IV – Dos Deveres Constitucionais
O adimplemento dos deveres constitucionais têm o conteúdo não pura e simplesmente jurídico, mas também sócio-político, sendo a essência da convivencialidade e gregariedade humanas [46] em determinado espaço e tempo histórico-cultural, visando à formação consciencial de uma res publica, isto é, consciência do homem inserido em uma Sociedade que não somente tem que participar para a evolução conjunta, como também para sobrevivência do todo em face de fatores de insegurança [47].
O humano, em quaquer forma de vínculo gregário ou de sua natureza (social, econômica, institucional, política etc), tem a imperatividade de solidariedade para com o todo, formativo de uma união de fins a efetivar, superando-se gradativamente os três fatores atuais de preocupação mundial do poder político [48]: a violência, a pobreza e a ignorância, que se contrapõem com a paz, o bem-estar e a educação, logo objetivos/valores supremos consignáveis nos Deveres Constitucionais do cidadão, no sentido de solidariedade, fraternidade e efetividade, respectivamente. Logo para que as normas constitucionais se realizem na ordenatividade das condutas humanas, é preciso que o cidadão também aja no sentido concretizador das normas constitucionais a ele imputáveis para concretização dos valores supremos presentes na ordem jurídica nacional.
A concretude dos valores constitucionais não está presente somente na Constituição Federal, mas também nas esferas juspolíticas federadas, projetando a interconstitucionalidade/interparadigmaticidade [49].
No mesmo espaço juspolítico da República convivem todas as Constituições dos entes federados em um sistema interrelacional de Poder e autodescritivista identificador sócio-cultural de cada ente federado [50], discriminando as esferas de Poder no Estado Nacional, que nada mais é que a projeção objetiva do Artº. 18 da Constituição Republicana de 1.988, logo há uma necessária interação harmônica e estável do exercício do Poder na Federação, demonstrando-se que a referida norma jurídica constitucional contida no Art. 18º é uma norma de uma Federação [51].
Neste sentido, há de se respeitar o mínimo de exigibilidade do federalismo no aspecto de interrelacionamento entre as Constituições e os níveis de exercício do Poder dentro de uma Federal, tal como é a brasileira, projetando-se nos Deveres Constitucionais do Cidadão espargidos em toda a ordem jurídica nacional, puntualizada essencialmente nas normas fundamentais dos entes federados.
A situação de interconstitucionalidade também projeta objetivamente padrões de interparadigmaticidade normativa para todas as ordens jurídicas vigentes na República, ou seja, a sintonia convivencial juspolítica de referibilidade axiológica para a realização/efetivação da supremacia constitucional [52]- [53] logo os paradigmas normativos de todas as Constituições têm que estar harmônicos, não somente no aspecto formalístico, mas, principalmente, no aspecto da materialidade constitucional [54].
A supremacia constitucional provém da obrigatoriedade de cumprimento da Constituição como norma jurídica e ser suprema em seu espírito transcendente do humano. A Constituição é suprema como norma [55] e sublime como espírito transcedente do humano e formativo da identidade institucional.
Em assim sendo, a conduta do cidadão e das organizações institucionais se projetam objetiva e vinculativamente à interconstitucionalidade material, uma vez que há solidariedade institucional entre os cidadãos integrantes das organizações, possuindo a exigibilidade jurídica e não somente política, social, ética ou de outra natureza, sendo fato gerador da desestabilização da rede de interconstitucionalidade [56] que se formou com o Poder Constituinte Originário (o povo que tem consciência que é uma Nação e se dá uma Constituição – CARL SCHIMITT), logo os Deveres Constitucionais possuem exigibilidade constitucional de todos os integrantes da República, decorrentes da Supremacia e Unidade constitucionais [57], que é a situação juspolítica institucional de polaridade e implicabilidade de condutas (pólos de interesses com atributos próprios e vínculo juspolítico institucional de exigibilidade de condutas).
