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A efetividade da execução trabalhista.

Uma análise da desconsideração da personalidade juridica como instrumento de sua efetivação

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04/11/2011 às 17:23
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4 A POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA EM FACE DA AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO A SER EXECUTADO

4.1 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DO TRABALHO

A Desconsideração da Personalidade Jurídica, como deveras explanado, é uma construção jurisprudencial, que objetiva impedir que as sociedades empresárias, com respaldo em sua autonomia patrimonial, possam causar prejuízos a outrem, por meio de abusos e fraudes cometidos por trás da pessoa jurídica. Para isso, cada ramo jurídico instituiu, ao longo desta construção, as suas respectivas fundamentações, a justificar esta aplicação.

Em âmbito trabalhista, a aludida teoria já vinha sendo aplicada pelos tribunais, desde muito antes da primeira positivação no direito brasileiro. A jurisprudência quase que unânime utilizava o artigo 2º, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (1943) como possibilidade de desconsideração.

Nota-se que este dispositivo era empregado desde a década de 40 no Brasil, e a partir 1990, foi sendo paulatinamente substituído pela aplicação subsidiária do CDC, que se adequa com perfeição aos anseios trabalhistas, por possuir o mesmo caráter protetivo deste. Acrescenta-se ainda a este dado, o fato de que este é o ramo que melhor se adequa a aplicação desta teoria, pois se trata de seara que carece de maior proteção, além de se encontrar no pólo passivo destas ações, quase sempre pessoas jurídicas, as quais de acordo com o artigo 2º da CLT, devem arcar com os riscos do seu empreendimento. É o que esclarece Amador Paes de Almeida:

Na verdade nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador. Vem, de forma inequívoca, ampliar as garantias do trabalhador, em face, sobretudo, do uso indevido das sociedades personificadas. [95]

A disseminação do uso da desconsideração na Justiça do Trabalho, deve-se ao fato de que, posteriormente à feitura da CLT, visualizava-se no Brasil o crescimento do terceiro setor da economia, e porque não dizer, de mais um segmento que levaria a inevitável exploração do trabalhador, obrigando os tribunais a ficarem atentos aos novos contornos sociais emergentes.

O êxodo rural em virtude do crescimento das cidades, e o conseqüente aumento do desemprego, favoreceram ao desvirtuamento de diversas regras trabalhistas, e também contribuiu para que os tribunais se utilizassem à teoria da desconsideração, mesmo que não existisse qualquer legislação que a determinasse explicitamente a época.

Conquanto pareça inequívoca a utilização do artigo 2º, § 2º da CLT, parte da doutrina não a tem utilizado, pois, apesar de concordar com a aplicação do instituto, não a aceitam como hipótese de desconsideração, por se tratar em verdade de um caso de responsabilidade solidária, como explica Thereza Nahas::

O próprio Rubens Requião, precursor da matéria, ponderou que a legislação trabalhista havia tratado do tema no artigo 2º da CLT quando cuidou da responsabilidade de empresas do mesmo grupo econômico. Não obstante os diversos entendimentos no mesmo sentido, esposados por especialistas do mais alto gabarito, ousamos deles discordar. Entendemos que a CLT não tratou do tema, e, em nenhum momento, previu o legislador trabalhista a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, a qual sempre foi aplicada na esfera trabalhista fundamentada, em entendimento equivocado sobre a norma jurídica invocada. [96]

Quis dizer a autora que, a Consolidação das Leis do Trabalho, ao disciplinar a responsabilidade solidária entre empresas de um grupo econômico, não pretendeu em momento algum desconsiderar a personalidade atribuída ao ente, em caso de exercer a direção de outra empresa, mas determinar que esta ficará solidariamente responsável pelos débitos dos trabalhadores, a empresa principal por cada uma das empresas subordinadas.

