mas o que mais chama atenção na decisão não é somente o reconhecimento de que o game afrontava os princípios do islamismo e de todos os muçulmanos, mas a responsabilização do provedor de hospedagem por conteúdos de terceiros. Tal preceito pode ser utilizado em demais ações análogas. Vejamos.

O "UOL" apresentou em juízo contrato de parceria com a empresa Clickfoo, pelo qual não lhe caberia pela avença qualquer responsabilidade pelos conteúdos inseridos pela empresa de games.

Segundo a decisão, no que cerne a gravidade do jogo "O game, embora não seja profano, não é inofensivo e causa repulsa a pessoas que não jogam, o que é suficiente para despertar interesse juridico"

E mais, no que diz respeito ao "contrato" apresentado pelo provedor "UOL", onde este se eximia de responsabilidade por conteúdos de parceiros, o Tribunal foi expresso ao consignar que tal modo "simplista" não se aplicava a terceiros lesados, vejamos em trecho do acórdão:

"A UOL (provedora) responde por ter cedido espaço, de forma onerosa, para que a CLICKFOO postasse o vídeo para deleite daqueles que se interessam por tais jogos e convém ressaltar que o que consta do contrato (isentando o provedor de responsabilidade pelo conteúdo) vale entre eles e não contra terceiros (ou a comunidade), quando afetados pelas mensagens ofensivas ou ilícitas contra religiões. O provedor de hospedagem não se exime de forma simplista ou com o argumento de que não participa do que se expõe no site cedido, porque a sua atividade exige ou reclama uma participação mais ativa em termos de controle de material exposto mediante pagamento. Aplica-se, sim, o art. 927. parágrafo único, do CC e o art. 14, da Lei 8078/1990."

Ainda, a respeito de tese defensiva muito utilizada por advogados de provedores de hospedagem e conteúdo, de que a conduta denunciada é trivial, corriqueira, espalhada, outros sites também hospedam, ou que o conteúdo está em toda a Internet, a chamada tese da "multiplicidade da oferta lesiva", o que não justificaria o foco do autor da demanda em somente um dos acusados, o Tribunal é brilhante ao concluir que tal tese não tem aplicabilidade e deve ser absolutamente afastada, pois não é porque um conteúdo ilícito está publicado em diversos sítios e locais da Internet, que o titular do direito lesado não possa exercer sua reparação em face do provedor que bem entender ou identificar, vejamos:

"A CLICKFOO é a empresa que inseriu o jogo no site e deverá responder por isso, ainda que outros links ofereçam a mesma diversão, pois o que interessa para o processo não é a multiplicidade da oferta lesiva, mas, sim, a especificidade do caso concreto"

No que pulsa ao poder do juiz para remoção de informações na Internet, que sejam desrespeitosas às religiões, bem lembra o Desembargador Enio Zuliani que a Lei 8081/1990, editada para penalizar atos discriminatórios ou preconceituosos envolvendo raça, cor, religião e etnia, prevê ao juiz a possibilidade de interditar mensagens e páginas na rede mundial de computadores, nos termos do inciso III, parágrafo 3º. do Art. 20, incluído pela Lei 12.288/2010.

O acórdão, embora não ratificando dano moral de primeira instância, mantém a condenação em "despesas" e honorários para o Universo Online, assegurando no entanto a este o direito de regresso, para exigir o reembolso da empresa Clickfoo, responsável pelo game.

Estamos vivenciando uma quebra de paradigmas e novos precedentes a respeito da responsabilidade jurídica de provedores de conteúdo e hospedagem, fruto do maior contato de magistrados com reiterados casos desta natureza. Constatamos que "nem sempre" o provedor de hospedagem será isentado por negligenciar com conteúdos que armazena, a despeito dos "contratos" celebrados com usuários e parceiros conteudistas e isto só demonstra o amadurecimento do judiciário acerca do tema. Tais provedores deverão adotar participação mais ativa em termos de controle de material exposto mediante pagamento ou sofrerão perdas financeiras com condenações. As vitimas e os consumidores só tem a ganhar.

Sobre o autor
José Antonio Milagre

Advogado, Perito em Informática, Vice-Presidente da Comissão Estadual de Informática Jurídica e Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB SP; Mestrando em Ciência da Informação pela UNESP, Professor convidado do MBA em Direito Eletrônico da Escola Paulista de Direito e Professor da Escola Superior da Advocacia - ESA SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MILAGRE, José Antonio. Novos precedentes na responsabilização jurídica de provedores de conteúdo.: O caso do game "Faith Fighter" e a comunidade muçulmana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2971, 20 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19827. Acesso em: 27 abr. 2024.

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