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Reflexões sobre o ensino jurídico no Brasil

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O modelo profissional tecnicista não pode ser abandonado, mas deve ser aprimorado, visando ampliar o senso crítico dos estudantes e formar profissionais cada vez mais empenhados em transformar o meio em que vivem.

RESUMO: O presente trabalho visa discorrer e refletir livremente acerca da formação que o curso de direito deve prover aos discentes. É preciso prepará-los para enfrentar os desafios da sociedade moderna, na qual as transformações ocorrem de forma cada vez mais veloz. O modelo profissional tecnicista, baseado na dogmática jurídica, no positivismo, não pode, absolutamente, ser abandonado, mas deve ser aprimorado, com vistas à ampliação do senso crítico dos estudantes e formação de jovens profissionais cada vez mais empenhados em interpretar a realidade em que vivem. Muitas vezes, determinada situação fática está abrigada pelos princípios gerais do direito e, assim, a despeito de lei específica merece proteção jurisdicional. Uma das grandes falhas do ensino atual ainda é a falta de interdisciplinaridade e diálogo entre professores e acadêmicos. O estudante não pode ser mero depositário do conhecimento, ao contrário, deve ser um agente atuante na construção de novas idéias em sala de aula. O direito alternativo e o pluralismo jurídico devem ser abordados pelos professores como contraponto à lei positiva pura.

Palavras – chave: ensino jurídico, desafios, sociedade, transformações, dogmática, interdisciplinaridade, diálogo, pluralismo, positivismo.


1.COMO O DIREITO É ENSINADO HOJE

O ensino jurídico apesar de ter evoluído muito nas duas últimas décadas ainda não conseguiu superar as suas maiores deficiências.

Evidência de problemas na formação integral do bacharel está no pouco expressivo número de aprovados nos exames unificados da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e, recentemente, na iniciativa da OAB de incluir no bojo da avaliação questões de cunho propedêutico.

Para os recém-formados a reprovação obsta a conquista do almejado espaço no mercado de trabalho, gerando inseguranças, falta de identificação com a profissão e exigindo que o jovem bacharel matricule-se em cursos preparatórios para suprir suas carências. Isto se deve, especialmente, à chamada crise funcional do ensino.

Uma das falhas em comento advém da maneira através da qual é transmitido o conhecimento nas Universidades brasileiras. Trata-se da crise operacional do ensino jurídico.

A aula expositiva é, em todos os cursos, a forma mais utilizada para o ensino. O professor explica a matéria selecionada aos alunos em sala de aula, como é feito há séculos.

Os estudantes estão, muitas vezes, silenciosos, todavia com o pensamento distante, absortos em seus próprios dilemas. E aqueles que, com efeito, prestam atenção absorvem a matéria como ela é ensinada, ou seja, sem qualquer intervenção, seguindo o modelo tradicional. A oportunidade do debate ainda é pouco usada, o que acarreta deficiências na formação jurídica básica.

Por oportuno traz-se a lume o pensamento do ilustre pedagogo Libâneo [01]:

A ideia mais comum que nos vem à mente quando se fala de aula é a de um professor expondo um tema perante uma classe silenciosa. É a conhecida aula expositiva, tão criticada por todos e, apesar disso, amplamente empregada nas nossas escolas.

Chegamos ao século XXI e a maneira de ensinar, nos cursos jurídicos, permanece atrelada ao passado.

Libâneo relata o papel social da educação e ressalta que seus conteúdos objetivos são determinados pelas coletividades, política e ideologia predominantes, pois "desde o início da historia da humanidade, os indivíduos e grupos travavam relações recíprocas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência" [02].

A tendência que ainda predomina é a transmissão apenas da dogmática aos alunos, os quais permanecem alienados em relação à realidade social da comunidade em que vivem.

O chamado "ensino bancário", aqui entendido, aquele pelo qual o professor tem intenção de "depositar" o conhecimento na cabeça do aluno para que, passivamente, o receba, ainda encontra muita receptividade da parte de professores e alunos.