Para fundamentar a desconsideração, passou a existir legislação com a mesma sistemática protetiva trabalhista, aplicando responsabilidade ao sócio em caso de fraude através da pessoa jurídica, ou então por insuficiência de patrimônio desta, capaz de saldar a dívida exeqüenda. [97]

Trata-se de aplicação subsidiária do CDC, em seu artigo 28, § 5º, dispositivo que cai como luvas ao âmbito trabalhista, como tem entendido o Tribunal Superior do Trabalho, conforme se pode observar pela decisão abaixo:

RECURSO DE REVISTA EM SEDE DE PROCESSO DE EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. LITISPENDÊNCIA.

Na espécie, o v. acórdão consagra a tese da desconsideração da personalidade jurídica. Em conseqüência, o julgamento, em última análise, tem motivação fundada no art. 28 da Lei nº 8078/90, sem importar em afronta direta ao inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal. A decisão Regional que determina que a execução se processe sobre os bens do Recorrente independentemente da proporção de sua participação no capital social não guarda identidade com o julgamento proferido em sede mandamental, não havendo que se falar em litispendência, nem, tampouco, em cerceamento do direito de defesa.

Recurso de Revista não conhecido.

TRIBUNAL: TST DECISÃO: 26 03 2003 PROC: RR NUM: 466349 ANO: 1998 REGIÃO: 06 RECURSO DE REVISTA TURMA: 04 ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA. [98]

Observa-se pela leitura do julgado que, um dos argumentos contra a aplicação do CDC, diz respeito à suposta ausência de contraditório e ampla defesa, o que não prospera, posto que o executado tem sempre este direito. Além disso, não implicará em impossibilitar o pagamento da dívida com seus bens particulares, pois, caso seja comprovado que se trata de integrante da sociedade empresária a época do inadimplemento, deverá indicar bens da empresa suficientes ao pagamento da dívida, e, inexistindo tais bens, indicar patrimônio próprio (direito ao beneficio de ordem).

Acredita-se que, antes da edição de uma lei que disciplinasse de forma expressa a teoria, havia a necessidade de utilização por analogia de outros dispositivos da CLT, que combinados com os da lei comum, pudessem trazer ao trabalhador a mesma segurança hoje trazida pelo CDC. Ademais, ainda existem diversos julgados que ainda se utilizam de artigos da CLT, porém, quando estiverem presentes grupos de empresas compondo a lide, como se observa no julgado a seguir, da doutrinadora e relatora desta decisão, Alice Monteiro de Barros:

EMENTA: GRUPO ECONÔMICO. SÓCIO COMUM. EMPREGADOR ÚNICO. POSSIBILIDADE DE PENHORA SOBRE BEM DE EMPRESA QUE NÃO FIGUROU NO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. A Súmula n. 205 do TST, contrariamente ao disposto no art. 2o., parágrafo 2o., da CLT, e na Súmula n. 129 do mesmo TST (que consideram empregador único as empresas componentes do mesmo grupo econômico), negava à empresa do grupo a possibilidade de ser sujeito passivo na execução, quando não tivesse participado da relação processual e, conseqüentemente, não constasse do título executivo judicial como devedor.Cancelada a Súmula n. 205, no final de 2003, a questão agora é regida à luz do art. 422, do Código Civil de 2002, que referendou o princípio da boa-fé nos contratos, do art. 50, do mesmo diploma, que permite ao juiz, a requerimento da parte ou DO·MINISTÉRIO Público, intervir no processo para que os efeitos de certas obrigações se estendam aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Em conseqüência, mesmo não constando do título executivo judicial, a empresa componente do mesmo grupo econômico do devedor poderá ser sujeito passivo na execução, pois a hipótese é de empregador (devedor) único. Ora, se está autorizada a desconsideração da personalidade jurídica, a ponto de se atingir a pessoa física dos sócios e administradores, com muito mais razão pode- se atingir empresas do mesmo grupo solidariamente responsáveis para efeito da relação de emprego. Em conseqüência, restando evidenciada a condição de empregador único na hipótese vertente, deve subsistir a penhora efetivada sobre bem imóvel de propriedade de empresa pertencente ao grupo econômico da executada.

