O que o Ministério Público do Trabalho pode fazer contra o desemprego?
A resposta apriorística é nada!
Essa afirmação provocativa visa, apenas, a estimular a reflexão.
É preciso ter uma visão macro do desemprego, que é um fenômeno que não diz respeito ao Direito do Trabalho tradicional, mas sim às diretrizes políticas e econômicas das entidades privadas e governamentais.
Quando se afirma que o Ministério Público do Trabalho, a priori, não pode fazer nada contra o desemprego, em verdade, está-se apenas afirmando que se tudo ficar do jeito que está (ou mesmo piorar!), não será uma derrota exclusiva do M.P.T. ou de outro segmento de operadores do Direito, mas sim de toda a sociedade e de cada cidadão.
Todavia, sem querer parecer contraditório (até mesmo porque afirmei inicialmente que a primeira resposta era apriorística), afirmo, peremptoriamente, que o Ministério Público do Trabalho tem, sim, dentre suas funções, o combate efetivo ao desemprego.
Isto porque basta olhar o art. 127 da Constituição Federal de 1988, no que diz respeito às atribuições do MP ("O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis") para ver a relevância da atuação do Ministério Público do Trabalho, como ramo especializado.
Quanto ao desemprego, somente a previsão de que é princípio constitucional da ordem econômica a busca da concretização do pleno emprego já nos autoriza refletir sobre a possibilidade da atuação do ministério público do trabalho nesta seara(1).
Vale aqui fazer um parêntese: não é somente porque está previsto na C.F./88 (no "livrinho", como diria o saudoso Ulysses Guimarães) que a previsão é concreta a ou se efetiva. Se a constituição federal proclamar: "é proibido morrer" ou, no didático exemplo alemão, "todo homem tem o direito de ser feliz", isto não quer dizer que o comando seja cumprido. Se assim fosse, preferiria, homenageando Thiago de Mello, "que o homem respeite o outro homem como um menino respeita o outro menino, que o homem ame outro homem, como o menino ama um outro menino".
Contudo, o fato de ter sido alçado à parâmetro constitucional, como vontade soberana e imutável do povo, da sociedade e da ordem jurídica nos confere um postulado ideológico que deve ser levantado como a bandeira de atuação.
E está na sagradas escrituras, em João 11, 40: "respondeu-lhe Jesus: não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus".
É preciso incorporar a luta pelo pleno emprego não somente ao discurso, mas também na conduta e na atuação diuturna.
Se a regra constitucional não é efetiva, creiamos que, através da atuação do direito "lato sensu", podemos fazer a nossa parte para a realização deste sonho. Crer é essencial, sonhar é mais importante que respirar, navegar é preciso, viver não é preciso...
É talvez um sonho pueril imaginar uma sociedade justa. É, por certo, uma tolice acreditar que todo crime - todo ilícito - será punido. É, todavia, um desastre social ter certeza e consciência da impunidade.
E é justamente no combate à esta "impunidade", no sentido mais amplo da palavra, que penso na atuação do Ministério Público do Trabalho.
Ingressando, portanto, na dogmática, não há limites para a criatividade humana na possibilidade de atuação do M.P.T. no combate "micro" ao desemprego.
Combate ao desemprego em uma visão "micro" significa, em síntese, fazermos a nossa parte, tais quais andorinhas que, com seus bicos, jogam gotinhas d´água no incêndio da floresta.
Sejamos, não andorinhas, mais um exército de albatrozes, que podem carregar muito mais água, mesmo com a convicção pragmática e realista de que todo esforço é pouco.
Alguns exemplos podem ser dados dentro desta proposta de atuação do Ministério Público do Trabalho:
a) medidas que visem à resguardar o acesso de deficientes a postos de trabalho: há respaldo normativo para que indivíduos portadores de deficiência possam, em iguais condições, em concursos públicos. Há notícias de ações, através do parqüet, impugnando editais de concurso que não ressalvam as cotas para deficientes;
b) a ação civil pública pode ser usada também, na defesa de um direito difuso, para obrigar a realização de concursos, o que evitaria a incidência do precedente 85 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. Em verdade, a contratação no serviço público tem sido, muitas vezes, um caso típico de "falta de vergonha institucionalizada ", pois mesmo realizando concursos, contrata-se do mesmo jeito e, tempos depois, quando assume um novo administrador, declara extintos os contratos porque nulos, na forma da Constituição Federal, mas contratando novos apadrinhados. No dizer de Boris Casoy, isto é uma vergonha!
c) diligências para limitar a prestação de horas extraordinárias com habitualidade (e trabalho extraordinário com habitualidade parece, indubitavelmente, uma contradição em termos, apesar de sabemos que, na prática, isto é mais comum do que possa pensar vossa vã filosofia), incentivando contratações;
d) a própria disciplina da terceirização, embora já aceita na forma do Enunciado 331 do colendo Tribunal Superior do Trabalho, deve ser analisada em cada caso concreto, uma vez que já se fala, sem qualquer pudor, em "quarteirização" ou mesmo "quinteirização";
e) as diligências, com o combate diuturno, notadamente na Procuradoria Regional do Trabalho de Campinas (a quem rendemos nossas homenagens) às cooperativas fraudulentas é outro exemplo em que a atuação para a preservação da ordem jurídica também propicia a luta contra o desemprego;
f) por fim, a atuação do ministério público como mediador, ou mesmo ajuizando ações civis públicas, e evitando o inadimplemento contumaz dos direitos trabalhistas valoriza a relação empregatícia.
Todas estas questões clamam a atuação do M.P.T. que, em verdade, vai trabalhar muito mais com aspectos políticos de negociação do que em uma atuação meramente aplicadora do Direito.
Sim, porque somente sendo muito ingênuo para acreditar que o processo judicial, este instrumento limitado e formalista, pode ser o meio adequado para a solução de todos os males do desemprego, como se fosse uma "panacéia" surreal.
Nossa luta é pelo direito e com direito, e pela justiça e com a justiça, mas não com o processo e pelo processo.
Envolver-se com processo judicial implica atuar com o formalismo das regras processuais e da própria mentalidade dos órgãos julgadores e somente vale a pena pelo seu efeito didático.
O Ministério Público do Trabalho tem de assumir uma postura inteligente, estratégica e, muitas vezes maquiavélica com a realidade que enfrenta.
Para combater, de forma eficaz, o desemprego, o M.P.T. tem de mostrar a sua cara para a sociedade, abrindo o diálogo, através de vários institutos e instrumentos, como, por exemplo, as audiências públicas, os inquéritos civis públicos, com orientações e recomendações, não somente expedindo ofícios, mas comparecendo aos locais de trabalho para ouvir as partes e literalmente "constranger" as pessoas para a necessidade de cumprimento de preceitos básicos de convívio social. É preciso interagir até mesmo para abusar a paciência, pois isto gera um custo que será levado em conta quando se pensar em descumprir, novamente, a legislação trabalhista.
A função do parqüet, portanto, inclusive no combate ao desemprego, é ser, com o perdão da irreverência verbal, o "chato de plantão", que combate o pensamento único de que não podemos fazer nada para alterar a realidade.
Assim sendo, volto à questão: o que o ministério público do trabalho pode fazer contra o desemprego?
Agora respondo: muita coisa, desde que combatam o bom combate, compreendendo quais são as suas armas efetivas, não raciocinando somente em termos processuais, mas sim em termos políticos de efetiva atuação.
Venceremos?
Sinceramente, não sei.
Sei apenas que prefiro a tristeza da eventual derrota do que a frustração, a impotência e a vergonha de nem ter sequer lutado.
Notas
1. "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País."