Conforme esposado por Werneck [03], depreende-se que, talvez até inconscientemente, os professores "fazem que ensinam", ou seja, apenas apresentam os dogmas jurídicos e os alunos, por sua vez, fazem de conta que aprendem.

Isto se dá porque a nossa instrução continua fortemente atrelada ao sistema de ensino jurídico tradicional formado sob a influência do liberalismo ortodoxo e a preocupação maior está circunscrita às questões dogmáticas.

Deve-se atentar, entretanto, para as constantes tendências de transformação social. O curso de Direito deve prover ao acadêmico a aptidão de refletir acerca da conjuntura social que fez emergir a norma jurídica. É a base filosófica e sociológica sólida, atrelada à capacidade de interpretação constitucional da legislação que habilitam o jurista a evoluir a norma, melhor dizer, transpor o dogma e enxergar a razão subjacente.

Neste aspecto, acredita-se ser necessário ampliar o debate na graduação, comunga-se da afirmação de José Eduardo Faria, in verbis:

É por isso que, no sistema de ensino jurídico tradicional, formado sob influência do liberalismo ortodoxo e de concepções legalistas, como o Estado de Direito, a preocupação máxima se limita às questões dogmáticas [...] [04].

O ensino jurídico tende a repetir as regras já postas, apesar do crescente interesse dos pesquisadores do assunto para transformá-lo em resultado que privilegie as reais aspirações da sociedade brasileira, que tem em seu seio quantidade enorme de pessoas carentes de direitos fundamentais, tais como, saúde e educação.

A crise pela qual passa o Estado Brasileiro deve ser profundamente estudada pelo Direito, fato este que na grande maioria dos cursos jurídicos não ocorre.

Tal estudo denso permitiria avaliar mais acuradamente, por exemplo, a questão recorrente e polêmica do ativismo judiciário, da imisção dos Tribunais no mérito administrativo, criação e controle de Políticas Públicas; da legalização do aborto, eutanásia, dos tóxicos, entre outras.

A judicialização da política e o próprio pluralismo judicial, como se observa, são bons exemplos de discussões que demandam aprofundamento de questões propedêuticas.

É preciso que, para adentrar temas mais profundos, como os do exemplo acima, o operador jurídico possua solidez conceitual no que tange às teorias do direito, os tipos de Estado, sociologia, às constituições e à própria Democracia.

Paulo Luiz Neto Lobo, há mais de duas décadas, já discorria sobre esta questão e foi enfático ao afirmar:

No caso do curso jurídico, a dificuldade é particularmente agravada porque sua crise não pode ser isolada da crise do direito e do Estado, neste final do século XX. Há forte consenso entre todos os teóricos, especialistas e operadores do direito de que os cursos jurídicos não respondem mais às demandas da sociedade atual, ou o fazem de modo inadequado ou insuficiente [05].

O ilustre Desembargador Lédio Rosa de Andrade [06], discorrendo sobre a deficiência das Universidades e preocupado com a superficialidade dos cursos, expõe: "A questão fulcral é pedagógica ou ideológica. Nossos cursos de Direito restringem-se, com raríssimas exceções, ao ensino. Não praticam extensão e, nem mesmo, pesquisa. E aqui já ficamos para trás, pois é a pesquisa que cria o novo, qualifica a universidade e faz a sociedade evoluir. Não fosse isso, o ensino praticado seria ainda pior. Os professores, em quase sua totalidade, restringem-se a uma didática descritiva, dogmática, de análise dos textos legais e, para piorar, com base em manuais. Os manuais de Direito no Brasil, excetuando uma ou outra rara obra, são de péssima qualidade. Seus conteúdos são triviais, afastados da realidade e escritos de uma maneira que parecem considerar os alunos incapacitados mentalmente. Como a demanda do corpo discente na atualidade é direcionada aos concursos públicos, e estes cobram, nas provas, conteúdos da mesma espécie e centrados na memorização, o resultado é uma espécie de acordo pela mediocridade".