Processo 00561-2005-032-03-00-0 AP Data de Publicação

20/09/2005 DJMG Página: 1 Relator: Alice Monteiro de Barros. [99]

A depender do caso concreto, utiliza-se, tanto da CLT, conforme acima demonstrado, como do artigo 28 do CDC, de plena aplicação a Justiça do Trabalho, conforme pode-se vislumbrar em mais um julgado da Relatora Alice Monteiro de Barros:

EMENTA: PENHORA - BENS PARTICULARES DO SÓCIO - A jurisprudência trabalhista já vinha evoluindo no sentido de autorizar a constrição judicial sobre os bens particulares dos sócios de sociedades de responsabilidade limitada em hipóteses não previstas expressamente na lei (Decreto 3.708/1919), como no caso de dissolução irregular da sociedade, sem o pagamento dos créditos trabalhistas, ou ainda quando evidenciado que a empresa não possui bens suficientes para suportar a execução. Nestes casos, cabe invocar a teoria do superamento da personalidade jurídica (‘disregard of legal entity’), a qual permite seja desconsiderada a personalidade jurídica das sociedades de capitais, para atingir a responsabilidade dos sócios, em aplicação analógica do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 50 do novo Código Civil, por sua vez, veio reafirmar o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência trabalhistas, através de uma leitura restritiva da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, voltada a impedir a realização de fraudes ou abusos encobertos pelo véu da personalidade. É preciso não perder de vista, no entanto, o equilíbrio justo entre a proteção dos direitos do trabalhador e a segurança jurídica, não se admitindo o uso exagerado e distorcido da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, aplicada de forma indiscriminada e quase automática aos eventuais impasses da execução. Ressalta-se, no entanto, que, inexistindo bens da empresa executada passíveis de suportar a execução, esta deve prosseguir em face dos sócios.

Processo 00809-1999-087-03-00-1 AP Data de Publicação

07/07/2004 DJMG Página: 1 Relator: Alice Monteiro de Barros [100]

Verifica-se que, mesmo com a devida atenção dada ao artigo 50 do Código Civil, deverá ser utilizado o CDC, por melhor se adequar ao processo trabalhista, podendo ser executado os bens dos sócios, quando ausentes bens da executada, para adimplir os créditos trabalhistas.

5.2 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À FASE EXECUTIVA TRABALHISTA

5.2.1 Considerações introdutórias

A palavra princípio nos traz a idéia de início, começo da existência de algo. Trata-se de uma proposição fundamental e elementar, diretora da compreensão de uma realidade. Surge como um condutor importante à captação do sentido da norma e do instituto jurídico, ou seja, os princípios do Direito, são de suma importância, pois contribuem para uma compreensão generalizada do universo normativo, que no dizer de Mauricio Godinho delgado, "[...] são diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico, e que, após inferidas, a ele se reportam , informando-o". [101]

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Pode ser conceituado como regra fundamental de uma ciência, como se fossem, no dizer de Marcelo Alexandrino "colunas de sustentação de um edifício jurídico", atribuindo coerência a determinadas normas. Os princípios são, portanto, proposições genéricas que norteiam a elaboração de diversas normas, além de orientar os aplicadores do direito na interpretação destas. [102]

Em relação à Justiça do Trabalho, não poderia haver regramento diverso, pois é composto por inúmeros princípios que norteiam as suas regras, tanto materiais quanto processuais, destacando-se como o mais importante, o Princípio da Proteção.

