6. Alternativismo, Uma Perspectiva Axiológica
A experiência jurídica, segundo conhecidíssimo pensamento jurídico, pode ser estudada em três aspectos: Fato, valor e norma. A partir da norma constitui-se a epistemologia do direito, à qual pertence a dogmática jurídica, que estuda o direito como ordem normativa. O fato é estudado pela culturologia. Por fim, cabe à axiologia jurídica o exame dos valores do direito(20).
Quando se fala em valores, percebe-se que a maioria dos autores define um conjunto de características axiológicas que, segundo eles, fazem parte indispensável do direito alternativo. Tais valores como: Justiça, equidade, democracia, luta contra o modelo neoliberal, entre outros, são tidos como essência do ordenamento alternativo. Ou seja, o direito alternativo é visto sempre como justo, democrático e libertador das classes oprimidas. Entretanto, o alternativismo pode ter uma conceituação moralmente positiva, mas é inadequado vincular seu conceito exclusivamente a uma moral positiva (segundo perspectivas deste ou daquele grupo social)(21).
O problema desta definição é que estes autores estão confundindo elementos acidentais, ideais e princípiológicos, com elementos ontológicos. A construção da diferenciação é algo essencial. É verdadeiro que os teóricos do movimento do direito alternativo buscam através da justiça o fim da miséria populacional, a democracia, a concretização das liberdades individuais, o fim de um modelo econômico opressor, a modificação do sistema jurídico, e a equidade(22). Mas estes valores não são inerentes a todas as expressões do direito alternativo, não constituem a sua essência, e sim o seu ideal.
Há uma diferença gigantesca entre o que se pretende ser do que se realmente é, principalmente quando se fala em justiça, visto que não existe um critério ou princípio universalmente válido que nos permita enjuizar ou valorar o direito para estabelecer o que é ou não justo(23). Já dizia Legaz y Lacambra(24): "A unidade da idéia de justiça, corresponde subjetivamente à multiplicidade de ideais de justiça".
Mesmo diante das escolhas axiológicas de cada indivíduo é inapropriado definir o direito dogmático como "injusto" e o direito alternativo como "justo", isto é mera ingenuidade(25), é confundir dogmatismo com dogmática. Pois tanto o uso alternativo do direito, quanto o direito alternativo e o direito dogmático podem ser configurados de moral negativa e usados para fins reprováveis.
Contudo o movimento do direito alternativo representa uma esperança, a possibilidade da concretização de ideais almejados pelo homem por muito tempo, onde, apenas através do direito, eles podem ser concretizados. Mas deve-se combater as arbitrariedades que ocorrem no seio do alternativismo, em busca de afastar as "injustiças" criadas por um sistema bem mais axiológico que a dogmática. O abismo axiológico é algo perigoso, mas controlável. Já nos ensinava Martínez Paz(26) "El hombre sabe que una perfección absoluta no ha sido nunca alcanzada en la realidad, pero tiene la certeza ineludible de que esa perfección existe, pues sin ella, sería incomprensible esa sed insaciable de justicia que lo agita y carecería el derecho del elemento fundamental que lo sostiene."
Notas
1. BECKER in Pequena história da Civilização Ocidental apud KLIPPED, Rodrigo Ávila Guedes e KLIPPED, Bruno Ávila Guedes. Direito Alternativo.
http://www.jus.com.br/doutrina/diralt2.html Abril de 2000.
2. AFTALIÓN, Enrique. OLANO, F. e VILANOVA, J. Introducción al Derecho. Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1972
3. CARVALHO, Amilton Bueno de (1991). Lei No. 8.009/90 e o Direito Alternativo. In Edmundo Lima de Arruda Jr. (org.) Lições de Direito Alternativo, pp. 53-70. São Paulo: Ed. Acadêmica.
4. ROCHA, Dário e NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Apostila de Introdução ao Estudo do Direito II. Recife, 1984. Para Aristóteles, o conceito é a expressão real da verdade. É a forma do pensamento humano que permite destacar os caracteres essenciais e gerais das coisas, ou os fenômenos que ocorrem na realidade objetiva. Diferentemente de Platão, que considerava o conceito a passagem do sensível particular (ordenação transcendente de imagens defeituosas) para o inteligível universalmente.
5. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 10ª Edição revisada e atualizada. págs 332-340, São Paulo: Saraiva,1983. Além de ROCHA, Dário. Considerações Digressivas e Nem Sempre Ortodoxas de Como e Porque Ser e Não Ser Alternativo. Revista da OAB seccional de Pernambuco. Ano 32 Nº 24 1997 Recife.
6. TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10ª edición actualizada. Buenos Aires: Perrot, 1991, págs 164-169
7. COSSIO, Carlos. Norma, Derecho y Filosofía, publicado en "La Ley", t. 43 (ano 1946) pág. 967, esp.,968 apud TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho.
8. KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas.Tradução de DUARTE, José Florentino.
9.ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima. Direito Alternativo no Brasil, Alguns Informes Preliminares.
(org.) ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima. Lições de Direito Alternativo II, Pág. 159-177 São Paulo: Acadêmica, 1992.
10. Nomenclatura de CARVALHO, Amilton Bueno de. OP. Cit. p. 3-5. apud PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Direito Alternativo: uma tentativa de impedir a modernização do Direito?, Estudantes Caderno Acadêmico. Recife. Ano 4 Nº. 6, 2000, p.25-36.
11. Ibid.
12. FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Globo, 21ª edição, Rio de Janeiro: Globo.
13. Para uma definição mais completa das pretensões do direito dogmático c.f. ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista da Esmape. Recife: vol. 2, n. 06, 1997.
14. SOUTO, Cláudio. Direito Alternativo ou Formas Alternativas de Direito. Revista da OAB seccional de Pernambuco, pág. 125-163, Ano 32 Nº 24, 1997.
15. ROCHA, Dário. Considerações Digressivas e Nem Sempre Ortodoxas de Como e Porque Ser e Não Ser Alternativo. Revista da OAB seccional de Pernambuco. Ano 32 Nº 24 1997 Recife.
16. Existem pesquisas importantes sobre este ponto realizadas no Recife desde a década de 70. Cf. J. Ascenção (org.): Água Branca – Pesquisa de um Direito Vivo. Recife, Ed. Universidade Federal de Pernambuco, 1979; J. Falcão (org.): Conflito de Direito de Propriedade: Invasões Urbanas. Rio de Janeiro, Forense, 1984; L. Oliveira. Sua Excelência o Comissário. Recife, PIMES/UFPE, 1984 e L. Oliveira/A.C. Pereira. Conflitos coletivos e acesso à Justiça. Recife, Ed. OAB/Massangana, 1988.
17. ADEODATO, João Maurício. Para Uma Conceituação do Direito Alternativo. Direito Alternativo ou Formas Alternativas de Direito, revista da OAB seccional de Pernambuco. págs. 157-174. Ano 32, nº 24 1997.
18. NEVES, Marcelo. Do Pluralismo Jurídico à Miscelânea Social: O Problema da Falta de Identidade da(s) Esfera(s) de Juridicidade na Modernidade Periférica e Suas Implicações na América Latina. Trabalho apresentado ao II Encontro Internacional de Direito Alternativo. Florianópolis, 1993.
19. SOUZA SANTOS, Boaventura apud NEVES, Marcelo. Do Pluralismo Jurídico à Miscelânea Social: O Problema da Falta de Identidade da(s) Esfera(s) de Juridicidade na Modernidade Periférica e Suas Implicações na América Latina.
20. SOUZA SANTOS, Boaventura apud SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de. Movimentos Sociais – Emergência de Novos Sujeitos: O Sujeito Coletivo de Direito.
21.No presente estudo concordamos com CINTRA, GRINOVER e DINAMACO com ressalvas. Divergimos quanto à qualificação da deontologia como matéria responsável pela análise do "valor do direito", visto que modernamente este papel está confiado à axiologia jurídica. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17ª edição. Pág. 50. São Paulo: Medeiros, 1990.
22. ADEODATO, João Maurício. Para Uma Conceituação do Direito Alternativo. Direito Alternativo ou Formas Alternativas de Direito, revista da OAB seccional de Pernambuco. págs. 157-174. Ano 32 nº 24 1997
23ANDRADE, Lédio Rosa. O que é Direito Alternativo. http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cejur/artigos/direitoalternativo.htm,1 de abril de 2001.
24. TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10ª edición actualizada. Buenos Aires: Perrot, 1991, págs 285-286.
25. LEGAZ Y LACAMBRA. Ob. cit. em nota 2, págs. 446 e 447, respectivamente. Apud TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10ª edición actualizada. Buenos Aires: Perrot, 1991.
26. É muito feliz o artigo de João Maurício Adeodato que mostra claramente os usos de sistemas moralmente e eticamente reprováveis, através do alternativismo, como corrupção, dicotomia regra/exceção, ficção da isonomia, subsistema das boas relações, poder militar politizado, "jeito", clientelismo, procrastinação do feito, ineficácia da lei e ficção da hierarquia no sistema jurídico oficial. C.f. ADEODATO, João Maurício. Para Uma Conceituação do Direito Alternativo. Direito Alternativo ou Formas Alternativas de Direito, revista da OAB seccional de Pernambuco. págs. 157-174. Recife, Ano 32, Nº 24, 1997.
26. PAZ, Martinez. Sistema de Filosofía del Derecho, Buenos Aires, 1940, págs. 313 y 315, respectivamente. Apud TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10ª edición actualizada. Buenos Aires: Perrot, 1991.
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