A conclusão de Rodrigues [07], sobre o ensino jurídico, é que sempre esteve a serviço de uma classe dominante e o direito que é ensinado em sala de aula tende a manter o paradigma de subserviência ou dominação.

A palavra dominação apresenta-se, aqui, no sentido de imposição de normas jurídicas que não representam a vontade do povo, mas sim a vontade dos detentores do poder a favor de um sistema de economia de mercado que privilegia os interesses de uma classe mais favorecida do ponto de vista econômico.

No mesmo sentir, Stein [08] – refletindo acerca da educação em geral –acredita que a escola reproduz a injustiça social. Muitas vezes a sociedade crê que o ambiente de aprendizado é capaz de corrigir diferenças, entretanto, no mundo ocidental, acaba espelhando-as. A nova ordem é buscar alternativas múltiplas.

As dificuldades que encontramos para o Ensino Jurídico nunca podem ser discutidas ou pensadas sem uma reflexão acerca dos problemas que afligem a sociedade. E isto ocorre em qualquer contexto, por isso não se pode estudar a questão estritamente do ponto de vista pedagógico.

A análise deve contemplar outros ramos de conhecimento e entender a própria sociedade para que seja possível perceber a complexidade do pensamento contemporâneo.


1. A INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO JURÍDICO

A Interdisciplinaridade é já, por vezes, debatida no universo jurídico, no momento, no entanto, sua abordagem, paulatinamente, ganha mais espaço no meio acadêmico. No tocante ao ensino jurídico há muitas críticas em relação ao pouco uso que é feito deste processo de interação entre as diversas temáticas do curso.

Dentro dos estudos de Direito, a Interdisciplinaridade deveria ser abordada integralmente, desde a filosofia do direito ao estudo do conteúdo dos princípios e das regras de normatização interna e internacionais.

É importante abordar, dentre outras matérias, a questão do meio ambiente, porque acarreta mudanças globais em sistemas socioambientais muito diferentes que afetam a condição de sustentabilidade de todo o planeta Terra. A tentativa de solução para estes problemas ambientais está estritamente vinculada ao conhecimento das relações da sociedade com a natureza.

Por este viés, constata-se, mais uma vez, que a complexidade das relações humanas e das consequentes transformações sociais exige profundidade dos novos operadores do direito.

Assim, a crise ambiental traz a necessidade de um estudo complexo de bases ecológicas e de normas jurídicas e sociais para que se possa fazer uso democrático dos recursos naturais.

A biologia é matéria que aparece em quase todos os campos de conhecimento, com uma enorme abrangência, e, sobretudo na sociedade de risco, tem reflexos estendidos ao Direito.

A engenharia genética, bioética e os novos rumos da medicina são capazes de trazer enormes discussões no campo do ensino jurídico. Por oportuno, impende ressaltar que a questão da investigação de paternidade foi resolvida pelo DNA.

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Segundo Enrique Leff [09] este é um dos poucos exemplos de interdisciplinaridade teórica, que é:

entendida como a construção de um ‘novo objeto científico’ a partir da colaboração de diversas disciplinas e não apenas como o tratamento comum de uma temática - é um processo que se consumou em poucas casos da história das ciências.

Leff leciona, ademais, que "[...] a partir da construção de um modelo de cristal de DNA foi possível ‘a conjunção progressiva e coordenada dos resultados de várias disciplinas biológicas com os da genética formal’".

Nesse tocante, importante ressaltar o estudo da eletrônica, informática e mecatrônica, que com os computadores, robótica e a rede de Internet, implementaram muitos avanços em todos os níveis de produção. Hoje, é quase impossível prever a possibilidade de estudo científico sem o uso dos computadores.