Ensina Mauricio Godinho Delgado, que este princípio compõe a estrutura do Direito do Trabalho, em suas regras, institutos, e inclusive em outros princípios, nos informando ser "[...] uma teia de proteção à parte hiposuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho". [103]

5.2.2 O Princípio da Proteção no Processo Trabalhista

Como pode-se perceber até o momento, o Princípio da Proteção se mostra como instrumento fundamental à proteção ao trabalhador, no direito individual do trabalho. Mas, não é somente nesta seara que necessitará de proteção, fazendo com que este princípio de espalhasse por todo o direito trabalhista, inclusive na seara processual.

Atualmente a doutrina é quase que unânime em considerar o princípio da proteção como fundamental também ao Direito Processual do Trabalho. Entre os precursores deste entendimento, encontramos Carlos Henrique Bezerra Leite, Sergio Pinto Martins e Wagner Giglio. Trata-se de conseqüência lógica da própria razão de ser do processo do trabalhista, com o objetivo de compensar o desequilíbrio existente entre as partes, pois este pode ser considerado como um instrumento para assegurar tais direitos, alcançando o direito material do trabalho. [104]

Podemos conceber o princípio protetivo, em diversas normas processuais trabalhistas, como a gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova concedidos ao trabalhador, para que não dependa nem de subsidio financeiro, e muito menos de meios de prova que pudessem impossibilitar sua defesa.

Entre os outros elementos, cita-se o impulso oficial das execuções trabalhistas, a obrigatoriedade do depósito recursal como garantia de pagamento em uma futura execução, o que por si só já diferencia o tratamento dado na Justiça do trabalho ao exeqüente, melhor até mesmo que na própria legislação consumerista, que, por ser processada por juízos cíveis, não alcança todas as prerrogativas trabalhistas, além de outros preceitos espalhados pela CLT e por outras normas processuais em vigor. [105]

Com base em todas essas considerações, que colocam o processo do trabalho como aparelho a consolidar o direito material do trabalho, não se poderia olvidar que em sede de execução trabalhista, este princípio protetivo merece importante atenção, tendo em vista que neste momento processual, já existe o direito material conferido por sentença transitada em julgado, devendo, por sua vez, implicar em trazer maior efetividade ao provimento emitido.

5.2.3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica como Instrumento do Princípio da Proteção

No princípio em análise, que busca a proteção do trabalhador diante da sua posição de desequilíbrio na relação juslaboral, é traço marcante e de suma importância para a compreensão da posição da Justiça do Trabalho quando diante de determinados fases processuais, em especial a executiva. [106]

Diante do problema social do inadimplemento dos créditos trabalhistas, e visando-se uma proteção maior ao trabalhador, os tribunais têm se valido de diversos meios para que as sentenças proferidas pelos órgãos jurisdicionais consigam alcançar o seu fim.

A título de exemplo, temos a Desconsideração da Personalidade Jurídica, de ampla utilização na Justiça do Trabalho, que tem por finalidade exatamente evitar que o desequilíbrio afastado pelo princípio da proteção seja restabelecido.

A aplicação deste instituto, face a inexistência de patrimônio a ser executado, apesar de causar repudio a diversos juscivilistas, nada mais é do que também a aplicação do princípios da proteção, a fim de que os créditos do trabalhador hiposuficiente não deixem de serem pagos, para que os sócios, mesmo com a insuficiência de patrimônio na empresa, fiquem integralmente com os lucros gerados por esta, sem que os divida com quem também empenhou força de trabalho para que a sociedade desse frutos.

Diferente elemento que dará causa a aplicação desta teoria, é a natureza alimentar das verbas trabalhistas, que freqüentemente não tem o tratamento ideal no processo trabalhista, em função das evasões das empresas executadas, conforme veremos a seguir.

5.3 A NATUREZA ALIMENTAR DAS VERBAS TRABALHISTAS

Dentre as normas de Direito do Trabalho que norteiam o processo trabalhista está a natureza alimentar de tais verbas, compostas sempre do salário e de outras remunerações que irão fazer parte do sustento do trabalhador e de sua família.

