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O conceito de Direito

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03/12/2011 às 09:31
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6. APONTAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA NA INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA DO DIREITO

Vimos até aqui diferentes conceitos de direito, não só em divergentes enfoques dentro do positivismo, a partir da ótica da Teoria do Direito, mas também com a vertente mais diferenciada da sociologia jurídica, que busca uma análise do direito enquanto fenômeno dialético.

Neste momento, queremos, sucintamente, apontar a visão da Teoria Crítica do Direito na investigação do que é o direito, ou seja, qual a sua preocupação ontológica com o fenômeno jurídico.

Luiz Fernando COELHO, em sua obra Introdução à crítica do direito40, diz que “o problema ontológico da juridicidade é falso problema que a filosofia do direito criou, em seu papel ideológico de reforçar a imagem do direito como algo que ‘existe’ e que portanto deve ser aceito com naturalidade”41.

Isso porque entende que o problema verdadeiro a ser abordado, e que as teorias até então não o fizeram, é o de buscar-se entender o direito a partir de uma “ontologia real”, quer dizer, a partir da sociedade concreta.

E nesta sociedade, para o autor, o direito “não é um ser, mas um conjunto ideologizado de princípios daquela realidade social, uma realidade construída pelo homem no processo histórico e em permanente transformação”42 e, acrescenta, que o problema de sua ontologia é falso porque a busca de seu entendimento como um direito-em-si apenas situa-se no plano da legitimação da práxis.

Assim, o olhar da Teoria Crítica do Direito é o de questionamento do ser jurídico, buscando um outro ponto de partida para analisar a ontologia do direito, qual seja, a busca do entendimento do direito “como prática social específica, na qual se manifestam os grupos sociais em suas interações históricas”43.

Citando ENTELMAN, COELHO apresenta o modo como a Teoria Crítica encara o fenômeno jurídico, como “prática social específica na qual estão expressados historicamente os conflitos, os acordos e as tensões dos grupos sociais que atuam em uma formação social determinada”44.

Assim, vemos que a postura da Teoria Crítica é não somente de questionamento e crítica do direito, negando-se a entender o direito como conjunto de normas, instituição burguesa. A Teoria Crítica adota também um entendimento e uma proposta para o direito a partir da prática social, proposta esta de verdadeira intervenção na realidade.

A partir disto é que ela, enquanto teoria, busca reclamar um novo estatuto epistêmico para o direito, de modo a compreendê-lo, explicá-lo e conceituá-lo em sua flutuação histórica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que é “direito”, ou um conceito único e definitivo de direito é algo difícil de se conseguir alcançar, nada pacífico nem entre as várias ciências e a filosofia, quando se propõem a analisar o problema, nem entre as inúmeras vertentes que cada uma delas possui.

Assim, vimos que mesmo entre expoentes do positivismo, KELSEN, HART e BOBBIO, não existe uma única idéia sobre o conceito de direito. Embora todos perpassem a esfera da normatividade e da coatividade como elementos fundamentais da definição, cada um, a seu modo, analisa o fenômeno de maneira diferenciada.

Por outro lado, o enfoque filosófico, sociológico e dialético de LYRA FILHO apresenta uma outra visão do fenômeno jurídico, mais completa, por encarar o fenômeno em sua totalidade e por entende-lo como processo em constante movimento.

Já a proposta da Teoria Crítica do Direito quanto à questão ontológica do direito é de uma análise que o entende como tendo sido até então encarado como um fenômeno de manifestação ideológica, devendo passar a ser encarado como fenômeno histórico e social, o qual, a partir da práxis, poderá ser redefinido. Ë neste sentido que Clemerson Cléve fala:

Da necessidade de um saber que conheça o direito como ele é, como vem se apresentando em sua história e concreção, para modificá-lo, não teórica, mas historicamente. As reconstruções ontológicas, neste caso, acompanharão as mutações históricas, e não o inverso45.

Entendemos que as várias definições que existem de direito são construídas a partir de posições éticas e políticas, que normalmente estão escondidas por trás de sua formulação.

Deve-se, quando da análise do conteúdo de uma conceituação, questionar-se sobre o local epistemológico de onde quem a elaborou fala, negando-se qualquer pretensa neutralidade científica, hoje já desmitificada, que possa ser envocada.

Concluímos que para se ter um conceito de direito é importante não simplesmente aderir a determinada concepção apresentada por um ou outro clássico, mas captar a especificidade do direito contemporâneo, conhecendo-o em suas várias manifestações e, a partir disso, articulá-lo com as várias lutas que são travadas na sociedade, de modo a percebê-lo como objeto que se localiza espacial e temporalmente, compreendendo, assim, “sua flutuação histórica e a possibilidade de sofrer transformações”46.


BIBLIOGRAFIA

BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo. Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unisinos, 1999.

BUSATO FILHO, Arnaldo Faivro. Sobre direito e ideologia. Esboço de uma abordagem interdisciplinar. Revista da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, vol. 22: p. 262-271.

CLEVE, Clemerson Merlin. O direito e os direitos. Elementos para uma crítica do direito contemporâneo. São Paulo: Acadêmica, 1988.

COELHO, Luiz Fernando. Introdução à crítica do direito. Curitiba: Livros HDV, 1983.

_________________. Teoria crítica do direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991.

CORRÊA, Darcísio. O que é direito? Retomando o debate. Direito em debate: em busca de alternativas, s.l., Ed. Unijuí, v. 2: p. 7-23, out/1992.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1994.

