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Perspectivas de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Uma análise sob o viés jurisdicional

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13/09/2011 às 16:25
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3 O Controle Jurisdicional das Decisões do Conselho de Segurança

Diante da visível situação de estagnação no que tange às reformas, uma alternativa interessante para se obter algum êxito consiste na imperiosa necessidade do estabelecimento de mecanismos jurídicos de controle capazes de oferecer maior legalidade aos atos praticados no seio do Conselho de Segurança.

Tal ponto de observação deve, pois, ser mais um item de discussão no processo de mudanças, fazendo assim parte da agenda de reforma da ONU.

Essa questão ocupa o imaginário da doutrina desde os primórdios das Nações Unidas, entretanto, não há um órgão jurídico internacional com competência para desempenhar tal função.

Tendo em vista o essencial papel das Nações Unidas, e, sobretudo a função de seu Conselho de Segurança, é preciso buscar mecanismos que qualifiquem o seu funcionamento, objetivando com isto, devolver credibilidade às decisões tomadas em suas cadeiras.

Em primeiro lugar é preciso empreender pensamento no sentido de encontrar meios capazes de oferecer à comunidade internacional a certeza de que as decisões tomadas pelo Conselho têm o condão jurídico e não político por detrás de seus textos.

Nesta etapa de desenvolvimento do tema, traz-se à tona, mais uma vez, Wagner Menezes (2009, p. 212), orientando que:

Parte-se da crença da importância da ONU para a sociedade internacional e da necessidade de reforma face as transformações da sociedade internacional, mas através de um processo dialético e de amadurecimento civilizacional que permita verdadeiramente corrigir anomalias no sistema internacional que refletem um mundo pós-segunda Grande Guerra que não existe mais, [...] e que se deve assentar sobre o amadurecimento do princípio da igualdade na mais ampla expressão dimensional do termo.

Para se chegar ao patamar mencionado acima, fala-se na criação de uma espécie de gatilho automático, que forçaria o Conselho a discutir os problemas internacionais adotando sempre critérios objetivos, fugindo da alta subjetividade e seletividade que, nos dias de hoje, acompanha suas decisões, afastando-o da "hiperpolitização" aventada por Marcelo Neves, e, aproximando-o do princípio da igualdade, como defende o professor Wagner Menezes.

A esse respeito, Antônio Augusto Cançado Trindade (2003, p. 841), assinala que:

com o passar dos anos, a necessidade desse controle de legalidade tem se tornado manifesta, sobretudo à medida em que as Nações Unidas ocupam um espaço cada vez maior em um cenário internacional marcado por novos e intensos conflitos, inclusive internos. Urge estabelecer um regime jurídico de controle da legalidade dos atos dos órgãos políticos internacionais, no âmbito das reformas da Carta das Nações Unidas.

Assim, no afã de dar direção mais aprumada ao Conselho, colocando-o, de fato, a serviço das aspirações de uma comunidade internacional com fulcro na equidade, torna-se emergencial a instituição de um poder judiciário forte e autônomo no seio da Organização das Nações Unidas.

Discute-se quem deveria exercer dito controle e quais seriam seus limites, sendo que para esta pesquisa a Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, na Holanda, parece ser o organismo mais recomendado para tal mister.

Sobre a CIJ, Alberto do Amaral Júnior (2011, p. 271), leciona que:

[...] é composta por 15 magistrados, eleitos para um mandato de nove anos, com a possibilidade de reeleição por idêntico período. [...] A eleição é feita, no âmbito da ONU, pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança, sem o uso do direito de veto. Integram a CIJ, desde a sua criação, nacionais dos cinco Estados que detêm o status de membros permanentes do Conselho de Segurança. Dois nacionais de um mesmo país não podem, ao mesmo tempo, ser juízes da Corte. Buscou-se assegurar ampla representatividade, garantindo-se que os principais sistemas jurídicos estejam nela representados.

Ocorre que hoje, no entanto, a referida Corte ainda não está dotada de poderes bastantes para atuar fora do universo do reconhecimento facultativo de sua jurisdição. Por tal regra, nenhum Estado poderá ser citado por outro, perante a Corte, a menos que ambos tenham a isso se comprometido por tratado ou convenção vigente. Diz-se, neste sentido, que a jurisdição internacional, e nela inclui-se a CIJ, é, via de regra, facultativa.

Explicando tal ente em poucas palavras, a jurisdição da Corte de Haia é estabelecida pelo depósito por parte do Estado junto ao Secretário Geral da ONU de uma declaração na qual conste a aceitação incondicionada da jurisdição da CIJ, no momento em que subscrever o Estatuto da Corte, ou a qualquer tempo. É o que se chama de cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. Diz-se facultativa porque os Estados têm a faculdade de adotá-la ou não, e obrigatória porque determina a jurisdição obrigatória da Corte para os Estados que a adotarem. (SOARES, 2004, p. 175)

Observa-se, assim, que a jurisdição da Corte Internacional de Justiça não é automática, por depender sempre do anseio dos Estados litigantes. A esse respeito, destaca-se que hodiernamente, dos membros permanentes do Conselho de Segurança, apenas o Reino Unido a reconhece. Não obstante isso, a CIJ goza de grande prestígio, não apenas pelo seu posicionamento institucional dentre os cinco órgãos das Nações Unidas, mas muito pela relevância que a Carta de São Francisco atribuiu às suas decisões, razão que a insere como a principal candidata a exercer uma função reguladora do Conselho de Segurança.