O salário, principal verba alimentar, concentra traços marcantes do Direito do Trabalho, fazendo um papel eminentemente socioeconômico, pois atende, ou deveria atender, as necessidades essenciais do empregado. Trata-se de garantia especial indivisível, não sendo passível de penhora, além de ter preferência na ordem cronológica de pagamento de precatórios, como determina o artigo 100 da Constituição Federal. [107]

Com a promulgação da Emenda Constitucional de nº 30 do ano de 2000, que acrescentou o parágrafo primeiro A, ao artigo 100 da nossa Carta Magna, foi determinado o rol das verbas de natureza alimentar, conferindo ao mesmo tempo proteção constitucional. Entre elas, encontram-se os salários, proventos, pensões com suas complementações, benefícios previdenciários, assim como as indenizações por morte e invalidez, conforme se verifica abaixo: [108]

Art. 1º O art. 100 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. [109]

Como as verbas trabalhistas são quase que em sua totalidade compostas de créditos de natureza alimentar, se faz necessária maior atenção do Estado a esta justiça especializada, tendo em vista ser esta esfera um celeiro de discussões acerca de tais verbas.

Ao promulgar este dispositivo no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, quis o Poder Constituinte Derivado que esta esfera conferisse a norma trabalhista maior efetividade, a qual poderá ser dada através de suas decisões, além dos meios de sub-rogação e coerção pertinentes. Assim, em caso de inadimplemento de tais verbas, poderá a Justiça do trabalho impedir que a desobediência a este preceito venha a desrespeitar também outros ditames constitucionais, como o princípio da dignidade da pessoa humana.

A partir do momento que débitos alimentares tornam-se uma garantia constitucional, a execução trabalhista mais do que nunca deverá alcançar o seu fim, através de instrumentos que possam fazer valer tais normas.

Mais uma vez a Desconsideração da Personalidade Jurídica se mostra como meio hábil a tornar eficaz a norma constitucional. Quando a empresa executada não tiver patrimônio suficiente para saldar as verbas trabalhistas, deverá ser aplicada a desconsideração, mesmo que não se configurem abusos ou fraudes através dessa pessoa jurídica.

Neste viés, podemos citar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que condiciona a aplicação da teoria com base na natureza das verbas trabalhistas:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE BEM DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Partindo da premissa de que os créditos trabalhistas, ante a natureza alimentar de que são revestidos, são privilegiados e devem ser assegurados, a moderna doutrina e a jurisprudência estão excepcionando o princípio da responsabilidade limitada do sócio, com fulcro na teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma que o empregado possa, verificada a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados. Inocorrida afronta a norma constitucional. Recurso de Revista não conhecido.

TRIBUNAL: TST DECISÃO: 19 02 2003 NUMERAÇÃO ÚNICA PROC: RR - 2549-2000-012-05-00 RECURSO DE REVISTA TURMA: 04 ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA. [110]

Estar-se-á cometendo em injustiças na ocasião em que sobrepomos os interesses dos sócios em detrimento dos do trabalhador, pois ambos têm direito às suas verbas alimentares, mas não se poderá aceitar que o empregado não receba seus créditos, em função dos lucros dos sócios e insolvência da empresa, que normalmente atribuem a culpa pelo inadimplemento a pessoa jurídica.

Portanto, a natureza alimentar das verbas trabalhistas deve ser vista como mais um requisito a justificar a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução trabalhista, quando não restarem bens para pagar os aludidos créditos, cabendo desta forma aos sócios, o adimplemento destas obrigações como forma de restabelecer o equilíbrio na relação laboral.