A teleologia constituinte foi fragmentar o Poder Nacional em esferas juspolíticas de sobreposição em determinado tempo e espaço sócio-políticos de um mesmo território, sob os limites que a própria Constituição Republicana assim permite e ordena aos Poderes Constituintes derivados e ao Parlamento Nacional, logo há de existir um mínimo de respeito àquela vontade convivencial projetada pelo Constituinte [58], inexistindo legitimidade juspolítica e ética à tentativa de desvirtuamento, via mutação constitucional, da organicidade da interconstitucionalidade e interparadigmaticidade dos Poderes Constituintes federados, a ser realizado por hermenêutica constitucional criativa de escusa de cumprimento dos deveres constitucionais pelo cidadão, sem que se avance além do limite crítico de exercício do Poder [59], cujo efeito primário é a imposição a qualquer cidadão de condutas congregantes em uma Sociedade que se diz pluralista.
A hermenêutica constitucional e a efetivação da Constituição material não podem ser fatos geradores de inconstitucionalidade de uma norma constitucional; não pode aquela ser instrumento de re-institucionalização puntual de atribuições dos cidadãos sem um mínimo de violação à segurança jurídica constitucional e estatal que se exige na concreção da Democracia pluralista. A hermenêutica não pode ser instrumental de Poder co-constituinte institucional sob o fundamento de realizabilidade de Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão, criando-se ou expandindo Direitos Fundamentais sem um mínimo de consonância com a integridade e supremacia constitucionais.
Os deveres constitucionais do cidadão nada mais são que a positivação da Eticidade no plano constitucional, densificando a consciencialidade convivencial de uma República, sendo uma herança normativa forjada em inúmeros ambientes culturais, logo a absorção da essência do instituto para a Constituição Republicana, por si só, não se forja uma distrofia metodológica hermenêutica.
Em síntese parcial: é ordem constitucional, como decorrente da supremacia constitucional todos os integrantes sociais agirem, quer organizados juspoliticamente institucionalizados ou não, de forma não se gerar uma distrofia na estatalidade da prestação de serviço público, ou seja, os polos organizados sociais têm suas missões institucionais a cumprir perante o Estado, no sentido de entreface [60] entre a Sociedade e o Estado, e os seus integrantes, logo também são agentes de imputabilidade de condutas do microuniverso de seus integrantes e do macrouniverso abstrato institucional, no qual as organizações se encontram, como seu espaço político de convivência imanente e interação abstrata necessária, que é a sua existencialidade projetiva da sociabilidade funcional entre si e o Estado.
As organizações institucionais estão num plano juspolítico-institucional diverso dos seus integrantes, agindo aquelas sob o fundamento da abstrativização e transcendência subjetiva, de forma conglobante objetiva como unidade institucional sistêmica e orgânica, fazendo-se presente os seus integrantes [61]- [62].
Em decorrência da atividade orgânica imanente das organizações institucionais, há a implicação da nomogenética de direitos, deveres, obrigações e também de responsabilização perante o Estado, Sociedade e Instituições da República, pois a própria existencialidade de quaisquer integrantes sob a égide de uma Constituição já cria por si só a responsabilização, que é a potencialidade e a efetividade de cada um assumir suas próprias condutas sendo que, no presente contexto, as organizações institucionais devem responder perante a República e o Estado por conduta própria, qualificada por abusiva, excessiva, demonstrando a existência da responsabilização própria.
Nasce o espaço vital da responsabilização das organizações institucionais, sendo este espaço definido e limitado pela supremacia constitucional na realizabilidade dos deveres constitucionais de todos entre si, em uma situação de bipolaridade implicativa de condutas no meio social, formativa da estabilidade institucional na República, logo há um limite de exercício de atividades orgânicas das organizações institucionais na efetividade de suas ações.
Na nomogênese desta responsabilização há de ser feita a análise dentro da mutação constitucional, em perspectiva e com substrato da evolução histórico-cultural das Instituições da República em uma perspectiva de estreitamento do leito racional-evolutivo de atributividade de direitos, bônus, ônus e responsabilidades perante si e demais integrantes do Estado.
É uma singela questão de situar juspolítica e institucionalmente a microdimensão da atividade institucionalizadora da responsabilização dos imputáveis no tempo (mutação constitucional), espaço (território estatal) e racionalidade humana na História em um processo dinâmico-dialético de absorsão gradual de responsabilidades, desde a intra-associativa à institucional, ocorrendo uma agregação lenta, em que uma perspectiva não inibe a existência de outra, já existindo uma convivência e sustentabilidade pacífica entre as atividades e responsabilidades dos imputáveis, logo demonstra-se a evolução nitidamente objetiva da existência da responsabilidade dos imputáveis.