No entanto, da modernização tecnológica decorrem os supostos problemas na diminuição da necessidade de mão-de-obra operária para o trabalho. Este assunto preocupa a sociedade na medida em que o nível de desemprego cresce. A modernização afeta a todos e, portanto, é pertinente à seara jurídica, principalmente pelas implicações que dela decorrem, mormente, no direito trabalhista.

É importante enfatizar que a legislação não tem evoluído na mesma velocidade das mudanças tecnológicas. E às vezes, em virtude da morosidade dos trâmites, ao ser aprovado um novo projeto, suas determinações advém em dissonância com as mais recentes inovações.

Desta forma, temos que, em decorrência da globalização dos conhecimentos, enfrentamos uma revolução intelectual de incomum abrangência trazendo, à área jurídica, reflexos ilimitados.

No entanto os estudos jurídicos têm alto grau de conservadorismo e oferecem resistência às matérias preliminares, propedêuticas, principalmente à sociologia jurídica, à antropologia jurídica, à semiótica ou informática jurídicas. Isso por terem, sobretudo, acentuada função crítica.

Desta forma, o tema "interdisciplinaridade", deve ser melhor explorado, na maioria dos cursos jurídicos do país, pois constitui-se em"verdadeira tábua de salvação a fim de que se atinja uma formação jurídica para os novos tempos". [10]

O uso do conhecimento interdisciplinar proporcionará aos estudantes a oportunidade acrescentar ou alargar a compreensão do estudo do direito, permitindo que discutam com propriedade questões atreladas à mutação das relações sociais.

A interação contínua desta relação trará para todos os operadores do direito um avanço espetacular. Será um estímulo adicional na perspectiva de criação de uma nova sociedade, a qual conhecerá a fundo sua história e criará cidadãos conscientes de sua função e responsabilidade na comunidade.

Joaquim Parron Maria [11], com relação ao tema da inclusão de interdisciplinaridade no ensino superior, preleciona que a interdisciplinaridade

vai primar por uma contextualização do que é ensinado e pesquisado, na qual irá acontecer uma relação dialética entre as ‘partes’ e o ‘todo’. A sincronia destas duas dimensões leva a formar profissionais que terão os ‘pés-no-chão’, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e conseqüentemente para o progresso humano.

Com certeza o estudo interdisciplinar do direito com a história, a filosofia, ou matérias como a sociologia e matemática, além de tantas outras disciplinas, contribui fortemente para a formação de um profissional mais competente e comprometido com a realidade social.

É preciso visualizar os vícios do positivismo, estar ciente de que a dogmática é fundamental, conquanto dependa da compreensão mais ampla dos conceitos subjacentes à letra das leis. O jurista não deve ser formado para reproduzir a estrutura autoritária da regra, mas para refletir e discernir acerca de sua validade e aplicabilidade.

Impende consignar que se considera positivismo o conjunto de regras que o Estado sistematiza, codifica, reduzindo o Direito à lei pura e seca [12].

O conhecimento dogmático não pode estar divorciado da realidade, pois efetivamente o que se tem não é um direito positivo apto a responder todas as necessidades emergentes no convívio humano; conquanto a sociedade – mutante e plural –, de per si, forceja por empecer regramentos obsoletos e incongruentes, de sorte que plausível seria admitir que a norma, antes de ser coação, deve suprir demandas latentes de regulação social.

Na era do conhecimento, o profissional deve perceber que a dogmática destituída de base concreta e alheia à necessidade humana premente que, regra geral, antecede o desenho da norma, não deve ser aplicada ao quotidiano das pessoas.

À guisa de ilustração, vale lembrar que dada a prática rotineira, o conceito de união estável adaptou-se para contemplar também as uniões homoafetivas – agora com referendo da Suprema Corte Constitucional do país.

Logo, o jurista deve ter preparo para enfrentar as alterações da ordem simbólica da prática do direito, isto é, detectar o reflexo da realidade na compreensão dos conceitos.