5.4 NOVA SISTEMÁTICA DE APLICAÇÃO DA TEORIA

Durante a Revolução Industrial, o trabalhador passou a ser um elemento importante no sistema produtivo que nascia. Passa a ficar separado dos meios de produção, ou seja, juridicamente livre, como diz Maurício Godinho Delgado, porém subordinado ao proprietário desses meios. Com o crescimento da sociedade industrial, e a com a relação de emprego como dominante na sociedade da época, surge o Direito do Trabalho, ramo jurídico especializado, produto das transformações político-sociais e econômicas do século XIII. [111]

O Direito do Trabalho possui então, como função, a melhoria das condições de vida do trabalhador, ou seja "[...] da pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica", característica esta, que não poderá ser encarada individualmente, mas sob a ótica coletiva, como um universo de trabalhadores, para que melhor de vislumbre este atributo.

Em âmbito processual, tem como alvo determinante a busca por uma igualdade jurídica entre empregados e empregadores, com a finalidade de alcançar uma justiça social. Entretanto, para concretizar este objetivo, se faz necessário que os justrabalhistas, ao interpretarem tais normas, tenham em mente sempre a busca na dignidade deste trabalhador, que poderá ser aferida se for justa a sua remuneração. [112]

Os elementos acima descritos consistem em preceitos essenciais, para que se possa entender o posicionamento da Justiça do Trabalho diante dos inúmeros problemas porque tem passado, entre eles, a inefetividade da sentença trabalhista, o que leva os magistrados a buscarem a sua concreção na responsabilização dos sócios, pelas obrigações descumpridas pelas sociedades empresárias quando estas, são objeto de execução por tais decisões. [113]

A CLT traz logo em seus dispositivos iniciais, exemplos de proteção ao trabalhador hiposuficiente como preceito fundamental do Direito do Trabalho. Trata-se do artigo segundo, o qual atribui os riscos da atividade econômica ao empregador. [114]

Determina que o empregador, em nenhuma hipótese, poderá transferir os riscos do seu empreendimento ao empregado, por ser tal determinação de ordem pública, e não privada, não permitindo qualquer estipulação em contrário, como poderia ocorrer em um contrato privado entre particulares, como nos esclarece com precisão Amador Paes de Almeida: [115]

Não obstante a obrigação contratual de pagar salário (instrumento de sobrevivência do empregado e de sua família), a lei, taxativamente (art. 2º da CLT), proclama, com relação ao empregador, de forma inequívoca, a responsabilidade objetiva, consagrando, no âmbito das relações de emprego, a denominada teoria do risco que, como se sabe, independe de dolo ou culpa. Assumindo os riscos da atividade econômica, em qualquer circunstancia, recessão, retratação de vendas, crise monetária e etc., o empregador, ainda que não tenha concorrido com o evento, é responsável pelo pagamento dos salários dos seus empregados, devendo indenizá-los, na forma da lei. [116]

Demonstra-se que todas as vezes que o empregador admite empregados, estes terão direito a remuneração pelo trabalho prestado, tratando-se de uma contraprestação pelos serviços, mesmo porque, dificilmente um empregado se sujeitaria a prestar este serviço gratuitamente.

Outro dado que confirma este entendimento, repousa no fato de que os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, que tendem a relativizar as normas trabalhistas, admitem a possibilidade de diminuição do valor pago aos trabalhadores, em caso de crise, para que não ocorra desemprego, porém, não permite que, em caso de quebra da respectiva sociedade, que seja lícito o não pagamento da respectiva remuneração, pois deverá arcar não somente com os pontos positivos, as também com os negativos do seu empreendimento.

Indaga-se então, qual seria a melhor forma de impedir, que o empregador, em estado de insolvência, arque com o produto negativo de seu empreendimento, não transferindo o trabalhador, posto que este, já arcará com um dos piores temores da atualidade: o desemprego.

Inúmeros estudos, como o deste presente trabalho, se espalharam com o crescimento do progresso, e com a inadimplência das sociedades empresárias, trazendo como solução, a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, em que o magistrado terá a faculdade de se valer dos bens dos sócios para o adimplemento da dívida.