Demonstra-se que: essência não se confunde com a existência, isto é, a essência é a imputabilidade às organizações de natureza juspolítica na vertente institucionalista de Maurice Hauriou e Carl Schmitt e a existência é a imputabilidade em sua projeção na realidade fenomênica e dimensível amoldada nos parâmetros da supremacia constitucional e do Princípio da Maximização de efetividade das normas constitucionais e da Justiça (ethos constitucional [63]), logo a responsabilidade dos organizações existe, mas não se confunde com a conduta dos seus integrantes, que lhes é própria e àquelas surge o direito subjetivo do Estado em ressarcimento da conduta excessiva.
A atividade institucional é uma relação bipolar de implicabilidade política entre Estado e Sociedade, nascendo da convivência institucional para o primeiro a preponderância da subordinação decorrente da legitimidade institucional imanente do Estado de fazer cumprir a Ordem Jurídica estatal – Estado Constitucional como protótipo do Estado de Direito (ADOLF MERKL [64]) – e, em segundo plano, de coordenação como receptáculo das vontades já racionalizadas pela Sociedade. Já para com esta inverte-se, pois a atividade institucional para com a Sociedade é, primariamente, de coordenação e racionalização de interesses dos representados e subordinação à decisão em decorrência do processo de legitimação, da transferência racional do Poder às Instituições.
Esta situação adquire dinamicidade e dialeticidade, ora conjuntiva ora disjuntiva em face de ambos – Sociedade e Estado – , num ambiente cíclico e contra-cíclico.
A legitimidade juspolítica fundante dos Deveres Constitucionais (=dever político de obediência [65]) no país decorre da forma de governo adotada - a República e ao Estado Democrático de Direito.
A República pode ter a acepção de dominus populi, de espaço público de coexistência política, convívio humano tendencialmente agregativo e formativo de unidade sócio-cultural [66], de espaço vital na ótica geopolítica, entendido aquele espaço não somente no sentido material, físico, dimensível, e sim como situação geográfica de natureza cultural (sócio-juspolítico), no sentido de espaço vital do Estado instituído para o exercício de seu poder nacional [67]- [68].
Está claro que não há qualquer situação de irresponsabilidade juspolítica-institucional na República brasileira, sendo este o ponto em que se afirma que o excesso de atividade das instituições, na qualidade de centro institucional decisório, tem que ser responsabilizado, não podendo existir ato jurisdicional ou político de imunização de imputabilidade e responsabilidade.
As organizações institucionais não são unidades sociais que subsistem por si próprias como se fossem microuniversos quintessenciados da racionalidade humana, como puro pensado, desprovidos de responsabilidade jurídica em todos seus métodos de ação, mas realidades histórico-culturais na concretude existencial sócio-política, submetidas à dinâmica tempo-espaço.
Em síntese parcial, os deveres constitucionais do cidadão são a concretude do Princípio da Autoproteção cidadã [69], tão exigíveis quanto seus Direitos Fundamentais, uma vez que decorrem da própria supremacia constitucional (interconstitucionalidade e rede de interparadigmaticidade) e de sua força vinculativa a todos que estão sob sua égide, projetando o Princípio da máxima eficácia das normas constitucionais, inexistindo na República qualquer situação de irresponsabilidade juspolítica-institucional por atos próprios em face do todo, logo pensar em contrário viola direta e imediatamente a supremacia e essência do sistema político constitucional ao imunizar as instituições políticas de responsabilização dos danos materiais e morais causados ao Estado e à Sociedade.
Há a legitimidade fundante no Estado Democrático de Direito, expressando o dever político de obediência da Ordem, como expressão concreta sócio-política [70] (NIKLAS LUHMANN e CARL SCHMITT – unidade e coesão social sistêmica luhmanniana e a unidade política do povo).
Há, portanto, uma imperatividade de obediência política de todos os entes que estão sob a Normatividade constitucional num determinado espaço político-social de cumpri-la, logo decorre do próprio ethos constitucional e do Direito vigente em um Estado, cumprir aquilo que a Ordem Jurídica determina [71].