2.A CRISE DO ENSINO JURÍDICO E O PAPEL DO EDUCADOR

Ao tratarmos da Crise do Ensino jurídico e o papel do educador, invocamos Paulo Freire [13], para quem as aulas expositivas reduzem o ensino a algo insubsistente, muito distante das aspirações da sociedade.

Daí decorre que normas jurídicas injustas – ou mesmo aquelas regras que se apresentam em desrespeito à Constituição, e contrárias aos interesses da população – em sua maioria, são reproduzidas em salas de aulas como sendo expressão máxima da verdade.

Isto porque, tais regras não são questionadas, são apenas transmitidas aos alunos tais quais foram criadas e, muitas vezes, apresentam incorreção técnica quando confrontadas com o "mundo real".

Os dogmas legais, repetidas vezes, não têm legitimidade e eficácia sociais e tem por base conceitos ultrapassados. A ciência jurídica está, nesta linha de entendimento, portanto, muito atrasada em relação ao avanço da sociedade.

Paulo Roney Ávila Fagúndez [14] assinala que: "a crise do ensino jurídico não é só dele. O modelo de ensino jurídico traz a mesma visão fragmentada que afeta as demais áreas do conhecimento".

E prossegue o autor consignando que:

O papel da educação é promover uma mudança no sujeito. E a educação é um processo vital permanente que envolve tudo e todos. Não se pode confundir educação com ensino, porque este visa apenas à transmissão de conhecimentos.

O educador é muito mais do que aquele que visa a apenas passar o seu conhecimento, pois abraça a missão de preparar o futuro operador do direito para lidar com os reais problemas que afligem a nossa sociedade.

É imperioso que seja dado início à revolução, à troca de paradigma. O educador possui a eminente tarefa de preparar cidadãos cônscios de seus direitos e deveres. O cidadão, aqui compreendido, pessoa que tem consciência de seu papel na sociedade e que goza dos direitos civis e políticos de um Estado livre e democrático.

Ainda, conforme lição de Paulo Roney Ávila Fagúndez:

Não se pode focalizar o ensino jurídico sem enquadrá-lo na crise geral que afeta a sociedade. Está-se referindo, evidentemente, à crise sócio-política-econômica que atinge todos os homens e todos os países do mundo. Com o fim da guerra fria, a globalização passou a ser o tema central da discussão a respeito do futuro da humanidade [15].

A visão alargada de Fagúndez com relação à crise do ensino jurídico traz uma associação aos graves problemas que afetam a sociedade como um todo. Adentra o autor na crise sócio–política-econômica que se estende, inclusive, para fora do país, isto é, com os relacionamentos internacionais, haja vista a globalização.

Por certo o professor dos cursos de direito tem que ser um cidadão preparado, ou seja, conhecer profundamente do assunto que irá transmitir aos seus alunos. Entretanto, mais do que isto, deve ser um cidadão atento às transformações do meio em que vive, conectado com as atualidades, com as demais disciplinas. Deve valorar conceitos multidisciplinares e saber relacioná-los à própria área de atuação.

Assim, não deverá ter uma visão estanque da sua disciplina e muito menos restringir-se a transmissão de artigos de leis em uma sala de aula.

A partir da premissa de que o professor tem a missão de ser um educador, é preciso refletir sobre os problemas que afetam a sociedade e ter em meta uma possível solução. Educador é o profissional que abre caminhos, não é apenas palestrante.

É preciso analisar como organizar o conhecimento, em quais observações se balizar e a maneira como transmitir este conhecimentos aos alunos para que se possa atender aos reais anseios da sociedade.

O educador não impõe, mas direciona, no sentido de fazer o indivíduo refletir em busca das mais variadas soluções para os percalços encontrados por todos aqueles que pretendem operacionalizar o direito.

Horácio Wanderlei Rodrigues, na obra Ensino Jurídico e Direito Alternativo [16], expõe a sua visão em relação ao ato pedagógico na atualidade, invocando Bordieu e Passeron: "todo ato pedagógico é um ato de violência simbólica, no sentido de que é sempre a imposição arbitrária de um determinado arbitrário cultural".