Ocorre que o inadimplemento tem se tornado situação corriqueira na Justiça do Trabalho, quando se encontra no pólo passivo uma sociedade limitada a ser executada por tais dívidas, levando ao que mais preocupa os justrabalhistas, em sede processual, que é a crise do processo de execução. [117]

Essa dificuldade em dar cumprimento as sentenças trabalhistas, sempre foi uma preocupação em nossa jurisprudência, fazendo com que os tribunais ao longo dos anos, se fortalecessem com mecanismos que dessem maior celeridade e efetividade ao pagamento destes créditos. [118]

O instrumento mais utilizado na prática trabalhista é a Desconsideração da Personalidade Jurídica, que na Justiça do Trabalho é aplicada de forma ampla, bastando a insolvência da empresa executada, concomitantemente ao não pagamento das verbas trabalhistas, para que se configure a possibilidade de responsabilização dos sócios, chamada também de teoria menor da desconsideração, como deveras explicado.

Configura-se como um tratamento especial dado aos créditos trabalhistas, em virtude do princípio da proteção, basilar do Direito do Trabalho, somada a natureza alimentar destas verbas, que necessitam um cuidado diferenciado, ainda mais, com o amparo constitucional que lhe foi atribuído.

Verifica-se como a possibilidade de aplicação da desconsideração a Execução Trabalhista, por insuficiência de bens, um avanço da jurisprudência e doutrina brasileiras, de maneira a dar maior garantia ao trabalhador que, de forma mais célere, terá suas verbas adimplidas. Neste sentido, ainda nos lembra Amador Paes de Almeida:

Durante longo período de tempo relutou a doutrina em aceitar a possibilidade de penhorar os bens particulares dos sócios, sob o argumento de que a pessoa jurídica de uma sociedade comercial tem existência distinta de seus membros. Toda sociedade, seja civil ou comercial, é considerada uma pessoa, tem individualidade própria, e com ela jamais se confundem as pessoas que a compõem.

Com o passar dos tempos, todavia, cuidou a história de mostrar que a resistência de parte da doutrina, em aceitar a possibilidade de se alcançar os bens particulares dos sócios, não tinha razão de ser. Isto porque, a idéia de personalidade jurídica não pode sobrepor-se à usar de uma máscara, para a ressalva de interesses próprios em detrimento dos interesses sociais, devendo por sua vez, ser desmascarados. [119]

A autonomia da pessoa jurídica então, deverá sofrer limitações, para que prevaleça o interesse na Justiça. A legislação brasileira, sempre privilegiou esta autonomia, e somente, muitos anos depois, com a forte pressão jurisprudencial, que nossos legisladores se prontificaram a positivar a desconsideração.

O primeiro dispositivo a fundamentar a aplicação da desconsideração pela jurisprudência foi o artigo 2º, §2º da CLT, que trata, como visto, da responsabilidade patrimonial dos grupos de empresas, que atualmente vem caindo em desuso para determinar esta aplicação, por existirem outros diplomas legais que reproduzem de forma mais precisa a teoria em comento.

Entre os diplomas legais que autorizam a desconsideração, está o Código Civil, que requer alguns requisitos explanados no seu artigo 50, como a comprovação de fraudes, abusos e confusões patrimoniais pela pessoa jurídica devedora. No entanto, tais regras, não podem ser aplicadas na Justiça do Trabalho, por não serem compatíveis em a principiologia com do ramo juslaborista.

Além do exposto, ainda são de difícil comprovação, fazendo com que a morosidade processual favoreça o devedor, tratamento este, que causa repúdio em diversos autores, como Arion Sayão Romita, ao dizer que os ditames civilistas não merecem aplausos, não podendo ao empregado ser imposto os riscos de uma execução insuficiente. [120]

Resta, de tal modo, impossibilitada a utilização da legislação civil para a aplicação da desconsideração, ainda mais depois da edição do Código de Defesa do Consumidor, com a Lei 8.078/90, que comporta adequação mais correta da teoria para a seara trabalhista.