Nesse sentido o artigo 94, 1, da Carta dispõe que "Cada membro das nações Unidas se compromete a conformar-se com a Decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte."

A alínea 2 do mesmo artigo prevê que:

Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.

Tecendo breve análise crítica do dispositivo em tela pode-se aferir certa dubiedade do mesmo perante o ordenamento jurídico internacional uma vez que, se por um lado, confere caráter executório aos acórdãos da Corte, conforme se depreende de sua primeira alínea; de outro, cede ao vício essencial que marca o funcionamento do Conselho de Segurança – o poder de veto -, encontrando-se, desta forma, refém da vontade dos seus membros permanentes.

Ratificando tal ineficiência do sistema jurisdicional internacional, Alberto do Amaral Júnior (2011, p. 274) afiança que "não se registrou, até o presente, nenhum caso de execução forçada de sentença da CIJ em razão do direito de veto às deliberações do Conselho de Segurança."

Ante todo o exposto, resta inequívoco o entendimento de que uma alteração na estrutura jurídica internacional, com a supressão da máxima da jurisdição facultativa, tornando-a obrigatória, seria capaz de impulsionar o processo de mudança no âmbito do Conselho de Segurança.

E, pleiteando justamente isso, Fábio Konder Comparato (2009, p. 139 e 140) empreende o seguinte raciocínio:

[...] a tarefa de democratização da ONU não se completaria [...] sem a organização de um Poder Judiciário forte e autônomo. Nesse sentido, a primeira medida a ser tomada é a abolição da cláusula de reconhecimento facultativo da jurisdição da Corte Internacional de Justiça. A nenhum membro das Nações Unidas seria, então, lícito subtrair-se à jurisdição da Corte, de modo a sobrepor o seu interesse próprio à realização da justiça no plano internacional.

A sugestão mais adequada, portanto, leva em conta uma ampliação da competência da Corte Internacional de Justiça, tornando-a, de fato, uma jurisdição obrigatória aos Estados, fator que, de imediato, a encarregaria da essencial atividade de balizamento dos atos prolatados pelos membros do Conselho de Segurança.


Conclusões

Obviamente um tema tão complexo como o que envolve a reestruturação do mais importante órgão do sistema das Nações Unidas não possui apenas um desdobramento.

O posicionamento defendido acima, longe de esgotar as discussões sobre o assunto, intenta (re)colocar em prática um princípio contido na Carta de São Francisco (artigo 2, 1), que encontra-se em desuso na órbita jurídica internacional, qual seja, a igualdade entre os Estados.

Através da jurisdição de uma Corte com poderes e regras previamente constituídas sobre a regra da equidade, os membros permanentes do Conselho de Segurança teriam que, obrigatoriamente, frear seus impulsos individuais, e já que não o fazem em prol de interesses da comunidade internacional, o teriam que fazer em estrito cumprimento às determinações da CIJ.

Sabe-se das dificuldades a serem encontradas, no entanto, tal via, a jurídica ou jurisdicional, apresenta-se como um caminho, ao menos seguro, diante da dificuldade de mudanças políticas; e, caso se almeje, verdadeiramente, modificar o quadro contemporâneo, fortalecendo a representatividade de culturas e povos "marginalizados" no processo decisório das Nações Unidas, é mais do que pertinente pensar em saídas mais ágeis e eficientes, como esta. Seria uma utopia?

Para responder a esta indagação, o estudo destaca um trecho da obra de Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 13) que, citando Sartre, afirma:

antes de ser concretizada, uma ideia tem uma estranha semelhança com a utopia. Seja como for, o importante é não reduzir o realismo ao que existe, pois, de outro modo, podemos ficar obrigados a justificar o que existe, por mais injusto ou opressivo que seja.

Feita tal reflexão, somente uma reestruturação com vistas a alterar a desigual distribuição de forças no âmbito das Nações Unidas, é uma reforma que, de fato, trará boas consequências no que tange à democratização das decisões de seu Conselho de Segurança.

Somente a partir desta alteração de rumos se poderá pensar em maior representatividade com a ampliação dos atores envolvidos no diálogo internacional, superando a crise de legitimidade que hoje acomete a ONU, fazendo com que, ao final deste processo, enfim, sejam cumpridos os propósitos precípuos esculpidos no artigo 1º da Carta de São Francisco.


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Sobre o autor
Rodrigo Cogo

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)<br>Professor dos Cursos de Graduação em Direito e Pós Graduação em Direitos Humanos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COGO, Rodrigo. Perspectivas de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.: Uma análise sob o viés jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2995, 13 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19984. Acesso em: 26 nov. 2024.

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