Para o ilustre professor a falta de preocupação com o que passamos aos nossos alunos, com a dialética, com a troca de informações é um ato de violência. Está se impondo que o direito é assim e pronto!

A angústia do autor é por uma "revolução" no paradigma do direito pregado ao longo da história e, é claro, com conseqüências no ensino jurídico. No seu entendimento, o direito precisa ser posto a serviço da democracia e da sociedade. Faz uma crítica ao positivismo ao enfatizar que as nossas normas não possuem bases empíricas efetivas. Observa que clamor da sociedade não está sendo levado em conta.

O educador interessado em realizar mudanças efetivas , que voltem a atenção do direito para a consecução da justiça precisa refletir sobre estes pontos.

A forma pela qual conhecemos o direito, a maneira como este conteúdo chega aos estudantes e operadores em geral vai construir o direito vigente na sociedade. Assim para que sejam efetivadas as mudanças é indispensável o domínio de matérias que façam o indivíduo entender a sociedade em que vive. E que a comunidade busque a justiça social.

Em relação ao método de ensino jurídico, o professor Rodrigues o divide em três etapas:

O ensino jurídico se dá em três etapas concomitantes, ou seja, não estanques:

a) o método de abordagem do fenômeno jurídico: a forma pela qual se apreende o Direito;

b) o objeto que é transmitido: o direito que é apreendido pelo método; e

c) a metodologia didático-pedagógica através da qual se transmite para os alunos o objeto construído: a forma de transmissão do conhecimento produzido [17].

O conhecimento do direito depende da forma como o aprendemos, ou seja, a maneira pela qual conhecemos integralmente as normas, sua construção paradigmática, a prescrição de seu conteúdo ensinada por gerações.

Ainda,conforme lição do ilustre professor:

O ponto fundamental desta trilogia é o método cognoscente.

O conhecimento do objeto, a sua construção, a prescrição do seu conteúdo, dependem diretamente da forma de apreendê-lo. E para efetivar mudanças reais neste nível, não bastam reformas. É necessária uma revolução: a troca do paradigma dominante na ciência do Direito. É preciso utilizar instrumentos metódicos capazes de elaborar um novo objeto para a ciência e o ensino jurídicos, voltando-os para a realidade vigente [18].

O cerne desta questão está no método cognoscente, ou seja, conhecer o objeto, a construção deste e a forma de prescrever o seu conteúdo. E o que é o objeto do nosso direito?!

O direito, ensina Rodrigues, precisa ser posto a serviço da democracia e da sociedade e que para que isto possa acontecer é necessário negar os paradigmas dominantes e adotar instrumentos novos voltados para a realidade vigente: "Uma das críticas históricas aos cursos jurídicos no Brasil tem se centrado na sua desvinculação da realidade social" [19].

Ao reproduzirmos a ideologia dominante e o dogmatismo reinante, conformando-nos com a realidade social vigente, certamente não vamos ter avanços. Não vamos dar lugar à reflexão e à crítica, objetivo maior de todos aqueles que querem um novo horizonte para o ensino jurídico.

E para que este objetivo possa ser implementado no ensino do direito, todo o objeto do estudo terá que ser repensado e redescoberto, a partir de uma crítica epistemológica das teorias dominantes. O tema ensino jurídico no Brasil está em processo de amadurecimento.

A crise do ensino no direito é decorrente, em parte, do problema geral do ensino – não há interação e discussão, mas mera transmissão de conhecimentos construídos no decurso dos anos. O novo conhecimento não é mais, em regra, criado na sala de aula. Nesse sentir, Rodrigues já em 1995 afirmou:

Quem percorre os programas de ensino de nossas escolas, e, sobretudo, quem houve as aulas que nelas se profere, sob a forma elegante e indiferente da velha aula-douta Coimbrã, vê que o objetivo atual do ensino jurídico é proporcionar aos estudantes, o conhecimento descritivo e sistemático das instituições e normas jurídicas [20].