O Código de Defesa do Consumidor, como diz Maurício Godinho Delgado, foi construído com as mesmas características do Direito do Trabalho, sendo plenamente aplicável as suas normas processuais ao processo trabalhista. Para ratificar este posicionamento, o autor descreve diversos pontos que confirmam esta semelhança: quando parte da noção de ser coletivo, e fixa a responsabilidade objetiva do fornecedor, que é noção clássica do Direito do Trabalho, aceita com reservas no Direito Civil; quando incorpora a desconsideração da personalidade jurídica, tradicionalmente aplicada na jurisprudência trabalhista; quando acolhe o principio da norma mais favorável, de origem trabalhista, entre outras semelhanças que justificam a aplicação subsidiaria desta legislação na Justiça do Trabalho. [121]

Da mesma forma, novos doutrinadores justrabalhistas brasileiros tem se preocupado em justificar esta semelhança, para conseguir, enquanto não advém legislação trabalhista a respeito, a plena utilização do CDC, como nos ensina Thereza Nahas:

A Consolidação das Leis do Trabalho e o Código de Defesa do Consumidor têm por base o principio da proteção ao direito da parte mais fraca da relação jurídica. Assim, o legislador traça normas que vão desigualar a parte na relação a fim de mantê-las iguais no plano da negociação. Portanto, os princípios protetivos dos dois institutos acabam por ser idênticos, guardadas evidentemente as diferenças relacionadas ao objeto da relação jurídica, uma de consumo e outra de trabalho. Todavia, ambas tidas pelo legislador constitucional como necessárias e suficientes ao desenvolvimento da ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal). [122]

Como verificado pela passagem supracitada, estes institutos têm imensa proximidade, mesmo com o CDC sendo de direito privado, desmembrados do Direito Civil como microssistema deste, para lhe dar diferente enfoque e substância. É preciso que os ramos trabalhista e consumerista se complementem na prática processual, de modo a dar plena eficácia a ambos os ramos jurídicos, afastando os preceitos puramente civis que ainda o possam afetar negativamente.

Torna-se indispensável, portanto, a utilização do CDC diante da lacuna existente na CLT, no tocante a aplicação teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, devendo ser aplicada subsidiariamente quando necessário o artigo 28, § 5º deste diploma, que aduz que "[...] também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" [123], entendendo-se trabalhadores em lugar destes.

Ao defender esta aplicação subsidiária, ainda destaca Renato Saraiva que, o CDC, na parte processual é totalmente aplicável à execução trabalhista, ainda mais pelo fato de que a Lei da Ação Civil Pública determinar em seu artigo 21, a aplicação do CDC às ações coletivas e individuais, no que for compatível, se insurgindo como mais um fundamento a ensejar a aplicação também ao processo do trabalho. [124]

Nota-se que, todos os argumentos explanados até então, ratificam a incessante luta pela proteção dos créditos trabalhistas. A referida teoria, mesmo quando inexistia legislação que a determinasse, já era aplicada diante da ausência de patrimônio a ser executado, frente à natureza alimentar de suas verbas e ao princípio da proteção.

Existindo atualmente legislação com o mesmo caráter protetivo que o trabalhista, torna-se necessária a sua aplicação, entendimento este já pacificado nos tribunais trabalhistas, fazendo da teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica plenamente aplicável a Execução Trabalhista, sempre que inexistirem patrimônio a ser executado, ressarcindo os prejuízos causados aos trabalhadores, pelo inadimplemento de seus créditos alimentares.

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Sobre a autora
Livia Gomes Muniz

Advogada. Graduada pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas de São Luis. Faculdade São Luis - Maranhão. advogados da Companhia Energética do Maranhão - CEMAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUNIZ, Livia Gomes. A efetividade da execução trabalhista.: Uma análise da desconsideração da personalidade juridica como instrumento de sua efetivação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3047, 4 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20359. Acesso em: 14 nov. 2024.

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