HART, Herbert. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkinan, 1994.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

LIMA, Sérgio Roberto. Para uma teoria dialética do direito. Um estudo da obra do prof. Roberto Lyra Filho. Florianópolis: dissertação de mestrado, UFSC, 1995.

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 1999.

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RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. São Leopoldo: Unisinos, 1998.

VENERIO, Carlos Magno Spricio. A concepção de democracia de Hans Kelsen: relativismo axiológico, positivismo jurídico e reforma institucional. Florianópolis: dissertação de Mestrado, UFSC, 1999.

YOKOHAMA, Alessandro Otávio. A eficácia como condição de validade da norma jurídica em Kelsen. Florianópolis: dissertação de mestrado, UFSC, 1999.


Notas

  1. COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, p. 176.
  2. Cf. os ensinamentos de MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Livraria Martins, 1972, p. 29-59.
  3. André Franco Montoro, op. cit., indica, ainda, que na acepção de norma ou lei, direito pode indicar realidades diferentes quando se refere ao direito positivo e ao direito natural ou ao direito estatal e ao direito não-estatal. Cf. p. 34-37.
  4. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 31.
  5. Apud MONTORO, André Franco. Op. cit., p. 38.
  6. Ë neste sentido que alguns clássicos como Aristóteles, Platão ou Santo Tomás de Aquino se utilizaram da palavra direito.
  7. Ou neo-positivista, já que foge ao positivismo legalista e propõe uma ciência do direito como uma meta-linguagem, como quer ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. São Leopoldo: Unisinos, 1998, p. 91.
  8. Cf. VENERIO, Carlos Magno Spricio. A concepção de democracia de Hans Kelsen: relativismo axiológico, positivismo jurídico e reforma institucional. Florianópolis: dissertação de Mestrado, UFSC, 1999, p. 67.
  9. YOKOHAMA, Alessandro Otávio. A eficácia como condição de validade da norma jurídica em Kelsen. Florianópolis: dissertação de mestrado, UFSC, 1999, p. 34.
  10. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 5.
  11. KELSEN, Hans. Idem, p. 6.
  12. KELSEN, Hans. Idem, p. 33.
  13. KELSEN, Hans. Idem, p. 33.
  14. Esta segurança coletiva, que tem como fim a paz, atinge o grau máximo “quando a ordem jurídica, para tal fim, estabelece tribunais dotados de competência obrigatória e órgãos executivos centrais tendo à sua disposição meios de coerção de tal ordem que a resistência normalmente não tem qualquer perspectiva de resultar” (KELSEN, Hans. Op. cit. p. 41).
  15. YOKOHAMA, Alessandro Otávio. Op. cit., p. 22.
  16. HART, Herbert. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkinan, 1994.
  17. BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo. Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p. 107.
  18. As regras primárias têm os seguintes defeitos: incerteza, estaticidade e ineficácia.
  19. Que resolvem os defeitos de incerteza, estaticidade e ineficácia das regras primárias.
  20. ROCHA, Leonel Severo. Op. cit., p. 95.
  21. Cf. Oliveira Júnior, José Alcebíades de. Bobbio e a filosofia dos juristas. Porto Alegre: Fabris Editor, 1994, p. 33.
  22. OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 77.
  23. OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 115.
  24. OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 79.
  25. OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 115.
  26. OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 116. Importante acrescentar-se, ainda, que sendo o direito um discurso (e, como tal, um fato), as normas não são nada além do que comunicações linguísticas prescritivas, ou seja, enunciados para modificar a conduta humana. Assim, a jurisprudência de BOBBIO (dogmática jurídica) é apenas uma análise do discurso do legislativo. (Cf. GUASTINI, apud OLIVEIRA JÚNIOR, op. cit., p. 116-117). Pode-se dizer, ainda, que a teoria do direito de BOBBIO, ao contrário do positivismo legalista, propõe uma ciência ciência do direito como uma meta-linguagem.
  27. LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 1999.
  28. LYRA FILHO, Roberto. Op. cit., p. 86.
  29. LYRA FILHO, Roberto. Op. cit., p. 57.
  30. Cf. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 56-58.
  31. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 59.
  32. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 62.
  33. LIMA, Sérgio Roberto. Para uma teoria dialética do direito. Um estudo da obra do prof. Roberto Lyra Filho. Florianópolis: dissertação de mestrado, UFSC, 1995, p. 110.
  34. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 69.
  35. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 70.
  36. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 82.
  37. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 82.
  38. LYRA FILHO, Roberto. Idem, p. 86.
  39. LYRA FILHO, Roberto. Pesquisa em que direito? Brasília: Edições Nair, 1984, p. 16-17.
  40. COELHO, Luiz Fernando. Introdução à crítica do direito. Curitiba: Livros HDV, 1983.
  41. COELHO, Luiz Fernando. Idem, p. 17.
  42. COELHO, Luiz Fernando. Idem, p. 17.
  43. COELHO, Luiz Fernando. Idem, p. 17.
  44. Apud COELHO, Luiz Fernando, 1991, p. 124.
  45. CLEVE, Clemerson Merlin. O direito e os direitos. Elementos para uma crítica do direito contemporâneo. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 134.
  46. CLEVE, Clemerson Merlin. Idem, p. 134.
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Sobre a autora
Daniele Comin Martins

Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Mestre em Direito pela UFSC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Daniele Comin. O conceito de Direito . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3076, 3 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20549. Acesso em: 25 abr. 2024.

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