O bacharelismo, tradicionalmente conceituado como situação caracterizada pela prevalência de bacharéis na vida política e cultural da nação, é espécie de fenômeno social que remonta ao colonialismo português, haja vista a participação expressiva de bacharéis em Direito nos Conselhos da Coroa desde os primeiros passos da estruturação de Portugal.

Um dado curioso é que, enquanto os colonizadores espanhóis difundiam o estudo superior, a colonização portuguesa restringiu a educação colonial ao nível mais básico, ou seja, ler e escrever. Rodrigues [21] esclarece que "em 1822, quando da independência brasileira, existiam 26 Universidades na América espanhola, enquanto que em nosso território não havia nenhum estabelecimento de ensino superior".

Disso deduz-se um dos motivos pelos quais em 1822, mesmo após a independência, o Brasil não possuía sistemas jurídicos genuinamente nacionais, regendo-se por esparsas instruções reais lusitanas. Em 11 de agosto de 1827, apenas, uma lei imperial cria os dois primeiros cursos de Direito do país – um em São Paulo, no convento de São Francisco, outro em Olinda, no mosteiro de São Bento.

Com a criação destes cursos, o que se pretendia era a formação de pessoal qualificado para inserção nos cargos da Administração Pública e manutenção da burocracia da época pós-independência. A graduação representava um ideal de vida que lhes garantia segurança e ascensão profissional. Na sociedade escravocrata da época, o trabalho manual era desprezado. O bacharelismo garantia o modelo político e econômico do período.

Pela leitura da recente obra "Ensino do Direito no Brasil" [22], que cuida, dentre outras coisas, das diretrizes curriculares, observamos reformas curriculares dos cursos jurídicos brasileiros já em 1827 e sucessivas desde então.

O ensino jurídico deve estar voltado para a sociedade que clama por seus direitos. É de observar-se que no nosso Estado de Santa Catarina, o Tribunal de Justiça (TJSC) tem como meta buscar a aproximação da justiça ao cidadão, objetivo este que se materializa em diversos mutirões de conciliação e sentença realizados.

Ressalte-se que o TJSC [23] apresenta, expressamente, nesse item de sua política, o incentivo aos meios alternativos de solução não adversarial de conflitos. E, para tanto, institui alguns dias do ano para a tentativa de conciliação entre as partes.

Com toda a certeza isto terá que se refletir na forma de ensinar o direito aos estudantes, isto é, a forma de operacionalizar uma composição de conflitos visando a sua aplicação na sociedade.

Uma das fases do procedimento conciliatório do TJSC é a seleção de processos. Etapa em que a unidade jurisdicional define o perfil das lides que serão levadas ao Mutirão da Conciliação. Em seguida são separados os que apresentam condição de composição, só então são iniciados os procedimentos necessários.

O ensino jurídico deve proporcionar ao estudante a oportunidade de "oxigenar" suas idéias, ou seja, ter uma visão crítica do direito e através destas reflexões, deste aprendizado, contribuir, efetivamente, na construção de uma sociedade mais justa e humana.

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Sobre as autoras
Denise Teresinha Almeida Marcon

Advogada e Diretora de Empresa, Pós-graduada em Advocacia e Dogmática Jurídica pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL; Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Bacharel também em Letras Inglês-Português pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; Ex-Professora do curso de Direito da UNISUL na Disciplina de Processo Civil I - Conhecimento; Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC; Participou da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SC

Gabriela Almeida Marcon

Advogada, Pós-graduanda em Jurisdição Federal pela Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina – ESMAFESC; Bacharel também em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC; Membro da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da OAB/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCON, Denise Teresinha Almeida ; MARCON, Gabriela Almeida. Reflexões sobre o ensino jurídico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3027, 15 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20258. Acesso em: 5 dez. 2024.

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